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CAPÍTULO 3 As relações estabelecidas entre sociedade civil e governo na

3.2 Os representantes de usuários

Quanto ao perfil dos conselheiros usuários, dos dezesseis membros, entre titulares e suplentes 75 % são mulheres e 25 % são homens. Os entrevistados desse universo têm idade entre 34 a 44 anos. A renda per capita familiar vai de 1,32 a 0.5 salários mínimos. A ocupação dos conselheiros usuários: faxineira, coletora de materiais recicláveis, pensionista e serviços gerais.

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Por períodos menores do que o de duração de um mandato no conselho (2 anos) é que os representantes da sociedade civil permanecem no Conselho Municipal de Bauru. Dos 16 representantes de usuários participaram como titulares de 3 a 17 meses e como suplentes de 6 a 21 meses.

Constata-se, portanto, a curta permanência do usuário que pode ser causada por dificuldades, desinteresse ou ausência de reconhecimento. São na maioria mulheres (75%), na faixa etária de 34 a 44 anos, com renda per capita familiar que vai de ½ a menos de 1 ½ salário mínimo, a escolaridade está entre fundamental ou média completa.

Esses usuários são trabalhadores informais, na sua maioria faxineiras, coletores de material recicláveis, sendo um deles pensionista em razão da deficiência física.

A freqüência intermitente ao conselho pode retratar a ausência de domínio do conteúdo pelo usuário, a permanência de tecnocracia na discussão da política e o trato distanciado do usuário, leva-o a considerar o conselho como coisa de elite (ALVAREZ, 2004, p. 27).

“Eu acho que todo mundo deve estar lá desde que a pessoa esteja interessada em participar, porque não adianta você ir para um conselho desse para passar as horas, ficar sentada na cadeira, porque antes de começar a reunião é um tipo de um encontro, a gente conversa, só que você tem que ver o seu lugar, por exemplo eu tô lá no conselho, né, tem um grupo dos que são mais, que manda mais que eu, tipo a tal e o tal. Aquelas moças que têm mais estudo ... quando eles estão conversando no grupinho deles eu não posso entrar no meio e falando coisa que eu não sei ... eu tenho que esperar alguém pedir minha opinião ... se eles abrir a palavra eu posso falar melhora isso...” (representante de usuário nº. 11).

O sentimento e a atitude de esperar ser chamado para falar estão presentes, mas não se sente em condições de tomar parte ou tomar partido. Presença não é em si participação. É mais um assento preenchido que não tem lugar ou se sente sem lugar no “jogo de cadeiras”.

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Na herança da construção histórica da estruturação econômica, política e social da sociedade brasileira, a população empobrecida foi desqualificada por rótulos como “incapacitados”, “problemáticos”, entre outros, portanto, incapazes de decidir sobre seus interesses e necessidades. Dessa forma, a relação clientelista que não reconhece os direitos sociais, esperando a lealdade pela inserção aos serviços sociais, traz no seu bojo dificuldades para o reconhecimento social dessa população, refletindo diretamente nas precárias possibilidades de desenvolvimento de identidades coletivas de organização social. Tal padrão de relação desorganiza e fragmenta os subalternizados ao apresentar como um favor o que é seu direito.

A visão dos conselheiros da sociedade civil e governo acerca do usuário no CMAS expressam claramente a resistência em reconhecê-los como atores desse processo coletivo:

“Agora essas pessoas da sociedade civil muitas vezes não têm universidade, são humildes mesmo, então assim; meu amigo trabalha nessa entidade. Você veja os representantes da associação de moradores, ele luta pela entidade da comunidade dele ou, às vezes, ele luta pela entidade da igreja, porque ele faz parte dessa igreja e não pela comunidade dele. As pessoas vão porque tem que ir por obrigação não por opção, dá o horário tem que ir embora, não participa, só participa quando tem que votar, sim ou não...” (representante governamental nº. 04).

A imagem do usuário no interior do conselho é expressa pelo signo de coitado. O espaço que deveria ser a reafirmação da cidadania reproduz o estigma do carente, necessitado, ignorante, que não sabe nem o que vai falar, que não é levado a sério.

Por que o conselho não propõe capacitação para os conselheiros usuários? Será que a participação de cabresto para dizer, sim ou não, é o desejável? Por sua vez é digna de nota a idéia de que o conselheiro usuário é ou lobista de uma entidade social ou alguém que está buscando uma vantagem

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para si. É claro que nenhum conselheiro está livre de ser caracterizado por uma presença interesseira e não interessada.

“Eu vejo bastante tímida, eu acho que o usuário muitas vezes ele não sabe seu papel e ele tem inclusive receio de colocar as suas posições e por sua vez os outros conselheiros também talvez exista até um preconceito, por essa última gestão nós temos um usuário que é assídua mas tem uma pequena deficiência leve, eu percebia que quando ia fazer sua colocação o pessoal ouvia mas não levava muito a sério, então eu acho que nós conselheiros que estamos errados e não o usuário. Eu acho que quando você dá condições eles são mais pé no chão que nós, por que eles vivem o problema, então eles tem condições de darem muito mais informações e enriquecerem mais as propostas” (representante da sociedade civil organizada nº. 08).

“Infelizmente eles não tem, eles são pessoas que quase não sabem falar, eles têm esses tipos de problemas: desemprego, fome, medicamento, então eu creio que eles não sabem apontar, se eles acham algum programa de medicamento, na verdade ele está lá porque está com fome, ele quer na verdade um emprego, ver se vai sobrar, na verdade, eu percebia isso, se ia sobrar uma ‘vaguinha’ para ele em algum lugar, normalmente quem entra em conselho, quem entra em associação, ele não tem objetivo social, ele tem o objetivo assim: o que é que vai ter de bom para mim. Eu percebi. Na verdade acaba não atingindo o objetivo por causa disso, por que as pessoas que estão lá não estão para atingir aquele objetivo, estão pensando assim: será que vai ter uma ‘vaguinha’ ali, o que é que isso vai proporcionar e não do conselho do que você vai fazer” (representante da sociedade civil organizada nº.9).

“Hoje, eu falo para você é praticamente nula, passado mais de 10 anos da LOAS, é um estranho no ninho quando comparece, o coitado não sabe o que está rolando. Agora quem é o culpado, é o usuário?? Não sei não, eu acho que não é só o usuário, eu acho que a culpa principal é nossa, das ONGs, do

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órgão gestor. Porque dá a impressão, pode ser que eu esteja enganado, que é um mecanismo de autodefesa das partes: poder público e ONGs, que tocam a rede, que é melhor que não participe muito porque quem não vê não critica. Eu acho errado isso aí, porque o usuário poderia ser o controle de qualidade, isso daí é uma coisa que vai demorar muito tempo para mudar. Os movimentos da sociedade civil que reivindicam melhorias são muito acanhados e quando existem mais organizados, infelizmente estão contaminados por interesses político partidários, isso é um grande prejuízo para a sociedade. Você vê associações de moradores que deveria ser um ponto importante, geralmente estão dominados por políticos de carreira e aí a coisa deturpa, então é um grande desafio que existe dentro dos conselhos conseguir o envolvimento e a participação consciente da sociedade civil e não é só dos usuários, mas das ONGs que têm assento nos conselhos” (representante da sociedade civil organizada nº. 07).

Outra leitura muito pertinente é a do desinteresse dos representantes do governo e de entidades em que os conselheiros representantes dos usuários se qualifique e possa realizar a crítica de atenção dentro da perspectiva do controle de qualidade das ações como parte dos direitos.

Parece que a participação interessada na constituição de direitos na política pública é ainda frágil para todos e não só para os usuários.

Os próprios usuários se sentem coadjuvantes nesse processo:

“Ruim, porque mal eles cuprimentam a gente, tem gente lá que entra com o nariz empinado e não cumprimenta a gente, enquanto elas lá que são assistentes sociais se dão beijinhos, bate papo, eu mesma já estava excluída, ficava excluída da panelinha porque eu sou usuária, então eu sempre fiquei excluída da rodinha” (representante de usuários nº12).

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“É um problema que eu não sei explicar como eu participei dois anos para mim deixei meu nome lá e estava lá marcando presença, mas foi só isso, não foi mais do que marcar presença” (representante de usuários nº.14).

“Sabe o que eu faço eu saio daqui e fico lá sentada olhando o povo falar, só isso que eu faço lá. Eu saio de lá e eu falo eu não sei o que eu vim fazer aqui. Sabe é legal você ir num local e você participar. Tinha umas assistentes sociais que me falava: fala alguma coisa, e eu respondia pra que? Para eu me perder com as palavras e não sair do lugar então é melhor ficar quieta” (representante de usuários nº.15).

Nas palavras de Yazbek (1996, p. 18),

Historicamente, os subalternizados vêm construindo projetos que não são seus, mas que lhes são inculcados como seus. Experienciam a dominação e a aceitam, uma vez que as classes dominantes, para assegurar sua hegemonia ou dominação, criam formas de difundir e reproduzir seus interesses como aspirações legítimas de toda sociedade.

A exclusão de bens e serviços materiais e culturais atinge um grande contingente da população brasileira. Cresce a dependência da intervenção estatal nos atendimentos às necessidades sociais.

Na ótica da carência, a pobreza é também ausência de participação nos espaços públicos em que tais grupos podem se fazer representar e, desta forma, podem ser reconhecidos como sujeitos portadores de direitos.

A exploração que atravessa a sociedade sem dúvida gera situações de extremo abandono psicológico, social e biológico, cujo enfrentamento pessoal requer forças de que nem sempre os indivíduos dispõem: pela idade, pela precária situação de saúde, pelo isolamento [...] (SPOSATI, 2003, p. 65).

Concomitantemente, as práticas de enfrentamento e contestação à dominação representam a configuração de relações de protagonismo:

[...] nesse processo, a coletividade criada pela consciência de que são iguais na pobreza, na exclusão e na subalternidade

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coloca a questão da cidadania dos subalternos em um novo patamar: na perspectiva de sua constituição como sujeitos políticos, portadores de um projeto de classe” (YAZBEK,1996, p.10).

A exclusão de bens e serviços materiais e culturais faz parte de um grande contingente da população brasileira. Cresce a dependência da intervenção estatal nos atendimentos às necessidades sociais.

Isto se vê no relato de grande parte dos conselheiros:

“[...] a participação dele é de extrema importância porque ele sabe dentro da sua comunidade as dificuldades e lá vai estar sabendo e colocando e lutando pelo bairro e suas necessidades” (representante governamental nº. 01).

“Eu vejo muito bem, por que ele como usuário vai saber o que, onde está pegando, o que não está bem, onde deve ser melhorada” (representante da sociedade civil organizada nº. 10).

“Eu acho, lógico que eles estão próximos da realidade que eles estão vivendo, com certeza, mas precisaria existir mais capacitação, vários cursos, várias reuniões com eles para estar capacitando, por que eles discutem muito, é interessante isso, mas acho que eles deveriam estar mais embasados nesta discussão, estar orientados, para direcionar as carências deles” (representante governamental nº. 01).

“[...] porque eu acho que ele é que sente o drama, para a gente estar fazendo um projeto a gente pode esquematizar e implantar, mas quem vai dizer se está funcionado ou não é o usuário. Por que você monta e para você que está montando é bonito, mas só que não funciona, o objetivo dele não foi atingido, e o usuário no caso é a pessoa que vai chegar e vai dizer se melhorou” (representante da sociedade civil organizada nº. 04).

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A precária discussão com os seus pares como salienta Tabagiba (2002, p. 66),

[...] a falta de uma via de mão dupla entre conselheiros e entidades [...] tem se mostrado muito problemática, principalmente no caso dos usuários que, sem um amadurecimento prévio das questões, acaba aderindo às posições defendidas por grupos com maior poder de argumentação e influência.

“Eu acho que não, eu acho que é mais coisa que como eu sou usuária só tinha duas pessoas então não tinha como eu debater os direitos da população, então eles falavam: vamos fazer isso, o conselho está de acordo, as pessoas ficavam quietas então já era voto vencido. Então não tinha assim um debate com os usuários, assim: o que você acha isso, isso e aquilo. Então era uma coisa que não dá para você participar” (representante de usuário nº. 12).

As técnicas de decisão podem ser coercitivas caso não ofereçam de forma democrática o tempo de discurso, a rodada de pronunciamentos, encaminhamentos e pareceres antes da definição pelo voto.

Nenhum dos conselheiros usuários entrevistados se reunia com seus pares por entenderem que se tratava de assuntos que não diziam respeito à sua própria condição de usuário, ou melhor, pensavam que estavam apenas representando seu grupo ou serviço do qual faziam parte, não tinham idéia de que estavam no conselho para representar o coletivo de usuários, independente de que serviço socioassistencial estivesse.

“Não, porque geralmente eles perguntam: você vai em tanta reunião, por que isso aqui não muda?’ E eu repondo: ‘Eles nem sabem que nós existimos, sabem que eu sou usuária de programa porque está lá no papel, mas eles nem sabem que nós existimos’. Quando eu vou na reunião eles nem tocam no assunto de reciclagem, é só associação de moradores, creche, casa dos idosos, mas nunca falaram sobre a reciclagem. E essas pessoas (usuárias dos

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serviços citados pela entrevistada) não estão lá para se defender e nem para dar palpite. É isso que às vezes eu falo: ‘São tantos programas e acaba indo só duas pessoas que vai (no CMAS), então não dá para debater uma coisa que você não conhece’” (representante de usuário nº. 12).

“[...] tudo eu passava para a C. (assistente social), que era coordenadora daqui, não era bem o interesse do pessoal e sim do NAF para o pessoal, então não tinha muito que me reunir com eles porque não era um debate de como era esse curso, sim de verba para esse curso” (representante de usuários nº. 13).

“Eu indo lá e não tendo voz ativa nessas reuniões, mas eu me sentia assim pelo menos para eu não me sentir inútil, porque tem gente que não participa em nada, agora eu sou uma pessoa que participo muito, palestra qualquer coisa” (representante de usuários nº. 15).