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Intenções: o uso habitacional e a reabilitação do centro histórico

4 Construção e desconstrução da habitabilidade no centro histórico do Recife

4.3 Intenções e intervenções no centro

4.3.1 Intenções: o uso habitacional e a reabilitação do centro histórico

O programa Morar no Centro, desenvolvido pela Diretoria de Programas Especiais da URB–Prefeitura do Recife, entre os anos de 2000 e 2006, em parceria com o Programa de Requalificação de Áreas Centrais da Caixa Econômica Federal, tinha como intenção principal incentivar a moradia como forma de promover um melhor aproveitamento da infraestrutura instalada no centro da cidade e, em extensão, estimular a diversidade de usos e a conservação do estoque edificado em áreas de valor histórico.

No sítio histórico do bairro da Boa Vista, foi delimitado o primeiro Perímetro de Reabilitação Integrada, limitado pelas ruas Velha, da Glória e de Santa Cruz, para a

elaboração de estudos socioeconômicos e arquitetônicos, a fim de subsidiar a implementação do Programa (ver Figura 9 do Capítulo 3).

Em um primeiro momento, o Programa tinha como objetivos a melhoraria das condições habitacionais dos moradores do sítio histórico mediante suporte técnico para a realização de reformas, com a concessão de crédito e subsídios, e a atração de novos moradores para o centro.

Os moradores mostraram-se interessados em promover a melhoria nos seus imóveis. No entanto, os levantamentos socioeconômicos da URB (Prefeitura do Recife, 2003) demonstraram que grande parte da população da área, cerca de 60%, tinha renda familiar de 0 a 3 salários-mínimos, apresentando ainda um alto grau de informalidade, o que dificulta a comprovação de renda. Trata-se, portanto, de uma população de baixa renda que não apresentou condições financeiras para se integrar aos programas de financiamentos nos formatos então oferecidos pelas instituições bancárias.

O segundo objetivo – o de atrair moradores para a área – mostrou-se igualmente desafiador. Pretendia-se atrair moradores com renda familiar de 3 a 6 salários-mínimos, por meio do Programa de Arrendamento Residencial (PAR) da Caixa Econômica Federal, na sua vertente de reforma.

Apenas um edifício (Figura 41) no centro histórico do Recife, no Bairro de São José, foi reformado com recursos do PAR. O Edifício São José, com mais de 50 anos, apesar de ter sido originalmente projetado para abrigar o uso residencial, havia sido ocupado apenas por estabelecimentos comerciais. Pelas características do edifício, não foram necessárias muitas alterações morfológicas para adequá-lo às exigências do PAR e retomar o uso residencial. O edifício reformado foi inaugurado em 16 de junho de 2005 (http://www1.caixa.gov.br/imprensa/ consultado em novembro de 2007).

A plena ocupação desse edifício demonstrou o interesse habitacional de um segmento da classe média pelo centro histórico. No entanto, no Sítio Histórico da Boa Vista, as edificações apresentam características distintas.

Nessa área, foram escolhidas 60 edificações para a realização de estudos.Foram selecionadas 12 edificações de três ou quatro pavimentos, abandonadas ou subutilizadas e em mau estado de conservação, para a realização de simulações, econômicas e arquitetônicas, a fim de se averiguar a possibilidade de convertê-las em edifícios multifamiliares por meio do PAR. Foram priorizadas também as edificações com débito de IPTU, a fim de se estudar meios de desapropriar os imóveis ou de realizar negociações para sua cessão, em um regime semelhante ao de comodato, por um período de tempo determinado, como forma de pagamento de tais débitos e dos custos da reforma.

Apesar de as primeiras simulações financeiras terem apontado a viabilidade da intervenção em parceria com o PAR, no decorrer dos estudos percebeu-se que a estimativa inicial dos custos ficou abaixo do orçamento real. Nos projetos arquitetônicos e nas simulações de conversão de edificações históricas, a necessidade de criar poços de iluminação, de adequar as escadas e demais ambientes às leis de edificações atuais e de adequar os apartamentos às exigências do Programa de Arrendamento Residencial, não foi possível criar o número de unidades habitacionais previstas na simulação financeira. Com a divisão dos custos de aquisição e de reforma por um número menor de unidades, o valor de cada uma destas superou o valor máximo aceito pelo Programa.

Para o imóvel localizado na Rua Velha, 403, por exemplo, o Programa Morar no Centro desenvolveu várias simulações de reformas arquitetônicas para a conversão da edificação em edifício de uso multifamiliar pelo PAR (Figura 42). Confirmou-se a impossibilidade de criar o número de unidades habitacionais previstas na simulação financeira e a incompatibilidade entre os custos de reforma e o financiamento. O imóvel em questão funciona ainda hoje como uma pensão, em total situação de inadequação habitacional.

Figura 41 - Levantamento e projeto arquitetônico de reforma para a conversão em edifício multifamiliar pelo PAR do edifício localizado na Rua Velha, 403. Fonte: Prefeitura do Recife, 2004. Imagem tratada pela autora.

Outro imóvel estudado pelo Programa, localizado na Rua Velha, 201, já foi citado anteriormente. Invadido, foi incendiado por sem-tetos durante uma ação de reintegração de posse em 2005. Um fato emblemático, o desabamento, no ano de 2005, de uma das edificações que haviam sido objeto de estudo do programa Morar no Centro, em 2003, tornou

visível a fragilidade do tecido histórico e alertou para o risco da omissão e da falta de cuidado com as edificações históricas. A edificação da Rua da Glória, também referida anteriormente, foi igualmente estudada pelo Programa, fazendo parte de uma das 12 edificações pré- selecionadas para o PAR.

Outra dificuldade encontrada para a adaptação do Programa de Arrendamento Residencial PAR ao centro histórico é que ele disponibiliza – como já diz seu nome – recursos para a reforma de imóveis residenciais. Os sobrados coloniais da Boa Vista, como foi demonstrado por Gilberto Freyre e desenhado por Lula Cardoso Ayres (Figura 29 – Organização do Sobrado Colonial – já apresentada), caracterizam-se pelo uso misto: uso comercial nos pavimentos inferiores e uso habitacional nos pavimentos superiores. Assim sendo, a aplicação do Programa PAR nos termos previstos poderia demandar a supressão do uso comercial nos térreos. Ignorar o uso misto para a criação de imóveis de uso exclusivamente residencial representaria uma desobediência à lógica que tem guiado o centro da cidade do Recife.

Uma das ações concretas promovidas pelo Programa Morar no Centro no Sítio Histórico da Boa Vista foi a restauração das fachadas da Rua Velha em 2002 (Figuras 43 e 44). A intenção foi criar um interesse coletivo pela área, de modo a aumentar o sentimento de autoestima dos moradores e proprietários dos imóveis e motivar novos investimentos.

Figura 42 - Casas em processo de restauração na Rua Velha. Fonte: Complexo Turístico Cultural Recife Olinda, 2003.

Figura 43 - Imóveis da Rua Velha durante e depois do processo de restauração das fachadas. Foto de Luiz Amorim, 2002 e 2005.

A restauração foi viabilizada por meio da Oficina de Restauro de Bens e Imóveis, fruto de parceria entre a Prefeitura da Cidade do Recife e o Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda. Na oficina, jovens de 18 a 24 anos receberam formação técnica para

exercer atividades de restauração. Depois dos três módulos de aulas teóricas, os alunos tiveram um módulo de aulas práticas sob a tutela e orientação dos professores, e promoveram a restauração de alvenaria, estuque, cantaria, marcenaria, carpintaria, pintura, serralharia ou forja de alguns imóveis. Segundo a Diretora do Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda,

Além de restaurar os sítios históricos do Recife, o nosso objetivo é inserir esses jovens no mercado de trabalho ao aprenderem o ofício de restauro. Eles adquirem um olhar mais crítico sobre o patrimônio histórico e a consciência de preservação. (JACINTA, Tereza. Diretora de Promoção, Emprego, Trabalho e Renda da Prefeitura do Recife. http://noticias.recife.pe.gov.br/ e http://publica.recife.pe.gov.br/pr/secfinancas/emprel/publica acessados em 20-11-

2007).

Trata-se, portanto, de uma articulação entre políticas públicas no sentido de unir forças para um objetivo comum. No entanto, essa foi a única restauração feita na área.

Em 2004, o escritório do Programa Morar no Centro fundiu-se com o Escritório de Revitalização do Bairro do Recife para formar o Escritório do Centro Expandido, que englobaria o planejamento de todo o centro da cidade, na Região Político-Administrativa 1. Com o novo arranjo, deixa de ser prioridade a elaboração de planos para localidades específicas, e o território passa a ser planejado em uma escala mais ampla. No entanto, não se previu a continuidade dos programas já iniciados que foram, momentaneamente, relegados a segundo plano.

Até julho de 2011, nenhum dos projetos do Programa Morar no Centro no Sítio Histórico da Boa Vista havia sido executado. Ao contrário do sítio histórico do Bairro do Recife, parcialmente tombado em nível federal, o Sítio Histórico da Boa Vista, protegido apenas por lei municipal, não recebeu investimentos significativos para sua preservação.

Desde 2007, o poder público municipal tem-se voltado essencialmente para dois Perímetros de Reabilitação Integrada (PRI) no centro do Recife. O primeiro, na Avenida Guararapes, tem como objetivo incentivar a ocupação dos vazios existentes na área, com a indicação dos usos pretendidos. No segundo, no entorno da Rua Imperial, foi identificada a presença de muitos imóveis históricos em ruínas. Pretende-se promover a melhoria da sua condição urbana por meio da requalificação de calçadas e da iluminação pública, e edificar dois conjuntos habitacionais – Conjunto Avenida Imperial e Conjunto Praça Sérgio Loreto, cada um com 100 unidades habitacionais –, bem como a requalificação de alguns dos imóveis.

O incentivo ao uso habitacional no Perímetro de Reabilitação Integrada da Boa Vista,43

objeto de estudos do Programa Morar no Centro, não está na pauta da reabilitação atual. Está prevista para o Sítio Histórico da Boa Vista, até o final do ano de 2011, a requalificação da Rua Sete de Setembro (em amarelo) e o prolongamento da Rua Martins Júnior (em vermelho, paralela entre a Rua Sete de Setembro e a Rua da Imperatriz) (Figura 45), mediante desapropriações, até a Rua da Aurora (Prefeitura do Recife, 2011).44

Figura 44 - Projeto para o prolongamento da Rua Martins Júnior. 2011. Fonte: Prefeitura do Recife.

Figura 45 - Vista dos fundos da Rua da Imperatriz, que vai virar “fachada” com o prolongamento da Rua Martins Junior. Foto da autora.

A seguir são expostas algumas intervenções no centro do Recife, no bairro da Boa Vista, as quais têm tido impacto na condição urbana do sítio histórico em questão e, consequentemente, em a sua habitabilidade.