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CAPÍTULO 3 As relações estabelecidas entre sociedade civil e governo na

3.3 Os representantes governamentais

Retrepo (1990, p.79) considera que o Estado deve ser incumbido da função de promover o interesse de toda a sociedade, sem negar o interesse particular e procurando dar-lhe satisfação, sendo esse o princípio de legitimação do Estado. Essa é a essência da democracia moderna, que não é apenas política, mas econômica e social.

Dentro dos cinco representantes governamentais, foram entrevistados: 01 membro da Secretaria da Cultura, 01 representante da Secretaria da Saúde e 03 da SEBES, participantes de gestões do CMAS em diferentes períodos.

Quanto ao perfil de tais representantes, pode-se constatar: dos 136 conselheiros, 68 são representantes governamentais, 19% são homens e 81% são mulheres. Todos os entrevistados possuem curso superior completo, sendo 01 psicóloga e 04 assistentes sociais. A idade varia de 38 a 61 anos. São funcionárias públicas com carreira entre 10 e 25 anos de atuação no poder

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público municipal, sendo uma delas aposentada como servidora. Quanto à permanência no CMAS, houve 09 substituições, e o tempo de participação foi de 10 meses a 1 ano e dez meses. As reconduções ocorreram com 16 conselheiros no período pesquisado.

Observa-se que há uma clara distinção quanto à conceituação da assistência social dentro do próprio grupo de representantes governamentais, conforme se observa nos relatos abaixo:

“Eu acho, assim, não é assistencialismo, eu acredito, né, eu sempre achei que você tem que fazer com que a comunidade participe pra construir qualquer tipo de movimento, você não dar a coisa pronta, você envolver esta comunidade para poder estar construindo algum tipo de, seja um equipamento cultural, estar participando junto, para valorizar aquele equipamento que está oferecendo para eles, nós temos as bibliotecas ramais, seria interessante você estar chamando o público usuário da periferia e estar participando junto nesta reforma para eles estarem valorizando o espaço que é para eles” (representante governamental nº. 05).

“A gente faz políticas sociais para desenvolvimento do município, assistência social é bem isso tem que traçar mesmo metas, ter políticas sociais que norteiam o desenvolvimento de uma cidade. Hoje em dia o que a gente vê, e eu pelo menos não aceito, é o paternalismo do governo, que dá tanto programas para a população carente: Bolsa Família, Bolsa Alimentação, Nutri bebê, Viva Leite. É preciso trabalhar. Então a assistência social está nessa promoção realmente do ser humano, e ele tem que trabalhar tem que ter direitos deveres e ter consciência de que ele é cidadão e tem que lutar pelos direitos dele, mas não dessa forma tão assistencialista. Mas ele quer o que? bolsa alimentação, bolsa aquilo, bolsa isso, que é para ele não trabalhar. Na verdade tudo isso é para ele não trabalhar mesmo, ele não vai pedir emprego, ele acaba se acomodando e vai ficar sempre nivelar para baixo a população, nunca por cima. Então assistência social é você estar conscientizando, sim, a população que não tem consciência nenhuma dos seus direitos [para]

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viabilizarem condições para isso que é o mais importante, porque senão não adianta nada, e também dar uma retaguarda, é um trabalho de formiguinha, porque não é fácil. Aqui no posto o que mais se fala: você paga imposto, você tem direito a cuidar da sua saúde, então não é só para as pessoas carentes, é para todo mundo por que todos nós pagamos imposto. Mas até ele entender como é que funciona a máquina é muito difícil. Então, é um trabalho de todo dia: de direitos, por que ele tem que saber escolher o vereador, o deputado. Então todo esse trabalho de conscientização demora muitos anos para você ver resultado. Mas, você vê sim, se de cem pessoas uma entender já ganhamos, por que num lugar onde o país é totalmente estruturado [...] onde todo mundo aceita, então é muito fácil, né, ganhar remédio de graça, medicação de alto custo. Tudo hoje o governo dá, não estou dizendo que está errado, tem coisa que eu acho que tem que dar sim, mas tirar do indivíduo a auto-estima dele, mostrar para ele o que é ser cidadão, tudo isso, eu acho que ele tem direito e tem direito a mais, não a essa coisa paliativa. Ontem eu dei uma entrevista para a LBV, a gente tem um trabalho de parceria, aí a moça me perguntou: ‘Qual a importância do trabalho de parceria?’. Eu falei que não adianta você querer ensinar o indivíduo a pescar, se ele está com a barriga vazia, não tem nem força para pegar a vara para pescar, e é isso que a gente vê. Não adianta a gente ensinar, explicar, orientar conscientizar se eles estão todos doentes, não têm comida na casa deles, não têm o básico, ninguém pára para te escutar. Primeiro tem que ter o básico sim, mas não viver só no básico, eu acho que o serviço social tem que [...] não dá para fugir, tem que ser paliativo” (representante governamental nº. 04).

Os relatos acima são de conselheiros que estão alocados em secretarias que não é gestora da política de assistência social, o que pode ser reflexo do conceito que fazem a respeito dessa política. Os relatos expressam a opaca compreensão que os entrevistados fazem a respeito da assistência social e, conseqüentemente, imprimem um conjunto de estigmas na conceituação a respeito dos usuários. A noção de assistencialismo é equivocada e é vista como expressão de oferta de ‘coisa pronta’.

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Assistencialismo, para Aldaíza Sposati (1997, p.4), é o “contraponto do

direito”, nesta perspectiva o acesso tem significado de doação, benesse, favor,

transformando o usuário em dependente, sujeitado à pratica de alguém que se apresenta como proprietário do bem oferecido. No Brasil essa prática está presente no primeiro-damismo, na política eleitoreira, nas obras filantrópicas e nas políticas governamentais.

Outra observação que fazem diz respeito à noção de carente e não a noção de cidadão, de necessitado e não de necessidade. Com relação à noção de proteção social, o referencial é o trabalho e não o direito à seguridade social, sendo assim, pode-se dizer que tais conselheiros apresentam uma visão distorcida sobre direitos sociais e reproduzem opiniões próprias que não são resultantes de discussões com seus órgãos de origem, ou com os demais órgãos públicos envolvidos, ou sua visão seja resultado de um processo de capacitação.

Muitas vezes, isso decorre da pouca importância que o Estado confere à sua participação nos conselhos, mandando para as reuniões pessoas não preparadas para discussão e com pouco poder de decisão. Esta política de esvaziamento dos conselhos tem se refletido nos altos índices de ausências dos conselheiros governamentais. Isto produz o enfraquecimento dos conselhos que, apesar de suas prerrogativas legais, não conseguem impedir que muitas questões importantes sejam decididas nos gabinetes dos altos escalões do governo, sob a influencia dos interlocutores tradicionais (TABAGIBA, 2002, p.63-64).

Há uma clara distinção entre a visão impressa pelos representantes da secretaria gestora da política:

“É tanta coisa, seria atender à população em situação de vulnerabilidade, sem o assistencialismo, estar capacitando essas pessoas para gerenciar sua própria vida e a família” (representante governamental nº. 01).

“[...] depois da LOAS passou a ter essa visão de que a assistência social é um direito” (representante governamental nº. 03).

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Todavia, apesar de ter uma visão mais oxigenada quanto ao conceito da assistência social como política de direitos, ainda há uma confusão ao defini-la ou tentar conceituação. Definem como direito, mas direito a quê? Como se faz essa política? A quem deve atender? Essas são respostas que devem estar claras para qualquer cidadão que participa de um conselho em que se delibera e fiscaliza a política pública. Porém, não conseguimos visualizar essa clareza na fala de nenhum conselheiro. O que se constatou é a precária conceitualização que fazem todos conselheiros, inclusive os que trabalham no órgão gestor.

Da mesma forma, ou melhor, de distintas formas o papel do CMAS é concebido entre os membros governamentais. Uma das entrevistadas desconhece a função deliberativa e fiscalizadora do CMAS, conforme se observa no relato abaixo:

“O conselho não sei se ele é deliberativo ou não, não sei muito bem qual que é, mas é uma forma de, não fiscalizador, mas é uma forma de estar junto com o que existe das entidades, né, juridicamente constituídas, e tem o conselho que controla ..., eu acredito que seja desta forma, que controla, vê a parte das finanças, a distribuição para que entidade ... então é uma forma da comunidade de estar participando também, todos os órgãos governamentais não-governamentais de estar participando” (representante governamental nº. 05)

O que fica mais evidente para a conselheira abaixo é a fiscalização pelo CMAS não só das entidades sociais, mas também quanto à deliberação de verbas:

“Eu acredito muito, ele fiscaliza e libera verba. No ano passado nós fizemos visitas às entidades para preencher um questionário e, se a entidade não tivesse a pontuação mínima não seria renovado o convênio com elas. Então é importante para o conselheiro fazer essa visita. Porque uma coisa é chegar à SEBES e falar sobre sua visita e achar que deve continuar o

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convênio, se vai a conselheira que nunca tinha ido na entidade, então eu estou acreditando naquilo que a Secretaria passa para nós. Quando aplicamos o questionário, fomos para campo e aí conhecemos a realidade. Quando a entidade pedisse mais verba, nós já tínhamos um relatório com nosso parecer. A importância do conselheiro é trabalhar mais diretamente com a entidade (representante governamental nº. 04).

As representantes da secretaria gestora têm maior clareza quanto ao papel do CMAS, talvez em função de estar mais próximas das discussões acerca da política e por serem assistentes sociais, o que exige capacitação para o exercício da profissão.

“Ele existe para ordenar, para organizar as ações de assistência social no município, de uma maneira mais racional mais integrada na comunidade, mais participativa na comunidade” (representante governamental nº. 03).

“Ele é um órgão de controle social, fiscalizador das ações da política de assistência social” (representante governamental nº. 02).

“O conselho é deliberativo e fiscalizador, ele é gerenciador e executor através dos convênios” (representante governamental nº. 01).

No relato acima a entrevistada, apesar de especificar a função deliberativa e fiscalizadora, refere-se ao conselho como um órgão executor de convênios, o que na verdade é função da SEBES, enquanto órgão gestor da política de assistência social.

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