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2 Necessidades, motivações e expectativas habitacionais

2.2 Habitabilidade: distintas abordagens

2.2.1 Qualidade residencial

Haramoto (1992), em estudos para promover o melhoramento da qualidade residencial de habitações de interesse social no Chile por meio de intervenções no seu entorno imediato, aponta que a qualidade residencial versa sobre “a percepção e a valorização, pelos diversos observadores e participantes, dos atributos e propriedades dos componentes de um conjunto habitacional e suas interações mútuas com o contexto onde se inserem”.11

A qualidade residencial trata da percepção dos participantes – os moradores – a respeito das condições de uma determinada estrutura destinada ao uso habitacional, em qualquer que seja a escala. A assertiva, no entanto, reflete também a importância da percepção dos observadores, não necessariamente participantes, dessa mesma estrutura habitacional. Nesse sentido, considera-se que a qualidade residencial pode ser avaliada, tanto sob a ótica dos moradores quanto daqueles que não habitam a estrutura analisada: os observadores. Segundo o mesmo autor, são vários os fatores que podem ser considerados para a compreensão da qualidade residencial.

O “Fator de Localização” diz respeito às características da situação da unidade ou conjunto habitacional no tocante a topografia, vistas e clima; à inserção no tecido e na trama urbana; à relação com outras atividades, especialmente com o lugar de trabalho e à possibilidade de acesso a serviços de transporte e comunicação.

Já o “Fator de Urbanização” trata das características do solo e do terreno, da dotação de infraestrutura (água potável, tratamento de águas servidas, esgoto, energia elétrica, coleta de lixo e outros serviços), das características das ruas, vias, espaços livres e acessos, assim como das condições de vegetação e arborização da área.

11Tradução livre da autora do original: “Percepción y valoración que diversos observadores y participantes asignan a los atributos y propiedades de los componentes de un conjunto habitacional en sus interacciones mutuas y con el contexto donde se insertan”.

Ainda a respeito da condição do entorno imediato da unidade habitacional, o autor faz referência ao “Fator de Equipamento”. A presença e a acessibilidade a equipamentos públicos, tais como escolas, centros de saúde, serviços recreativos, de esporte e de culto e áreas verdes, são componentes da qualidade residencial.

A respeito da unidade habitacional em si, o autor chama a atenção para o “Fator de Desenho” ou “Fator de Projeto”, ao referir-se à flexibilidade que tem um imóvel quanto à versatilidade, convertibilidade e expansibilidade. Nesse sentido, a capacidade que teria um imóvel de ser reformado, adaptado e expandido para atender a novas necessidades habitacionais seria um dos componentes para avaliar a qualidade residencial, assim como as suas características funcionais, espaciais, formais e significativas.

É oportuno salientar que, quando se trata de imóveis históricos, as limitações impostas pelas leis preservacionistas podem interferir na qualidade residencial na medida em que têm impacto exatamente sobre a sua expansibilidade e versatilidade, chegando, inclusive, a limitar a capacidade de usufruto e de adaptação do imóvel a novas necessidades habitacionais.

O autor ainda faz referência ao “Fator Físico-Ambiental”, que diz respeito às características e à manutenção física da construção, à condição da estrutura e das instalações hidrossanitárias, bem como às condições de iluminação, umidade e ventilação. O nível de contaminação ambiental e de poluição também é determinante da qualidade residencial.

Sob outra perspectiva, Haramoto (1992) reflete sobre a qualidade social, relativa à capacidade dos vizinhos de estabelecerem laços de confiança. Esse atributo compõe o “Fator Social e Cultural”, fortemente determinado pelas características socioculturais, econômicas e demográficas da população de uma determinada área, pelo seu modo de vida, pela densidade habitacional e pelas condições de segurança pessoal e de grupo.

2.2.2 Habitabilidade

Segundo o Guia de Diseño para um Habitat Residencial Sustentable publicado no Chile (INSTITUTO DE LA VIVIENDA, 2004), vários são os componentes de um habitat residencial de qualidade. O guia é um instrumento para a elaboração de projetos que visam a uma melhor adequação das habitações promovidas pelo poder público chileno às necessidades dos seus futuros moradores, podendo servir, também, para o melhoramento das condições de habitabilidade dos conjuntos existentes.

O guia estabelece uma hierarquização dos fatores que interferem na qualidade residencial, de acordo com variáveis de ordem fisiológica, psicossocial, cultural, econômica e política. A habitabilidade está relacionada principalmente com a capacidade de cada um desses componentes atender às necessidades humanas em três escalas distintas: a unidade habitacional, o entorno imediato e o conjunto habitacional.

A habitabilidade está determinada pela relação e adequação entre o homem e seu entorno e se refere a como cada uma das escalas territoriais é avaliada segundo a sua capacidade de satisfazer as necessidades humanas. Esse conceito se relaciona com o cumprimento de padrões mínimos, já que a habitabilidade é a “qualidade de habitável” e que, particularmente, atendendo a normas legais, tem um local ou uma habitação (Idem, p. 14). 12

Conforme é possível perceber na Figura 1 a seguir, todas as escalas analisadas são avaliadas segundo critérios práticos a fim de se verificar a sua condição de habitabilidade.

Figura 1 - Fatores que interferem na habitabilidade. Fonte: Instituto de la Vivienda, 2004.

Os fatores que conferem bem-estar habitacional, segundo a Cartilha são:

Físico Espacial – Condições relativas ao projeto, à estrutura física das escalas territoriais do habitat residencial, avaliadas segundo as variáveis dimensionamento, distribuição e uso.

Psicossocial – Comportamento individual e coletivo dos habitantes associado às suas características socioeconômicas e culturais, avaliadas segundo condições de privacidade, identidade e segurança cidadã.

Térmico – Condição térmica da casa, que se avalia pela temperatura e umidade relativa do ar no seu interior e pelo risco de condensação. Essas características

12

Tradução livre da autora do original: “La habitabilidad está determinada por la relación y adecuación entre el hombre y su entorno y se refiere a cómo cada una de las escalas territoriales es evaluada según su capacidad de satisfacer las necesidades humanas. Este concepto se relaciona con el cumplimiento de estándares mínimos, ya que la habitabilidad es la “cualidad de habitable”, y en particular la que, con arreglo a determinadas normas legales, tiene un local o una vivienda”

estão condicionadas pela renovação e pela velocidade do ar, pelas características térmicas dos revestimentos, pela forma da casa, pelo tamanho, orientação e localização das janelas e paredes e pelas condições climáticas exteriores.

Acústico – Condição acústica da casa avaliada pelo isolamento acústico à transmissão de ruído aéreo e amortização da propagação do ruído mecânico ou de impacto, originados em fontes externas e/ou internas à edificação, promovidos pelos elementos horizontais e verticais que conformam o seu fechamento. Está condicionada pela fonte de ruído, pela forma de transmissão ou propagação e pelo

design, tamanho, forma e materialidade dos elementos que conformam o invólucro.

Lumínico – Condição de iluminação da casa, mensurada pela iluminação natural nos diferentes recintos. Está condicionada à radiação solar exterior e ao potencial de captação decorrentes do tamanho, localização e orientação dos elementos translúcidos, da forma do recinto em relação ao ponto de captação de luz e às características de reflexão, absorção e transmissão dos paramentos exteriores. Segurança e manutenção – Condição de durabilidade e capacidade de administração que se atribui aos espaços e construções, propostas de acordo com as características do meio geográfico em que se localizam, avaliadas a partir de aspectos de segurança estrutural, segurança contra o fogo, contra acidentes e invasões, durabilidade e manutenção (Ibidem, p. 15). 13

Segundo a metodologia de análise exposta na Cartilha, mesmo que a casa atenda aos critérios de habitabilidade elencados, o entorno ou o conjunto habitacional pode não atender aos mesmos. Nesse sentido, o guia também pode ser utilizado para projetos de melhoramento de condições específicas que interfiram negativamente na habitabilidade em qualquer uma das escalas.