• Nenhum resultado encontrado

Inquérito por entrevista

3.4. Revisão sobre os métodos principais selecionados

3.4.2. Inquérito por entrevista

A entrevista é ―um método de recolha de informações que consiste em conversas orais,

individuais ou em grupos, com várias pessoas selecionadas cuidadosamente, cujo grau de pertinência, validade e fiabilidade é analisado na perspetiva dos objetivos da recolha de informações‖ (Ketele, 1999, p.18).

Há várias razões para enveredar pelo método de inquirição, assim como vários tipos e procedimentos possíveis. Rodolphe Ghiglione e Benjamin Matalon (2001, p.2) no livro ―O Inquérito: Teoria e Prática‖ explicam que ―realizar um inquérito é interrogar um determinado

número de indivíduos tendo em vista uma generalização‖ e que este método tem as mais

diversas aplicações no campo da investigação psicossociológica ou sociologias empíricas. Podemos descriminar genericamente dois tipos de inquérito: o questionário e a entrevista. O questionário é uma forma de inquirição formalizada por perguntas escritas, não existindo, durante o processo de resposta, qualquer interação entre o inquirido e o inquiridor. A sua aplicação não tem como objetivo a obtenção de opiniões aprofundadas, ou de nível mais pericial, e aplica-se normalmente a uma amostra estatisticamente representativa, com vista a obter uma grande quantidade de dados, de um número grande de pessoas.

A entrevista é uma forma de inquérito que se distingue do questionário, por um lado porque, na primeira, o inquiridor é presente e, no segundo, é ausente, por outro, porque a primeira tende a ser menos diretiva do que o questionário, este geralmente de inquirição mais fechada. A entrevista visa (Kendall & Kendall 1992) a obtenção de opiniões em vez de factos, revelando por vezes problemas e caminhos críticos de resposta; impressões gerais sobre um sistema cultural ou organizacional, com o intuito de o compreender.

Ghoshal e associados (1994 citado por Hargie & Tourish 2000), relativamente à utilização de métodos de inquérito nos seus estudos sobre a comunicação empresarial, apontam uma diferença fundamental entre os resultados da inquirição por questionário e por entrevista: o primeiro permitiu analisar as frequências de comunicações, sem que lhes tenha dado a conhecer o conteúdo, já os resultados do segundo (da entrevista) permitiu relacionar essas frequências com a qualidade das comunicações, i.e, um debita dados mais facilmente generalizáveis e de caráter mais quantitativo, enquanto o do outro é mais qualitativo, obrigando comummente a processos de codificação de respostas.

A entrevista como método para a investigação qualitativa permite descrever um tema e perceber o significado do que dizem os entrevistados. A investigação qualitativa procura cobrir dois níveis, o factual e o de significado, sendo mais difícil entrevistar num nível em

que se pretenda atingir um significado (Kvale 1996). As entrevistas são particularmente úteis para conhecer a ―história‖ por detrás da experiência do entrevistado. Neste tipo de inquérito, o entrevistador pode perseguir em profundidade a informação por detrás de um determinado tópico (McNamara 1999). Pode ser, por exemplo, um bom método para desenvolvimento dos resultados obtidos por questionário (idem).

A entrevista é um método de investigação muito mais pessoal do que o questionário, sendo que o entrevistador trabalha diretamente com o entrevistado, competindo-lhe completar a entrevista conforme as respostas obtidas. Ao contrário do questionário por correio, e-mail, ou on-line, aqui o entrevistador tem a oportunidade de sondar o entrevistado sobre um determinado assunto, ou colocar perguntas de desenvolvimento sobre aspetos particulares. As entrevistas são normalmente um método mais amigável, na perspetiva do entrevistado, especialmente se aquilo que se procura está no foro das opiniões e impressões. Contudo as entrevistas consomem muito tempo e são exigentes em termos de recursos disponíveis. O entrevistador deve estar preparado para responder às contingências da entrevista.

Pela razão da sua própria essência enquanto método, o inquérito por entrevista tem à partida limitações que devem ser compreendidas, de modo a prevê-las e integrá-las no desenho da investigação. Em primeiro lugar é centrado no indivíduo, que assume o papel de entrevistado, e por isso apenas regista respostas individuais que podem, no entanto, a

posteriori, ser generalizadas através de técnicas de análise estatística: ―no momento da interpelação dispomos de uma coleção de discursos individuais, a partir dos quais é necessário constituir um único discurso‖ (Ghiglione & Matalon 2001, p.3). Há também

questões de enviesamento decorrentes do facto de cada indivíduo poder distorcer as respostas e perceber as perguntas de forma diferenciada: ―conscientemente ou não, ela (a pessoa entrevistada) diz-nos apenas o que pode e quer‖ (Ghiglione & Matalon 2001, p.2); por outro lado o entrevistador pode também, mesmo inconscientemente, influenciar o inquirido e também distorcer a análise dos resultados em função dos seus próprios preconceitos. Para além destes, há ainda a acrescentar que, por vezes, a aplicação do método tende a pressupor, erradamente, que os resultados das entrevistas não se alteram no tempo.

No domínio das virtudes, a entrevista, enquanto método dialético de obter dados, apresenta três grandes vantagens relativamente a outros, especialmente para auxiliar a avaliação, de forma geral (Hargie & Tourish 2000): Em primeiro, como já antes explicitado, é provável que elucide sobre aspetos não antecipados do objeto de investigação e portanto encontre novos caminhos de pesquisa. Em segundo, o facto de haver diálogo entre o inquirido e o inquiridor, torna possível, e mais claro, o sentido e compreensão das perguntas e das respostas. Em terceiro, pode ter a seu favor o facto de a entrevista servir as necessidades das duas partes,

leia-se, da parte de quem inquire para avaliar e de quem é inquirido e está interessado que determinado objeto seja avaliado, i.e, quando esta é orientada para a avaliação, pode ser vista de forma interessante, quer pelo entrevistador, quer pelo entrevistado. Um exemplo que ilustra bem esta vantagem é a entrevista de emprego (Millar and Gallagher 1997), que é uma das principais técnicas para selecionar, dando oportunidade ao entrevistado de manifestar as suas valias, sendo que é bastante clara a vantagem, pela parte do entrevistador, ao procurar contratar os seus funcionários, apenas depois de estabelecer um contacto face-to-face. Será fácil estabelecer uma analogia para a avaliação do espaço público, pelo público.

Millar et al. (1992) no livro ―Professional Inteviewing‖ fazem uma extensa revisão dos fundamentos deste método e das aplicações possíveis. Os mesmos autores definem entrevista, na mesma obra, como ―a face-to-face dyadic interaction in which one individual

plays the role of interviewer and the other takes on the role of interviewee, and both of these roles carry clear expectations concerning behavioral and attitudinal approach. The interview is requested by one of the participants for a specific purpose and both participants are willing contributors‖ (Millar et al. 1992, p.3).

Apesar de mais abrangente – por se focar no método de inquérito, de forma geral, e não já especificamente no inquérito por entrevista – valerá a pena apontar as razões que Ghiglione e Matalon (2001) apontam para a pertinência da aplicação deste método:

 Como substituto da observação, por forma a obter dados sobre um indivíduo de forma expedita, ou por se reportarem a acontecimentos passados, e também pela impossibilidade de optar por métodos de observação por motivos deontológicos;

 Para compreender aspetos apenas acessíveis, de forma prática, através da linguagem, como sejam ―atitudes, opiniões, preferências, representações, etc.‖ (idem 2001, p.15), o que é especialmente útil quando é possível estabelecer correspondência com dados provenientes da observação e vice-versa.

 Para compreender fenómenos específicos e complexos, associados uma realidade instantânea e/ou local, ―em oposição a mecanismos de alcance geral‖ (ibidem 2001, p.15);

Destes, os pontos segundo e terceiro são particularmente importantes para aplicação prática do método ao estudo do espaço exterior público, designadamente à sua avaliação, uma vez que, no domínio da POE, o inquérito é visto como um método auxiliar da observação e mapeamento do comportamento dos utilizadores, complementando-o pelo acrescento de dados sobre a satisfação dos utilizadores e as suas preferências e necessidades individuais expressas.

É importante distinguir que a aplicação do método não tem como objetivo o projeto participativo (uma forma de participação pública), mas apenas a contribuição para a avaliação, como forma de auscultar as necessidades e preferências dos utilizadores e as relacionar com outros dados. Os resultados desta avaliação, esses sim, poderão reverter para a instrução da adequação dos espaços através de processos de projeto.

Elaboração e condução do inquérito

Se considerarmos a entrevista aos utilizadores de um lugar, o seu foco pode ser esse mesmo lugar e a relação cognitiva e/ou emocional que o utilizador com ele estabelece. Neste caso poderemos considerar algumas técnicas para a sua implementação. A escolha dessas técnicas deriva dos objetivos da inquirição e do seu contributo para a investigação. O livro O Inquérito, de Ghiglione e Matalon (2001), descreve a importância de aspetos como a linguagem acessível, a ordem e tipo de perguntas, a formulação que orienta para um determinado caminho de resposta, a motivação do entrevistado, a atuação conforme as expetativas do entrevistado. Apontam também vários princípios éticos relacionados com a inquirição, como a comunicação prévia do propósito da entrevista, a anonimidade e confidencialidade das respostas, o consentimento do uso dos dados. Desenvolve ainda os aspetos a considerar acerca da relação entrevistador-entrevistado e técnicas a usar na condução da entrevista.

Tipos de entrevista e dados resultantes

De acordo com a obra supracitada, há vários tipos de entrevistas tais como a entrevista informal de conversação, a entrevista guiada, a entrevista estandardizada de resposta aberta, ou a entrevista de resposta fixa ou fechada: Se uma entrevista for estruturada, as perguntas estão bem definidas à partida; se por outra for não-diretiva, as perguntas vão surgindo na sequência das respostas do inquirido, tal como numa conversa casual. Como exemplo deste modelo, Marcus e Francis (1998), propõe a ―entrevistas informal‖ (idem, p.352), em que o inquiridor, apesar de ter um guião com assuntos-chave, seleciona um número reduzido de utilizadores de um lugar, que representem a ocupação observada, para uma ―conversa casual‖. Este tipo de entrevistas não diretivas são normalmente gravadas e posteriormente transcritas e codificadas, já que originam dados não estruturados. Na situação oposta está a entrevista estruturada, o que sucede, por exemplo, com aquelas realizadas porta-a-porta para os Censos. Neste caso, o inquiridor tem uma lista pré-definida de perguntas e respostas, que normalmente originam dados estruturados e de mais fácil generalização.

Informal Não são feitas perguntas predeterminadas, para que a entrevista se mantenha tão aberta e adaptável à natureza e prioridades do entrevistado quanto possível. O entrevistador deixa fluir a entrevista.

Guiada A opção por guiar a entrevista assegura que a informação sobre os mesmos

tópicos gerais é recolhida em cada entrevista. Possibilita maior focagem do que a entrevista informal, mas ainda permite alguma liberdade e flexibilidade. Estandardizada, aberta Neste género de entrevista são feitas as mesmas perguntas abertas a todos

os entrevistados. Proporciona entrevistas mais rápidas e mais facilmente analisáveis e comparáveis.

Resposta fixa, fechada Aqui todos os entrevistados respondem às mesmas perguntas e são convidados a escolher entre múltiplas alternativas em cada pergunta. Mais limitante em termos de interação com o entrevistado, mas a considerar no caso de entrevistadores inexperientes.

Figura 55 - Tipos de entrevista adaptado de Ghiglione e Matalon (2001).

A informação sobre factos é a mais valorizada em ciência e esta informação é normalmente consubstanciada de forma objetiva, como acontece, por exemplo quando dizemos que do ponto A ao B são três quilómetros. A informação qualitativa subjetiva pode contudo também ser muito relevante para determinados objetos de investigação: usando o mesmo exemplo, do ponto A ao B, pode ser longe ou perto, o que depende de vários fatores, como o contexto ou a experiência dos sujeitos que percorrem. No estudo do espaço exterior esta informação torna-se ainda mais relevante quando generalizável.

A recolha de informação por entrevista pode então originar dados quantitativos ou qualitativos, estruturados ou não-estruturados. Em síntese, perguntas abertas, como por exemplo ‖O que sugere para melhorar a segurança deste local?‖, originam dados não- estruturados, que carecem de codificação posterior; perguntas de resposta fechada, como ―Numa escala de 1 a 5, como avalia o espaço em termos de qualidade da manutenção?‖, originam dados estruturados.

Outro aspeto digno de nota relaciona-se com a situação de referência visada pela entrevista, que na presente investigação, por definição do seu objeto, se trata do parque verde urbano, tal como se encontra no momento da inquirição. Vimos que esta situação é altamente influenciadora dos resultados, pelo que a sua leitura deverá ter sempre essa situação presente: ―o seu (do entrevistado) discurso só pode ser interpretado se relacionado com as

condições em que foi produzido‖ (Ghiglione & Matalon 2001, p.2).

O método de entrevista adequa-se à investigação das necessidades e preferências dos utilizadores de um parque e do seu nível de satisfação, uma vez que permite auscultar as opiniões e apreciações de natureza individual dos inquiridos e generalizar para o conjunto

entrevistado. Permite também que o processo seja presencial e conduzido in-situ, i.e., no parque.