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La Force de l’âge

No documento Simone de Beauvoir e Portugal (páginas 171-176)

público português a escutou Não podemos negligenciar a importância desse estatuto enquanto instrumento

5. A visão de Portugal na obra de Simone de Beauvoir

5.2. La Force de l’âge

A Força da Idade (1960) é o relato autobiográfico da vida adulta de Simone de Beauvoir

que segue o estilo de Mémoires d’une jeune fille rangée (1958). Em La Force de l’âge, encontramos a descrição de um longo período de liberdade que a autora aproveitou para explorar a sua própria vontade de emancipação. Sem preocupações financeiras, sem os constrangimentos de uma religião, sem a pressão familiar, sem filhos, nem preconceitos, a escritora dedicou-se à exploração daquilo que a vida tinha para lhe oferecer. A procura da felicidade é característica desta sua fase mais egocêntrica e as preocupações com as mudanças que se faziam sentir no mundo ainda não a afligiam tanto como viria a acontecer mais tarde. É essa a realidade que a autora evoca ao dizer:

«Mais qu’étions-nous? Pas de mari, d’enfant, de foyer, aucune surface sociale, et vingt-six ans: à cet âge, on a envie de peser sur la terre. (...) Jusqu’alors mon plaisir à vivre, mes projets littéraires, la garantie que me fournissait Sartre m’avaient épargné ce genre de souci.»344

Assim, esta obra é o resultado de uma necessidade de expiação e retrata o empenho que Beauvoir colocou na tarefa de construção de uma autonomia feliz. No entanto, através das páginas deste livro, encontramos toda uma série de temas universais que lhe dão riqueza e consistência: o medo da morte, a paixão pela vida, a alegria da escrita, o amor verdadeiro, a angústia do envelhecimento, entre outros. As reflexões suscitadas por estas matérias resumem o sentido da obra: a vida de uma mulher que procura ser feliz.

Contudo, este relato não é fortuito, segue uma ordem que lhe é atribuída pela autora. Nas suas próprias palavras, Beauvoir explica, por exemplo, o que a levou a omitir certos aspectos da sua vida, valorizando outros:

«Cependant, je dois les [les lecteurs] prévenir que je n’entends pas leur dire tout. J’ai raconté sans rien omettre mon enfance, ma jeunesse; mais si j’ai pu sans gêne, et sans trop d’indiscrétion, mettre à nu mon lointain passé, je n’éprouve pas à l’égard de mon âge adulte le même détachement et je ne dispose pas de la même liberté.(…) Je laisserais résolument dans l’ombre beaucoup de choses.»345

Apesar de não ser seu objectivo principal atingir um objectivo moral com esta obra, Beauvoir afirma a sua importância (pessoal) enquanto testemunho do que foi a sua vida. Um

344 Simone de Beauvoir, La Force de l’âge, Paris, Gallimard NRF, 1960, p.164. 345 Id., ibid., p.10.

testemunho verdadeiro e único, sem preconceitos e cuja única finalidade é a de exprimir os pensamentos e a existência da sua autora.

Este ensaio autobiográfico começa em 1929 com o início de uma nova etapa na vida da escritora: o dealbar dos seus anos de independência, a sua aproximação de Paris e a criação de uma nova família, constituída, sobretudo, pelos amigos de Sartre. Na verdade, Paris seria a sua Pátria, o seu lar e lá se desenrolariam os dez anos que ocupam as páginas desta obra (o relato termina em Setembro de 1939).

É o elogio da independência que encontramos desde as primeiras páginas deste texto: Simone de Beauvoir não encontrava grande resistência ao uso pleno da sua liberdade. Os sentimentos de felicidade, alegria e emoção são uma constante e a autora preocupava-se sobretudo consigo mesmo e com as pequenas futilidades do seu quotidiano. Chega mesmo a revelar que se considerava uma apátrida346 cuja principal preocupação era a vida e, só depois, o seu projecto de

escrita. De facto, nesta altura da sua existência, apesar de Beauvoir sentir com intensidade o desejo de escrever e de ver a sua obra escrita reconhecida, os seus interesses consistiam, sobretudo, em viajar, ler, aprender e divertir-se.

Esta fase da sua vida, como já tivemos oportunidade de constatar, é bastante egocêntrica; no entanto, a maturidade revelada através de La Force des choses e Les Mandarins começava a revelar-se.

Assim, em La Force de l’âge, é evidente o silêncio da autora em relação à situação portuguesa, provavelmente devido à falta de interesse ou ao desconhecimento da escritora em relação ao nosso país. Encontramos, por isso, apenas algumas breves alusões ao vinho do Porto347

que parecia agradar a Beauvoir e aos seus amigos e à viagem de Lionel de Roulet e, posteriormente, da sua irmã ao nosso país. Simone retrata, da seguinte forma, a chegada de Hélène a Portugal:

«Les frontières étaient fermées, mais la correspondance avec les pays neutres n’avait pas été suspendue. Je reçus une lettre de ma sœur. Lionel avait quitté le Limousin depuis quelques semaines pour aller vivre chez sa mère, qui s’était remarié avec un peintre portugais à Faro; ils avaient invité ma sœur à passer deux ou trois semaines avec eux. Elle mit trois jours à traverser l’Espagne, en compartiment de troisième classe, et elle arriva à Lisbonne, épuisée. Elle s’assit à la terrasse d’un café: il n’y avait pas d’autre femme; le garçon la remarqua tout de suite et, en lui servant un café, il demanda: «Vous êtes française? – Oui – Eh bien! madame, les Allemands viennent d’envahir la Hollande et la Belgique.» Elle courut sur la place: les nouvelles étaient affichées sur des panneaux, dans une langue pour elle presque inintelligible; mais elle en comprit assez et fondit en larmes. Autour

346 Id., ibid., p.24.

d’elle, on s’empressait: «C’est une Française!» Elle se trouva bloquée à l’étranger pour toute la durée de la guerre.»348

De facto, as informações transmitidas acerca de Portugal nesta obra são escassas e reduzem-se a informar sobre a situação de Lionel de Roulet e de Hélène. Enquanto que a atenção dedicada à Espanha ocupa uma parte considerável do livro, no que diz respeito a Portugal, se compilássemos as informações acerca do nosso país, estas reduzir-se-iam a duas páginas.

No entanto, uma leitura mais atenta revela alguns pontos de ligação com a representação de Portugal criada, por exemplo, na obra Les Mandarins. Quando, por exemplo, a autora refere os seus sentimentos sobre o turismo e a vontade de viajar e de conhecer novos lugares, encontramos semelhanças com a forma como Henri Perron encara, no início de Les Mandarins, a sua viagem a Portugal. De facto, a isotopia do turismo feliz, presente nestas duas obras, é deveras semelhante: a emoção e a ansiedade face à partida, a novidade e a incerteza em relação àquilo que se vai encontrar, o prazer provocado pelo contacto com realidades diferentes, etc. São estes os sentimentos que encontramos no relato de Beauvoir, por exemplo, em relação à viagem que ela e Sartre efectuaram à nossa vizinha Espanha:

«Sartre avait converti en pesetas les derniers débris de son héritage: ce n’était pas grande-chose; sur les conseils de Fernand, nous avions acheté des Kilomètricos349 de première classe, sinon nous n’aurions pu monter que

dans les trains omnibus; il nous resta à peine de quoi joindre les deux bouts, en vivant chichement; peu m’importait: le luxe n’existait pas pour moi, même en imagination; pour rouler à travers la Catalogne, je préférais les autobus de campagne aux pullmans touristiques. (...) Comme la plupart des touristes de notre époque, nous imaginions que chaque lieu, chaque ville avait un secret, une âme, une essence éternelle, et que la tâche du voyageur était de les dévoiler».350

Também as dúvidas que Henri se colocava em relação à importância do turismo são apresentadas, nesta obra, de uma forma muito semelhante à utilizada no romance Les Mandarins:

«Parfois, elle [la réalité] m’arrachait à moi-même. «A quoi bon voyager? On ne se quitte jamais», m’a dit quelqu’un. Je me quittais; je ne devenais pas une autre, mais je disparaissais. Peut-être est-ce le privilège des gens – très actifs ou très ambitieux – sans cesse en proie à des projets, que ces trêves où soudain le temps s’arrête, où l’existence se confond avec la plénitude immobile des choses: quel repos! Quelle récompense!»351

Mais adiante, a autora refere, pela primeira vez, a possibilidade de visitar Portugal:

348 Id., ibid., p.449.

349 Repare-se que se trata do mesmo tipo de bilhete referido por Hélène de Beauvoir na sua obra Souvenirs:

consistia num bilhete que permitia a circulação em Espanha e em Portugal e que era válido durante dois mil ou três mil quilómetros, conforme o bilhete adquirido.

350 Id., ibid., p.87. 351 Id., ibid., pp. 92 e 93.

«Au début de l’été 1939 (...) J’ébauchais encore des projets de paix. Ce n’était pas le moment, comme nous en avions eu le dessein, d’utiliser les services de l’Intourist pour faire connaissance avec l’U.R.S.S. Mais si les choses s’arrangeaient, nous pourrions aller nous promener au Portugal.»352

Uma outra situação que se encontra em correlação directa com uma das imagens mais características de Portugal criadas por Beauvoir, é a da reflexão acerca da beleza das luzes das fábricas que se reflectiam no rio Sena. Com efeito, se compararmos o excerto que se segue com a discussão de Nadine e Henri a propósito da beleza das luzes de Lisboa que se reflectiam no rio Tejo, notamos uma analogia evidente entre as duas situações:

«Comme nous revenions, à la nuit, par une route qui surplombait la Seine, nous nous arrêtâmes à un point de vue d’où l’on découvrait, de l’autre côté du fleuve, les usines illuminés de Grand-Couronne; on aurait dit, sous le ciel noir, un grand feu d’artifice figé. «C’est beau», dit Pagniez. Sartre tordit le nez: «Ce sont des usines, où des types font du travail de nuit.» Pagniez soutint avec impatience que c’était tout de même beau; selon Sartre, il se prenait avec mauvaise foi à un mirage; travail fatigue, exploitation: où est la beauté? Je fus très frappée par cette discussion qui me laissa perplexe.»353

A autora confirma esta nossa associação, através de uma nota – «Elle a inspire celle qui a eu lieu dans Les Mandarins entre Henri et Nadine, face aux lumières de Lisbonne»354 – que indica que ela se inspirou nesta discussão, que se passou na vida real, para a criação daquela que se passa, em Lisboa, entre Nadine e Henri.

Uma das últimas referências ao nosso país, diz respeito ao ano de 1939 e envolve a situação da irmã da escritora e de Lionel de Roulet. Segundo a autora, através de algumas cartas que trocavam pelo serviço postal da Cruz Vermelha, a irmã informava-a de que o estado de saúde de Lionel melhorara consideravelmente e de que ela própria havia encontrado uma ocupação de forma a conseguir a sua independência em Portugal. No entanto, às suas preocupações com o dinheiro, juntavam-se outras. Realmente, tal como Simone refere, havia algo que impedia a plena felicidade de Hélène em Portugal:

«Elle aurait été heureuse si elle ne s’était pas fait une idée romanesque des dangers que nous courrions. Nous essayions de la rassurer dans les cartes que nous lui envoyions; mais l’éloignement est propice à l’angoisse et de terribles visions la tourmentaient.»355

De facto, Hélène de Beauvoir ter-se-ia deleitado mais durante a sua estadia em terras lusitanas, se soubesse que a sua família gozava de boas condições de vida. A incerteza provocada

352 Id., ibid., p.383. 353 Id., ibid., p.212. 354 Id., ibid., p.212. 355 Id., ibid., p.503.

pela Ocupação atormentava-a. Esta dificuldade de comunicação entre as duas irmãs é também uma das razões que poderá explicar a pouca informação relativa a Portugal contida nesta obra: o único meio de contacto de Beauvoir com Portugal era através das cartas de sua irmã e o funcionamento dos serviços postais era, muitas vezes, comprometido devido às contrariedades da guerra.

Apesar de serem escassas as menções ao nosso país, a verdade é que este texto autobiográfico marca o início do interesse da escritora por Portugal, ao mesmo tempo que revela algumas das ideias que ela tinha sobre o país. Assim, podemos concluir, que, de uma forma dispersa, Portugal vai-se revelando, pouco a pouco, através da leitura desta obra.

No documento Simone de Beauvoir e Portugal (páginas 171-176)