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As disposições conciliares, quer as sinodais, valorizaram o papel da visita – obrigatoriedade da sua realização anual ou bianualmente. Não há dúvidas de que

32 ADV – Documentos Avulsos do Cabido, Cx. 6 – N. 2, Relação das igrejas, capelas e mosteiros existentes no

bispado e diocese de Viseu, 1675.

33 Arquivo Paroquial de Ferreira de Aves – Livro de visitas de Ferreira de Aves, visita de 1573. 34 ADV – Cabido – Colações, Lv. 264/323, fl. 63.

35 Como se refere na memória paroquial de 1732 da freguesia de S. Maria de Guimarães (Trancoso). ANTT

– Memórias paroquiais, Freguesia de S. Maria Guimarães (Trancoso), vol. 43, n.º 450a, p. 362.

36 Na memória paroquial da freguesia de S. João Extramuros de Trancoso refere ‑se, a propósito de

S. Tomé, que “o abade assiste em Souto Maior”. ANTT – Memórias paroquiais, S. João extramuros (Trancoso), vol. 43, no 450d, p. 402.

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a esmagadora maioria dos prelados cumpriram escrupulosamente o que se havia determinado em Trento. Num período de 185 anos, em Ferreira de Aves, houve 127 visitas (em média uma a cada 15 meses). Se se contabilizar apenas as efectua‑ das na época correspondente ao arco cronológico definido para a realização deste trabalho verifica ‑se que, de 1566 a 1639, realizava ‑se uma a cada 13 meses, núme‑ ros similares aos que foram aferidos para as dioceses de Braga e Coimbra37. As

visitas realizadas denotam que os bispos e também os capitulares reconheceram a relevância da visita pastoral enquanto instrumento fulcral da reforma.

O tribunal episcopal foi igualmente um instrumento relevante ao serviço do poder episcopal no contexto da reforma tridentina. Todavia, o número de indivíduos sentenciados pelo Auditório era relativamente reduzido. No primeiro quartel do século XVII eram julgadas cerca de 25 pessoas por ano. Ora, consi‑ derando que no bispado de Viseu, à semelhança do que acontecia em Braga ou em Coimbra, no contexto visitacional, as denúncias anuais seriam na ordem dos milhares, é possível entrever que o disciplinamento social na Época Moderna era, maioritariamente, feito sem recurso a julgamentos. De assinalar, que estes só se realizavam em casos de cometimento de faltas graves (incesto em 1º grau, por exemplo) contumácia ou sempre que os acusados, no âmbito da realização da visita pastoral, não confessassem a prática dos delitos.

Os sentenciados entre 1614 e 1618, período em que é possível entrever a acti‑ vidade do tribunal, eram, maioritariamente, do sexo masculino. De um total de 14 acusados, 11 eram homens (cerca de 79% do total), cifras idênticas às de final do século XVII38. Assim, os réus do tribunal eram sobretudo homens. Não se

pense, todavia, que o cometimento de delitos graves tinha a ver com uma questão de género. A mulher gozava de um estatuto especial por se acreditar ser frágil e dependente.

A esmagadora maioria dos condenados era natural das pequenas localidades que compunham o bispado que não da cidade de Viseu, o que se explica pela circunstância de a diocese ser marcadamente rural. Eram indivíduos do terceiro estado que viviam da agricultura e ofícios. Por exemplo, Domingos Lopes de Campos era sapateiro na localidade de Tojal. Muitos viviam certamente no limiar da pobreza. Como se refere no perdão de Domingos Vaz e Catarina Fernandes, em 1624: “gastaram a pobreza que tinham” nas penas pecuniárias aplicadas pelo tribunal39.

37 Joaquim Ramos Carvalho; José Pedro Paiva – Visitações. In Dicionário de História Religiosa de Portugal.

Dir. Carlos Moreira Azevedo. Vol: P ‑V, apêndices. Lisboa: Círculo de Leitores, 2000, p. 367; António de Sousa Araújo – Um importante livro de capítulos. Itinerarium. 68 (1970) 172 ‑185.

38 Neste período cerca de 72% dos sentenciados eram homens. ADV – Câmara Eclesiástica – Registos,

Lv. 8/54.

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Os desvios mais significativos acabavam por ser os de natureza moral familiar e práticas sexuais consideradas ilícitas, seguidos dos delitos associados à actividade eclesiástica, designadamente não administração de sacramentos e ordenação com renda falsa. Os restantes respeitavam sobretudo à acção clerical: não adminis‑ tração do sacramento da extrema ‑unção; ordenação sem autorização episcopal. Apenas um indivíduo acabou por ser condenado pela prática de agressão. Nesse sentido, tendo em consideração a tipologia das infracções, a actuação do tribunal acabava por se centrar particularmente na penalização dos delitos de natureza moral e desvios à prática eclesiástica.

Se atentarmos no tipo de penas que eram ministradas no primeiro quartel do século XVII, verifica ‑se que as condenações eram, genericamente, de dois tipos: coima e degredo. Os locais de desterro eram diversificados: num universo de 11 sentenciados, sete foram condenados a cumprir a pena fora do bispado, a maioria em Castro Marim, dois em África e um em Miranda. Alguns, inclusive, acabaram por ser condenados a cumprir sentença fora do reino: em 1618 Aires de Andrade viu ser ‑lhe comutada a pena de degredo em África por quatro anos em Salamanca40.

De assinalar, igualmente, a existência da condenação a penitências públicas. Em Janeiro de 1624 o casal Domingos Vaz e Catarina Fernandes foram senten‑ ciados pela prática de lenocínio a “estar publicamente com rotola nas costas no cruzeiro ou porta principal da nossa sé” 41. Este tipo de penas caiu em desuso no

decurso da centúria de Seiscentos, tal como sucedeu noutros bispados. É possível que, quando comparada com outras penalizações, a sua eficácia fosse diminuta. Note ‑se, que o referido casal, embora condenado em Janeiro de 1624, continuou a perseverar no cometimento do delito, tendo sido em Novembro do mesmo ano penalizado a dois anos de degredo.

Relativamente ao cumprimento das sentenças, sabe ‑se que quando eram condenados ao pagamento de uma coima, as pagavam. Por exemplo, os já citados Domingos Vaz e Catarina Fernandes em 1621 pagaram um marco de prata pela prática de lenocínio. Todavia, os réus condenados à pena de degredo subtraiam ‑se frequentemente ao seu cumprimento. Domingos de Almeida era cura na paró‑ quia de Atalaia. Por culpas que se desconhecem havia sido condenado, em 1606, a uma pena de dois mil réis e dois anos de degredo (Castro Marim). Pagou a coima, mas não cumpriu o desterro. Foi para Carrazedo, bispado de Lamego que era a sua localidade de origem. Domingas Fernandes, natural da Mesquitela, que havia sido condenada à pena de degredo em 1605 por culpas de incesto, também o não cumpriu, sendo perdoada em 1621. Tal como Domingos Vaz e Catarina

40 ADV – Cabido – Registos, Lv. 565/720, fl. 32v ‑33. 41 ADV – Cabido – Registos, Lv. 565/720, fl. 82 ‑82v.

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Fernandes, que condenados pela prática reiterada de lenocínio em 1624 a dois anos para Castro Marim, não saíram da localidade de Vale de Madeira (Pinhel).

Embora tenham existido casos em que o degredo acabou por ser uma rea‑ lidade (em 1618 afirmava ‑se que “o padre Francisco de Figueiredo desta cidade de Viseu tem cumprido o degredo em que foi condenado por sentença do nosso Vigário Geral”), a existência de indivíduos que se furtavam ao seu cumprimento indicia que o poder episcopal era pouco eficaz na sua execução, particularmente quando condenava réus a cumprir desterro fora do bispado.

Este contexto explica o facto de parte considerável dos que eram condenados ao desterro serem alvo de perdões episcopais, que na prática era uma comutação de pena (substituía ‑se o degredo por uma coima). É certo que a graça era justifi‑ cada pela pobreza do réu, idade, doença ou família (ter filhos a cargo). Domingos Vaz e Catarina Fernandes foram condenados, em 1624, pela prática de lenocínio à pena de degredo em Castro Marim. Foi ‑lhe comutada em dez cruzados: “por‑ que os suplicantes eram casados e tinham filhos e indo cumprir o dito degredo ficavam destruídos e sua casa e filhos desamparados” 42. Todavia, a circunstância

de o poder episcopal não ter meios para executar as sentenças, pesaria também na decisão de “perdoar”. Assim, a justiça eclesiástica, tendo no degredo a pena mais pesada, utilizava ‑a como ameaça. No fundo acenava ‑se com o degredo ou mesmo sentenciava ‑se o desterro, mas acabava ‑se por, maioritariamente, aplicar condenações pecuniárias.