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CAPÍTULO 3 As relações estabelecidas entre sociedade civil e governo na

3.1 A inserção institucional

Inquestionavelmente na década de 1990 surge um novo cenário econômico, político e cultural e novos parâmetros para a ação coletiva passam a ser propostos. Um dos mecanismos exigidos pela LOAS é a criação dos conselhos de assistência social, tendo como componentes fundamentais: visibilidade no sentido da transparência dos discursos e ações dos tomadores de decisões e para os implicados nessas mesmas decisões; controle social diz respeito à participação da sociedade civil organizada na arbitragem dos interesses em jogo e acompanhamento das decisões segundo critérios pactuados; representação dos interesses coletivos significa a constituição de sujeitos coletivos ativos, mediadores de demandas coletivas; democratização através da ampliação dos fóruns de direitos de decisão política, extrapolando os condutos tradicionais de representação e incorporando novos protagonistas, gerando interlocução pública capaz de articular acordos e entendimentos que orientem decisões coletivas; cultura pública representa o enfrentamento do autoritarismo social e da cultura privatista de apropriação do público pelo privado, no caso da Assistência Social, superação da tutela, para que os usuários tenham autonomia e se coloquem como sujeitos de direitos.

Diante de tal realidade, o que se viu é que a efetivação da política de assistência social e de seus princípios estavam na contramão dos caminhos adotados até então para a gestão governamental da assistência social. A década de 1990 mostrou uma grande contradição entre o legal e o real. Se, por um lado, tem-se o arcabouço legal da Constituição Federal de 1988 e das Leis Orgânicas e estatutos apontam para um Estado regulador e garantidor de direitos sociais, na universalização do acesso às políticas públicas e na democratização, por outro lado, o Estado permaneceu defendendo a integração do grande capital e sua conseqüente submissão ao receituário neoliberal das agências financeiras internacionais.

Sendo assim, os mecanismos institucionalizados de participação nas políticas sociais se constituírem sob dois caminhos: legitimação do poder dominante e cooptação dos movimentos sociais, ou como espaços de

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participação e controle na perspectiva de ampliação de democracia (CORREIA, 2002).

Para ampliar a democracia é necessário incluir ou adotar na gestão, práticas sociais que resgatem a possibilidade da presença da classe subalterna estimular seu (auto) reconhecimento social como sujeitos de direitos e não a submetê-la a benesses da caridade estatal ou privada. Isto supõe estimular sua participação ativa por meio da criação de mecanismos que possam induzir novas modalidades de ação coletiva. Os conselhos de políticas públicas devem ser, portanto, espaço para o fortalecimento dos setores populares e para a constituição da cidadania.

São necessárias ações para reduzir o sofrimento humano em ser excluído, propulsão de forças para restaurar a auto-estima face à discriminação. Reclamam, em geral os usuários, da necessária humildade dos agentes institucionais deixando de tratá-los como seres desprovidos da capacidade de saber o que desejam ou o que necessitam (SPOSATI, 2004, p. 45).

Os conselhos gestores rompem com a forte tradição histórica da política brasileira de centralização de decisões, na medida em que conferem a possibilidade de participação e de controle pela sociedade, possibilitando maior visibilidade às ações e aos investimentos públicos.

Para Costa (2002, p.61-62), “o fosso entre a legalidade e os códigos de

conduta que de fato vigoraram, dificulta a consolidação de uma sociedade civil politicamente atuante”. As dificuldades se expressam através dos seguintes

aspectos:

• base de recursos: enquanto os demais grupos de poder dispõem de instrumentos imediatos de poder, a possibilidade de influência da sociedade depende da sua capacidade de canalizar atenções públicas para suas campanhas;

• base de constituição dos grupos: enquanto os demais grupos estão organizados a partir de sua localização, a identidade dos atores da sociedade civil é constituída no contexto das próprias ações coletivas;

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• natureza do recrutamento dos membros: enquanto a vinculação dos grupos organizados se fundamenta em comprometimento legal, as vinculações da sociedade é voluntária e livremente arbitrada;

• natureza dos interesses representados: enquanto os demais atores se empenham na concretização de demandas constituídas a partir das esferas da política e da economia, as associações da sociedade civil apresentam questões que emergem da cotidianeidade.

A conquista da organização social de novos espaços de participação e exercício de cidadania é conseqüente do processo de mobilização da sociedade civil na luta para a democratização social.

Como visibilidade, Raichelis (1998a, p. 26), entende que pela ação e pelo discurso dos sujeitos sociais, podem-se estabelecer um conjunto de questões que dizem respeito ao destino coletivo.

Além de trazer a possibilidade de reconhecer como interlocutores os excluídos da vida política e dos resultados do desenvolvimento econômico, essa institucionalidade emergente pode contribuir, também, para a construção de uma nova cultura política, na qual valores como cidadania, direitos, solidariedade, ética, transparência no uso de recursos públicos, passam a ser valorizados (SILVA, 2001, p.14).

A sociedade deve gerar interlocutores para tornar possível a participação efetiva através, de um lado, de instituições representativas e partidos e, de outro, de movimentos e organizações sociais.

Raichelis e Wanderley (2004) consideram que a organização dos conselhos significa a experiência de construção de uma nova institucionalidade nas práticas de gestão pública, em razão de buscar a articulação e o compartilhamento de ações que envolvem sociedade civil e o poder público.

No caso da política de assistência social, a formação de conselhos gestores para esta área adquire importância particular, tendo em vista o perfil histórico dessa política:

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[...] tradicionalmente associado à filantropia privada, em geral de caráter confessional. Nessa configuração, atribuiu-se ao Estado papel subsidiário neste campo, o que delibitou o potencial de consolidação da assistência social, articulada ao conjunto das políticas públicas. Ao mesmo tempo, aquela trajetória vem restringindo as possibilidades de desvendamento da assistência social para além das ações emergenciais, focalizadas e compensatórias que historicamente a caracterizaram (RAICHELIS, 2002, p. 126).

Isto se reflete na forma de entendimento a respeito do conselho, conforme se observa nos relatos abaixo:

“O conselho não sei se ele é deliberativo ou não, não sei muito bem qual que é, mas é uma forma de ... não fiscalizador, mas é uma forma de está junto com o que existe das entidades, né, juridicamente constituídas, e tem o conselho que controla ... eu acredito que seja desta forma, que controla, vê a parte das finanças, a distribuição para que a entidade ... então é uma forma da comunidade de estar participando também, todos os órgão governamentais, não-governamentais de estar participando” (representante governamental nº. 05).

“Ele [ o conselho] via mais a parte social mesmo, a pobreza, criança e adolescente, alguns planejamentos que poderiam ser feitos” (representante sociedade civil organizada nº.09).

“Eu acho que ele existe para ajudar as pessoas que precisam desse serviço de assistência, por exemplo: têm muitas pessoas que têm direito e não sabe que têm, eu acho que a serventia é essa” (representante de usuários nº. 11.)

“Olha, eu não sei responder isso para você bem com as palavras, mas é

muito bom, é uma coisa muito boa, eu acredito que o governo tem que investir no conselho, investir mais nessa área dessa equipe, porque é uma coisa muito

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boa, eu aprendi muita coisa, consegui ver o idoso de um outro jeito, criança de uma outra forma, então foi muito bom para mim e acredito que para os outros conselheiros que são os titulares e os coordenadores, que a experiência deles e a vontade deles de lutar pelas verbas, então eu acho que o governo deveria dar uma atenção melhor para isso” (representante de usuários nº.13).

Conforme esclarece Sposati (1989), a trajetória histórica da política de assistência social tem sido identificada como não política, locus do assistencialismo, de práticas espontâneas e caritativas aos necessitados.

Evaldo Vieira (1998) analisa a respeito dos conselhos:

[...] não há possibilidade de sobrevivência do conselho se ele não participar das decisões ou das execuções que lhe dizem respeito, porque caso contrário tende a ser absorvido pela burocracia, tende a transformar-se em órgão de encaminhamento de documentos, de discussão, de interpretação, sem controlar as deliberações ou avaliar as execuções e resultados.

Raichelis, em pesquisa sobre o CNAS, ao tratar das dificuldades encontradas pela dinâmica interna desse conselho, argumenta que o que está em jogo não é apenas a legitimidade das decisões e o peso das representações, mas também questões externas, decorrentes do projeto político e da correlação de forças sociais que sustentam decisões governamentais.

Põe-se em relevo a capacidade do Conselho para estabelecer vínculos orgânicos com as bases sociais, que gerem organização e mobilização de cada segmento e a possibilidade de estabelecer alianças em torno de propostas políticas (1998a, p.145).

Para que os conselheiros consigam a efetivação das instâncias de controle social como realmente democráticas, pressupõem-se a qualificação e a legitimação dos atores sociais pelas suas instâncias representativas. No campo da assistência social é preciso aprofundar a discussão sobre a

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concepção da política, com vistas a avançar no direcionamento da efetivação de direitos, criando inclusive, como sugere Raichelis (Ibid., p.264), canais de participação e comunicação com a população que não está organizada, por intermédio de mecanismos mais criativos e desburocratizados, que possam conhecer de perto os anseios e as necessidades desses grupos. Os desafios consistem no enfrentamento da generalização das práticas de participação, representação e negociação que envolvam indivíduos e grupos dispersos e poucos organizados, isto porque os direitos de cidadania no Brasil acontecem em situações em que os grupos mais vulnerabilizados conseguem ‘auto- identificar-se’.

Outro relato de representante da sociedade civil organizada (nº.07) revela sobre as dificuldades de aceitação do CMAS:

“É um papel importantíssimo, para chegar onde nós estamos hoje, a implementação das políticas públicas previstas na LOAS olha foi uma luta de muitos anos, eu lembro que quando foi criado o CMAS pra que o poder público as próprias ONGs, a sociedade civil de modo geral para aceitar e entender o que era o conselho e a proposta do conselho demorou muito, houve uma resistência muito grande, não se acreditava, foi uma luta muito grande, então eu acredito que foi uma conquista importantíssima para Bauru”.