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O modelo formal a partir da Renascença

2.1. Revisão sobre a evolução do parque verde urbano

2.1.3. O modelo formal a partir da Renascença

No final da Idade Média retomaram-se os conceitos da antiguidade clássica, as referências da herança grega e romana. O desenvolvimento das artes e do mecenato, do comércio e das cidades, juntamente com os valores humanistas e universalistas marcam o período do Renascimento, com o seu auge no século XV.

J. John Palen (2008), no livro ―The Urban World‖, reforça a importância da preocupação da sociedade relativamente à reurbanização e embelezamento das cidades, particularmente em Itália, onde as classes ricas se dedicavam ao ordenamento dos espaços urbanos, segundo os princípios clássicos de simetria, perspetiva e proporção. O desenho dos jardins era o reflexo desses princípios, e com a inspiração nas antigas Villas romanas construíram- se, para os seus abastados proprietários, espaços de maior complexidade e escala, com um traçado formal e elementos decorativos, nomeadamente a estatuária. Em Florença, as grandes famílias instalaram as suas residências em locais com boas vistas e bem iluminados. O desnível do terreno era convertido numa armação em terraços, em torno de um eixo estruturante, com jardins formais, parterres com vegetação talhada, e giochi

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Mesta era uma agremiação de pastores que surgiu em Castela no sec. XIII, que por ordem de D. Afonso X de Castela beneficiavam de grandes privilégios e poder. Estes pastores transumantes ocupavam o sul da Península Ibérica durante a estação fria e rumavam ao norte na primavera. No seu apogeu, séc. XVI, o número de cabeças de gado terá ultrapassado os três milhões, devendo-se à procura pela lã nesse período. A sua extinção aconteceu já no início do séc. XIX. (Anón sem data)

d´acqua. As villas organizavam-se em unidades principais de casa/jardins, vinhas/pomares e

mata/bosque – ou bosco – que continha árvores em crescimento livre, percursos mais informais, muitas vezes ornamentados por esculturas e fontes, com áreas para a prática do recreio e da caça.

No século XVI, em Roma, desenvolvia-se a villegiatura, e surgiam exemplares notáveis de

villas, como a Villa d‘Este ou Villa Lante (Figura 9). Em Portugal ―os jardins de influência renascentista surgem, sobretudo a partir da primeira metade do século XVI em quintas de veraneio, construídas pelas famílias nobres e senhores eclesiásticos‖ (Andresen & Marques

2001, p.22), como por exemplo a Quinta da Bacalhoa ou o Jardim da Manga (Figura 10)

Figura 9 - Vista aérea da Villa Lante, em Bagnaia, com o primeiro plano a partir dos parterres e da Fonte Mora (Kluckert 2000). Do lado direito, em cima, vista para o patamar da Fonte Mora, e em baixo, parterre junto aos Pavilhões de Montalto e

Figura 10 - Planta do Jardim da Manga, em Coimbra, e Pormenor da topiária do parterre da Quinta da Bacalhoa, em Azeitão. Fotos: Homem Cardoso (Carita 1998, p.51 e 63)

A estética do modelo formal do jardim estendeu-se a vários países, mas em França teve o seu apogeu no século XVII com André Le Nôtre, ultrapassando em escala e magnificência tudo o que se tinha visto até à altura4. As propriedades maiores geralmente localizavam-se fora dos centros urbanos, onde era assim possível expandir a área e os eixos do desenho geral: passou-se assim do clássico finito ao barroco (infinito).

―André Le Nôtre revolutionized French garden design, abolishing the idea of compartments and substituting that of totally organized space.‖ (Jellicoe & Jellicoe 1995, p.179). A

notoriedade que tivera Le Nôtre , com as obras em Vaux-le-Vicomte e Chantilly, levou a que Luís XIV, reconhecendo a sua genialidade, lhe atribuísse a construção da expressão da monarquia absolutista, nos jardins do Palácio de Versailles. O desenho é centrado em volta do eixo do Grand Canal, existem planos de simetria e efeitos de perspetiva, onde os jardins se estendem pelos vales. Era teatral, palco de festas da realeza, com extensos parterres, canais e fontes ornamentais de escala descomunal (Figura 11). Versailles e o desenho do jardim francês influenciaram a conceção de grandes jardins das cortes europeias, como nos jardins de Herrenhausen na Alemanha, Schönbrunn na Áustria, Het Loo na Holanda, La

Granja de San Ildefonso em Espanha, ou o Palácio de Queluz em Portugal, onde o gosto

francês é introduzido por Jean Baptiste Robillion, já no século XVIII (Figura 12).

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―The principles of composition were simple: (a) the garden no longer to be a mere extension of the house, which itself became

part only of a great land composition; (b) solid as opposed to two-dimensional geometry based on axiality , related to an undulating site; (c) shape as though carved out of ordered woodlands and crisply defined by charmilles (clipped hedges); (d) the Baroque quality of unity with sky and surroundings achieved by water reflection and avenues leading indefinitely outwards; (e) the scale expanding as it receded from the house; (f) sculpture and fountains, themselves work of art, to provide rhythm and punctuate space; (g) the science of optics to direct the eye firmly without power to roam, and illusionist devices to make distance seem nearer or further; (h) the apparent revelation of the whole project in a glance, and the later element of surpr ise and contrast mainly in intimate woodlands; (i) the disposal of all parts, and especially of steps and stairways, for the dignity and enhancement of persons in movement; their scale to be larger than life, and thus to give as sense of being within a heroic

Figura 11 - Vista geral dos jardins de Versailles: ―O canal principal passa a ser formado pelo encontro de dois eixos ortogonais, um dos quais entra pela janela central do Rei, atravessando a posição ocupada pela sua cama. É a mais esplêndida versão da monarquia absoluta possivelmente registada na História: do Palácio de Versailles, a distância e o poder do monarca pas sam para o infinito‖ (Correia et al. 1994, p.81). Foto: (Kluckert 2000, p.194). Vista para a Fonte de Latone, Versailles Foto: (Kluckert

2000, p.193)

Figura 12 - Vista para Fonte de Neptuno com a Fachada de Cerimónia como pano de fundo, nos jardins do Palácio de Queluz. Foto: (Kluckert 2000, p.260)

Também em Inglaterra a influência de Le Nôtre era visível em Blenheim, Chatsworth ou

Hampton Court, mas emergia um conceito diferente de desenho da paisagem: ―A ostentação transformada em jardim e o geometrismo imposto à paisagem tinham atingido com as inspirações de Le Nôtre um ponto de não retorno que era também um limite de tolerância e

um extremo de ruptura. Tudo que estas circunstâncias criaram foi radicalmente posto em causa nos anos seguintes, para sucumbir aos poucos sob o triunfo da escola inglesa durante os séculos XVIII e XIX‖ (Correia et al. 1994, p.84).