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A inserção da análise de risco no processo de licenciamento ambiental de empreendimentos perigosos – especialmente aqueles instalados em região com alta densidade populacional – que vinham sendo conduzidos no âmbito da Fundação Estadual do Meio Ambiente foi resultado de um longo processo, que se desenvolveu no início dos anos 1990 a partir da percepção por seu corpo técnico da relevância do assunto.

30 Termo utilizado para expressar os níveis de emissão de poluente em quantidades inferiores àquelas

Em 1993, um ano após a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente, alguns técnicos da Fundação Estadual do Meio Ambiente manifestaram seu interesse sobre o estudo de análise de riscos que vinha sendo desenvolvido nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, que tratava dos riscos de acidentes – explosão, incêndio, formação de nuvem tóxica e contaminação causada pela exposição à substâncias químicas perigosas – associados à indústria de processos.

Nessa época, circulou a notícia da implantação, no município de Uberaba, de uma fábrica de isocianato de metila, o mesmo produto que foi emitido para a atmosfera no acidente ocorrido na planta da Union Carbide em Bhopal e que causou a morte imediata de mais de 2.500 pessoas e problemas de saúde e de contaminação ambiental que, até hoje, atormentam as pessoas e as autoridades locais.

Foi percebido, então, que os resultados dos estudos sobre os riscos de acidentes poderiam agregar novas informações e dados ao processo de licenciamento ambiental de atividades perigosas, nas quais estava incluída a fábrica de isocianato de metila de Uberaba, ou mesmo enriquecer os laudos periciais solicitados pelo Ministério Público ou pelo Juiz.

À época, os centros de referência sobre o assunto existentes no Brasil encontravam- se fora do Estado de Minas Gerais, no eixo Rio-São Paulo, e a questão era tratada apenas em cursos de Mestrado e Doutorado de algumas Universidades, as informações disponíveis estavam disseminadas na literatura internacional especializada e os instrumentos utilizados eram apresentados como algo muito novo, ficando restrito a alguns grupos acadêmicos no País.

Destaca-se, nesse contexto, o papel importante do Núcleo de Análise de Riscos Tecnológicos Ambientais da Faculdade de Saúde Pública da USP, do Núcleo de Análise de Riscos Tecnológicos da CETESB e, posteriormente, do Centro de Estudos de Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz na capacitação técnica de diversos profissionais brasileiro nos temas pertinentes aos Estudos de Análise de Riscos.

No âmbito da FEAM, a inserção dos estudos sobre riscos tecnológicos no processo de licenciamento ambiental se desenvolveu a partir de uma peculiaridade: a percepção de que o risco químico era acentuado, mesmo nas indústrias metalúrgicas, em vista da grande quantidade de substâncias químicas que eram manipuladas, da evidência de um acidente perpassar os limites das instalações industriais e alcançar a população vizinha.

Além disso, ficou evidente a necessidade de que o processo de licenciamento ambiental e a fiscalização de alguns empreendimentos devessem ser realizados concomitantemente por técnicos de áreas distintas, como por exemplo, as fábricas de separação de gases do ar atmosférico que se encontram localizadas dentro das instalações de usinas metalúrgicas, embora sejam unidades industriais distintas. Tais empreendimentos, além de agregar riscos a essas instalações, ampliavam o potencial de risco de ocorrência de um acidente com possibilidade de ir para muito além de sua fonte de origem.

O negócio das empresas siderúrgicas é fabricar aço, perfis metálicos, amortecedores, anéis e escapamento automotivos, alumínio primário ou secundário, roda de metal leve para exportação, ligas metálicas, enfim uma gama de materiais e utilitários, e tais produtos nunca foram associados aos riscos de acidentes, somados aos riscos decorrentes das emissões atmosféricas e efluentes líquidos ou da geração de resíduos, na grande maioria das vezes, perigosos.

As usinas de separação de gases do ar foram adquiridas dentro do pacote de venda das usinas siderúrgicas integradas instaladas em Minas Gerais – Usiminas e Açominas – no processo de desestatização do setor siderúrgico em curso no Governo Fernando Henrique Cardoso, e eram consideradas muito mais como unidades de apoio do que como unidades de processo, mesmo no caso da fábrica de oxigênio líquido, substância fundamental no refino do aço.

Posteriormente, as usinas de separação de gases foram terceirizadas e uma das empresas que adquiriu uma dessas fábricas havia passado por uma amarga experiência em decorrência de um acidente ampliado, o que fez com que ela introduzisse na rotina da produção a cultura da prevenção e do gerenciamento de riscos.

Esse fato induziu, de alguma forma, a extensão da cobrança para realização de estudos de análise de risco para os empreendimentos fim – as usinas siderúrgicas –, até porque era difícil ao empreendedor dividir os riscos e compartilhar seu plano de emergência individual com a indústria siderúrgica, e, com isso, ficava difícil, também, estabelecer planos de ação de emergência integrados.

O fato das usinas de gases do ar não pertencerem mais ao empreendimento fim os eximia da responsabilidade solidária dos riscos gerados, não importando se dividiam a mesma área física, ou se compartilhavam os riscos provenientes de suas próprias instalações.

Outros fatos que influenciaram a inclusão dos estudos de análise de risco nos processos de licenciamento ambiental conduzidos no âmbito da FEAM foram: (a) o atendimento a uma demanda do Ministério Público Estadual referente a um conflito socioambiental entre uma indústria metalúrgica que produzia alumínio secundário e uma comunidade de baixa renda e sob alto índice de violência, no município de Contagem, o qual trouxe a tona outras questões sobre os riscos tecnológicos ambientais: a informação, a comunicação, a relação com a comunidade, a vulnerabilidade social, a avaliação e o próprio gerenciamento de riscos; (b) em meados de 1994, o Engenheiro Químico Carlos Celso do Amaral e Silva, Professor Titular da Escola de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, ministrou um curso sobre Análise de Riscos para os técnicos da FEAM, e trouxe na bagagem algo que realmente marcaria a condução dos trabalhos futuros referentes à gestão de riscos tecnológicos ambientais: a comunicação de risco.

A inserção do gás natural vindo da Bacia de Campos na matriz energética e sua distribuição a partir do City Gate, implantado no município de Betim, influenciou o perfil do risco tecnológico em Minas Gerais e a condução do processo de licenciamento ambiental dos dutos que foram implantados e para esses casos, foi solicitada a realização de estudos de análise de risco.

Outro aspecto importante decorre do fato do Estado de Minas Gerais ter em seu território complexos produtivos baseados na exploração mineral associados a outras atividades, tornando a questão dos riscos tecnológicos ambientais, complexa e diferenciada dos demais Estados do País.

Complexos mínero-químicos como o formado pela empresa Bünge no município de Araxá, o complexo mínero-metalúrgico como o da Companhia Mineira de Metais, em Três Marias, ou o complexo minero-químico-metalúrgico formado pelas plantas da AngloGold em Nova Lima, entre outros instalados no Estado, tornaram a gestão de riscos um desafio para os experts e os analistas ambientais, considerando que os diversos tipos de perigo decorrentes das atividades, separadamente, se juntam, se multiplicam e se amplificam ao longo o tempo e do espaço, configurando um território social e ambientalmente vulnerável agravando a qualidade de vida das populações interna e externas a esses empreendimentos.

Como se trata de empreendimentos com uma história de degradação ambiental, internalizar a cultura do risco exigiu mais do que habilidade do corpo técnico da FEAM, visto que a influência política desses empreendimentos vulnerabilizam qualquer instituição, principalmente em países como o Brasil, onde os sistemas de proteção social são frágeis ou, por vezes, até inoperantes.

Outro ponto a ser destacado refere-se à Refinaria Gabriel Passos – REGAP/ Petrobrás, que desenvolve atividades perigosas. Até então, pouco se sabia a respeito do risco de ocorrência de acidentes ampliados, ou mesmo a que tipo de riscos a população no entorno da planta de refino estava exposta. As informações que o órgão ambiental dispunha resumiam-se àquelas disponíveis em estudos feitos em outras refinarias do país, que se somavam às denúncias sobre os níveis de poluição. O relacionamento da REGAP com o órgão ambiental do Estado era marcado por vaidade e arrogância por parte do empreendedor, cujo corpo técnico, bem treinado, intimidava os técnicos da instituição pública.

A gestão de riscos junto à REGAP tomou sua forma desejável a partir do primeiro processo de revalidação da Licença de Operação, e a mudança na forma de relacionar entre o órgão ambiental e a refinaria é parte dessa melhoria. Além disso, o acidente da Baia de Guanabara em 2000, com grande repercussão nacional e internacional, e o fato do Brasil vir a assinar em 2002 a Convenção 174, Recomendação 181, da Organização Internacional

do Trabalho deu um novo rumo à forma de se tratar a questão dos riscos ambientais em Minas Gerais31.

A possibilidade de ampliar a capacitação técnica, por meio de cursos e treinamento na CETESB e a publicação do Manual de Orientação para Elaboração de Estudos de Análise de Risco do órgão ambiental paulista tornou possível incorporar o Estudo de Análise de Riscos no licenciamento ambiental de atividades perigosas e Minas Gerais.

Na ocasião, foi possível discutir com os técnicos da CETESB sobre o processo de licenciamento ambiental da fábrica de ácido sulfúrico da Bünge instalada no município de Araxá, os conflitos da empresa com a comunidade e o fato de a cidade ser uma estância hidromineral, e, a partir desse trabalho, realizar avaliação integrada de riscos, ou seja, considerar a emissão crônica de poluentes gerados na planta industrial e a possibilidade da ocorrência de acidentes ampliados.

Em 1999, foi elaborado um termo de referência para o desenvolvimento de Estudos de Análise de Risco para o licenciamento ambiental de dutos para o transporte de gás natural, que resultou na publicação da Deliberação Normativa COPAM nº. 039, em 19 de novembro de 1999. Destaca-se que foi prevista, de forma inédita, a obrigatoriedade da implantação de programas de comunicação de riscos, pois os mesmos ainda não haviam sido previstos nas normas da CETESB.

Tal fato tornou a Deliberação Normativa COPAM nº. 03/1999 a primeira a contemplar, além da solicitação do Estudo de Análise de Risco, do Programa de Gerenciamento de Risco e do Plano de Atendimento à Emergência, um instrumento que socializa as informações referentes aos riscos que tais empreendimentos impõem às populações e ao meio ambiente ao longo do seu percurso, que é o Programa de Comunicação de Risco.

Nos anos seguintes, o encontro dos técnicos da FEAM com pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz promoveu uma evolução e deu uma sustentação teórica à forma e ao modo de considerar os riscos tecnológicos

31 Esta assertiva pode ser corroborada pelos cinco últimos acidentes ampliados ocorridos entre 2002 e 2007,

ambientais, conformando uma nova abordagem para a questão dos riscos a partir do conceito ampliado de saúde, ratificado pela Constituição de 1988. O conceito de acidente ampliado começa a ser disseminado, culturalmente aceito e um pouco mais popularizado no meio expertise.

Durante o processo de licenciamento da Usina Termelétrica de Ibirité, tal conceito pode ser exercitado e aplicado. Dele resultou a maior conquista em termos de bem-estar social, infelizmente ainda não obtida integralmente por algum órgão ambiental no Brasil: a remoção de equipamentos urbanos – uma escola pública, uma igreja e um centro de atendimento às pessoas com necessidades especiais – em uma área crítica e a sua transferência para locais mais seguros.

A inclusão da FEAM no Plano de Auxílio Mútuo – PAM de Betim, no final de 1999, tornou evidente que a gestão de riscos tecnológicos carece não somente de um embasamento teórico, mas de experiência e, principalmente, de vivência no campo real. No PAM de Betim – hoje PAM de Betim/Ibirité –, foi possível aos técnicos da FEAM participar de vários eventos: audiências públicas, simulados de resposta às emergências, incluindo a participação das comunidades envolvidas, seminários de Saúde Segurança e Meio Ambiente sob a coordenação da REGAP e da FEAM, que contaram com a participação das comunidades que vivem no entorno da planta de refino, nos bairros Cascata, Petrolina e Petrovale.

A investigação, acompanhamento e elaboração de relatórios e pareceres sobre os acidentes mais importantes ocorridos na REGAP nos últimos oito anos revelaram que a gestão de riscos não se faz com papel, autuando ou aplicando multas pesadas, o que, na perspectiva do órgão ambiental fiscalizador, não significa desconhecer o caráter legal que envolve tais procedimentos, uma vez que a gestão compartilhada, a participação de todos os atores sociais envolvidos e interessados e, principalmente, a comunidade afetada, torna a gestão de riscos possível e compatível com a realidade.

Pode-se dizer que no período compreendido entre 2002 e 2006, ocorreu a consolidação da Comunicação de Riscos no processo de licenciamento ambiental dos empreendimentos que constituem o Pólo de Petróleo e Gás Natural da RMBH, seja nas comunidades na área de entorno à REGAP – bairros Petrolina, Cascata e Petrovale em

Ibirité e Betim –, seja na área de influências das bases armazenadoras e distribuidoras de derivados de petróleo, incluindo o Bairro Imbiruçu em Betim. Os simulados realizados com as comunidades, alguns deles preparados a partir de eventos acidentais reais ocorridos em unidades da Refinaria Gabriel Passos, consolidaram um processo que já vinha sendo exercitado há quatro anos.

A atuação do PAM de Betim/Ibirité demonstra que a organização tem um papel social para além do que é a sua finalidade, embora, às vezes, sua atuação reflita os interesses particulares das empresas participantes. Além disso, o PAM tem se mostrado um veículo importante para a divulgação e a informação sobre os riscos que cada empresa impõe às outras e, de certa forma, é uma das poucas arenas onde diversas empresas do mesmo ramo e os órgãos públicos conseguem discutir e trabalhar em prol de um objetivo único.

O processo de expansão da REGAP em curso (COPAM, 2007) irá impor severas mudanças no cenário de riscos da região, em vista das características do empreendimento e da sua inserção em área reconhecidamente vulnerável, pela precariedade da infra-estrutura urbana adjacente, na qual sobrevive uma população desvalida, e da degradação ambiental avançada.

Com o objetivo de diminuir a freqüência de ocorrências de possíveis eventos acidentais ampliados associados às atividades de refino, foram propostas medidas mitigadoras, mas nesse caso, como deveria ser considerado em outros casos, e levando-se em conta o modelo do processo de licenciamento ambiental utilizado, o Estudo de Análise de Risco deveria ser realizado na fase de planejamento do projeto de modo a incorporar ao Estudo de Impacto Ambiental informações que de fato dêem à população vulnerabilizada a visibilidade no sentido de ter o direito à vida, não apenas sustentável/durável conforme destacado por Porto (2007). Quanto ao padrão desejável dos estudos ambientais pertinentes – Estudo de Análise de Risco; Programa de Gerenciamento de Risco, Programa de Atendimento a Emergência e Programa de Comunicação de Risco –, a serem apresentados, o melhor padrão é o da verdade.

Além disso, o ethos de prudência e da responsabilidade estabelecido deve ser para com a vida e a dignidade das pessoas. Não se pode submeter populações vulneráveis a um

perverso processo de negociação supostamente de favor onde a moeda de troca é sempre o assistencialismo pelo dano. Neste contexto, esse tipo de negociação fica muito evidente devido ao buraco que o sistema de proteção social deixa, quando o Estado não cumpre com as suas atribuições constitucionais.

5.3. A organização do trabalho envolvendo os Estudos de Análise de