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3.3. Percepção de risco e comunicação de risco

3.3.2. How safe is safe enough: Estamos seguros o bastante?

Chauncey Starr (1969) escreveu um texto que foi publicado na Revista Science e que se tornou a base da moderna análise de riscos (Risk Analysis). A premissa básica do texto foi a indagação: How safe is safe enough?

Quase 20 anos depois, na madrugada de 3 de dezembro de 1984, na filial indiana de uma das plantas químicas da Union Carbide, instalada em Bhopal, na paupérrima região central da Índia, ocorreu um acidente considerado o maior desastre ambiental do mundo. Esse episódio catastrófico fez com que se retomassem as discussões sobre uma série de questões sobre os verdadeiros benefícios sociais da tecnologia, as incertezas epistemológicas sobre o funcionamento de uma instalação industrial e, principalmente, sobre o que se deveria saber e o que se teria direito de saber sobre os riscos que essas tecnologias impõem, seja no seu entorno, ou mais além, se for considerado o paradoxo que envolve o benefício (produto ou serviço) gerado por essa tecnologia.

É nesse contexto que Bhopal marcou o nascimento do moderno right-to-know

movement (movimento do direito de saber), iniciando, em várias localidades da Europa e

dos Estados Unidos, um processo pelo qual a informação sobre os riscos, sejam eles naturais ou de origem antrópica, deve ser estabelecida dentro de uma via de mão-dupla, levando-se em conta, segundo De Marchi (2002), quatro contextos fundamentais: (a) o conhecimento, considerando a experiência cotidiana da comunidade com o risco; (b) a congruência, considerando a informação que a comunidade deve ter sobre a real situação de risco; (c) os recursos, considerando o conhecimento sobre todos os recursos que a comunidade possa dispor e; (d) a confiança, estabelecida entre a comunidade e o gerenciador do risco.

Tendo em vista as considerações apresentadas nos parágrafos anteriores, dentre os diversos acontecimentos que marcaram o acidente de Bhopal, um deles destaca-se: a gerência da Union Carbide nos Estados Unidos declinou de informar às comunidades locais sobre os perigos potenciais decorrentes do funcionamento de sua filial e de como se proteger em caso de algum desvio operacional. Também não havia um plano de emergência ou de evacuação da área no caso de acidentes.

De início, a estrutura de resposta à emergência médica se mostrou inadequada para a catástrofe. Naquela noite, os hospitais públicos ligaram desesperadamente para a Union

Carbide, solicitando o protocolo para atendimento das vítimas afetadas pelos agentes

químicos contaminantes. Quando finalmente conseguiram fazer o contato, foram desdenhosamente assegurados de que o gás que estava matando milhares de pessoas nada mais era do que um potente gás lacrimogêneo, e o que as vítimas tinham de fazer era simplesmente lavar os olhos com água. Esse era um dos procedimentos que eles jamais poderiam adotar devido às características da substância envolvida.

Ao aspirar o agente químico emitido acidentalmente, o isocianato de metila, em forma de gás, os habitantes de Bhopal foram submetidos a uma morte lenta e aterrorizante. Como o veneno reage ao entrar em contato com a água, o ataque químico toma-se mais duro na exata medida em que o organismo secreta líquidos para se proteger da agressão. Nos olhos, por exemplo, assim que o lacrimejar fica mais intenso a córnea é atacada com tamanha ferocidade que chega a perder a transparência, tomando-se opaca e ocasionando a cegueira, só reversível mediante transplantes. O mesmo efeito pode ser sentido na boca, no nariz e nos pulmões (Revista Veja, 1984). O resultado foram milhares de vítimas cuja morte poderia ter sido evitada.

Como uma das conseqüências de Bhopal, a legislação sobre o direito de saber –

comunity right-to-know – foi decretada pelo governo norte-americano. Ainda nessa

vertente, vários países da Europa começaram a discutir sobre essa questão e a incorporar a comunicação de riscos nos processos de tomada de decisão sobre o licenciamento ambiental de atividades perigosas (OPAS, 2008).

O U.S. National Research Council (1996) propôs a seguinte definição para comunicação de risco:

“A comunicação de risco é um processo interativo de intercâmbio

de informações e de opiniões entre os indivíduos, grupos e instituições. É um diálogo onde se discutem múltiplas mensagens que expressam preocupações, opiniões ou reações às próprias mensagens ou acordos

A comunicação de risco é uma área relativamente nova. Covello e Sandman (2001) traçaram a evolução da comunicação de risco da década de 1980 até os anos recentes, identificando quatro estágios distintos. O primeiro estágio pode ser identificado pela expressão “ignorar o público”. Este estágio foi o que antecedeu a comunicação de riscos, prevalecendo nos Estados Unidos até 1985. O segundo estágio foi identificado como sendo aquele no qual se pretendeu explicar melhor a informação sobre o risco, prevalecendo na segunda metade dos anos de 1980. Nessa época, a população reafirmava o seu clamor por uma política ambiental adequada para os Estados Unidos, e o acidente de Bhopal contribuiu para o desenvolvimento do movimento pelo direito de saber. O terceiro estágio correspondeu às ações para dialogar com a comunidade, e o quarto estágio referiu-se às ações para incluir o público como um agente colaborador. Trata-se de uma mudança de conceito em que a comunicação de riscos passou a ser vista como um processo que deve ocorrer como uma via de mão-dupla.

Atualmente, as organizações ainda se acham experts, e o público, mal informado. O desafio é romper o paradigma da via de mão-única.

Não muito diferente de Covello e Sandman (2001), Fischoff (1994) e Powell e Leiss (1997) descrevem os estágios da evolução da comunicação de risco segundo a seguinte linha temporal: (a) foco na ciência, obtendo números corretos e simplesmente provendo o risco objetivo (metade dos anos de 1980); (b) explicando, educando, e persuadindo o público sobre a avaliação de risco técnico (meados dos anos de 1980 até meados dos anos 1990); e (c) construindo relações de confiança através de um diálogo aberto e de mão-dupla, parceria e tomada de decisão compartilhada (meio dos anos de 1990 até hoje).

No cruzamento dessas duas visões cronológicas sobre a formação da comunicação de risco, percebe-se a constante evolução até alcançar a participação cidadã, com responsabilidade compartilhada entre a empresa, o governo e a população.

Atualmente, as autoridades, em todos os níveis governamentais, reconhecem que a participação popular genuinamente deliberada e interativa é mais efetiva para o gerenciamento de risco. Para os governos, isso exige ajustes na forma como interage com o público.

3.3.3. A consolidação da Comunicação de Risco como ferramenta de