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Muitas vezes pode o professor ficar em dúvida em fazer ou não uma interferência. Estar no estado a que acima me referi, de observação e escuta, percebendo o grupo e as crianças, seu ritmo e sua condição de disponibilidade às propostas, o auxiliará a fazer uma escolha pertinente à situação. Não é questão de acertar ou errar, mas de procurar agir em maior ou menor sintonia com ela. Uma aula tem vários momentos; movimentos de andamentos diferentes e que pedem que o professor, ou, no nosso caso, que os professores, desempenhem seu papel de acordo com eles.

Nessa aula aqui focalizada, em “Abertura – Aquecimento”, já me referi à minha não interferência na sobreposição dos banquinhos. E realmente me parece que se a tivesse realizado, teria roubado a Gabriel essa oportunidade, e em parte esvaziado a proposta perante todo o grupo. Além do mais, a atmosfera de envolvimento e atenção que permeava o trabalho indicava que as coisas, de um modo ou de outro, iriam acontecer. Afinal, era uma abertura, um aquecimento: momento de cada um se perceber, conectar-se e manifestar-se a seu jeito e maneira; a seu tempo. Assim, essa não-interferência custou-me apenas segurar um pouquinho a minha ansiedade. Um tipo de ansiedade, de inquietação, que era só minha e não interessava nada aos alunos.

Por outro lado, um pouco mais tarde, no trecho denominado “Janelas”, Cacá faz uma interferência bem clara, ao colocar uma regra de não poder se colocar as mãos nos banquinhos; essa interferência provoca um desafio: e a sedução da transgressão coloca as crianças ainda mais dentro da experiência, e não dela as afasta. Porém esse já era um momento de outra natureza. O aquecimento se potencializara e se desdobrara, e Cacá agira então de acordo: como um diretor de cena, dirigindo seus atores na exploração de uma situação e de seus sentidos e significados latentes. Cena, desdobramento, que acontecera por meio dos encontros e descobertas compartilhados pelo grupo – as improvisações com os banquinhos, as brechas, as janelas, a canção... E não por ele arbitrariamente inventada e apresentada às crianças.

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Assim, há a possibilidade de interferir ou não, de dirigir ou não: escolhas de natureza diferente e que em uma pedagogia do encontro dizem respeito às circunstâncias, às suas necessidades e potencialidades. Tudo depende do processo em curso; é preciso que nos afinemos com ele; e então ele próprio pode nos orientar, ou mesmo imperiosamente nos apontar as necessidades.

Não me parece que seja preciso escolher uma conduta permanente para evitar mal entendidos ou o risco das crianças ficarem confusas... A alternância entre experiências mais e menos dirigidas – evidentemente de maneira não aleatória, mas sintonizada com o curso do processo - é muito importante e uma necessidade para as crianças; e a pertinência de uma e outra pode ser intuída por um professor conectado.

Foi isso que me levou à proposta de “inventar e construir um lugar, qualquer lugar...”, já relatada em “Intuição, inspiração, desejo: proposta”. Depois da silenciosa e atenta “Abertura-Aquecimento” e da exploração poeticamente dirigida por Cacá em “Janelas”, intuí que era uma necessidade acontecer um momento de máxima liberdade possível, em que se dariam as construções e conversações entre eles.

Se algum desavisado visitante adentrasse pela nossa sala de aula em meio a essas preparações, talvez achasse tudo uma confusão; ou nos perguntasse: “É tudo sempre assim tão livre?”. Procurei pelos episódios anteriormente apresentados, permitir ao leitor que tivesse uma ideia de outras aulas e acontecimentos do nosso percurso, das construções do nosso processo. Mas de qualquer modo gostaria de registrar uma resposta: não poderia acontecer com essa qualidade de liberdade se fosse sempre assim! Além do que não se trataria mais de liberdade, e sim de repetição.

Um trabalho dessa natureza em andamento não significa para os professores uma ocasião de estarem menos presentes. As crianças gostam e precisam se sentir livres, mas acompanhadas. E sempre há muitas demandas; neste caso, pequenas participações foram requisitadas tanto à dupla, quanto à nossa estagiária, Doda, para prestar uma ou outra ajuda, dar um ou outro palpite. Às vezes fazer funcionar um zíper que não fecha pode ser fundamental; ou uma sugestão tão simples como a que fiz a Gabryela, de que poderia usar vários véus, incorporando isso à cena, pode tomar um

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vulto surpreendente: pois jamais poderia imaginar em que grau de requinte ela a concretizaria.

Nesses momentos de montagem, com o processo criativo a todo vapor, nossos palpites e sugestões se misturam aos das crianças; já tendo seu protagonismo assegurado, eles se sentem à vontade em segui-los ou não, e nós, professores, à vontade de nos manifestarmos. São momentos muito mais de interação do que de interferência; momentos de flexibilidade dos papéis, em que nos relacionamos com eles como parceiros de experiência.

Acredito que é mesmo impossível para um professor não interferir, nem dirigir, nem interagir... Sua postura, seu olhar, mesmo sem que nada ele diga, já exercem, por si e em si, uma interferência. Desse modo, talvez não haja trabalho assim tão livre; mas certamente há trabalhos ou tempos do trabalho, mais ou menos dirigidos, com maior ou menor grau de interferência ou de interação. No mais, sempre há a frase que me parece poderia ser quase um lema para o professor-artista, não fosse destino dos lemas se desgastarem irremediavelmente: liberdade e nunca o abandono!

Muitas vezes escutei comentários, e eu mesma já com isso me preocupei, de que o uso da máquina fotográfica ou da filmadora poderia causar uma interferência negativa sobre o trabalho, no sentido de provocar inibição ou artificialidade.

Embora por vezes haja situações em que se torna difícil e inconveniente manejá- las, estes são instrumentos que incorporei à minha prática em sala de aula. Nessa “Uma aula”, o meu olhar se deu frequentemente pelas suas lentes, e a minha figura foi por esses apetrechos composta, agregando-se ao caderno de anotações, à flauta e a algum instrumento de percussão – materiais que considero básicos e de primeira necessidade... Entretanto, desde que comecei a fotografar e filmar regularmente, minhas observações não confirmaram essa preocupação. Realmente pode haver interferência, mas de uma ordem que não me parece negativa.

Os alunos incorporam a presença desses equipamentos com muita facilidade, e não me parece que seu envolvimento no trabalho é por seu uso prejudicado. Talvez por que nos dias de hoje esses apetrechos permeiem o cotidiano dos alunos de maneira

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corriqueira e abrangente. Assim, a excitação e o excesso de poses logo se esgotam e as crianças passam a fazer o que tem de fazer - o fato de eu estar filmando ou fotografando parece inclusive não diluir minha presença, pois se sentem à vontade em fazer suas demandas pontuais, como me pedir ou perguntar alguma coisa ou mesmo fazer um comentário.

Mas há muitos momentos em que interagem com a câmera, ou com o olhar por trás de suas lentes. Uma interação que em certas ocasiões parece estimular experiências - algumas dessas interações podem ser observadas no vídeo que acompanha esse trabalho.

Em “Janelas”, há um pequeno detalhe que pode ser lido de várias maneiras. Quando Sara brinca de levantar e abaixar, fazendo caretas e sinais para a câmera, ela está fora da ação central - a exploração conduzida nesse momento por Cacá - em uma experiência paralela. Pode-se ler esse pequeno detalhe como uma prova de que ela não está prestando atenção no que deveria e que está se distraindo com a filmagem; ou pode-se pensar com mais cuidado, que uma experiência não tem apenas um foco e não acontece em apenas um plano. Sara está fora do primeiro plano, mas dentro da proposta; e sua brincadeira é uma atuação que se dá no clima, dentro da experiência.

Há também as poses que as crianças fazem, de brincadeira, mas que além de brincadeiras são também gestos de ensaio de personagens; como Gabryela em “Intuição, inspiração, desejo: proposta”, que posa no cavalete-janela; e a dança dessa mesma menina, que acontece durante a apresentação da cena “Na cabana”. Neste caso, em um momento em que deixo de focalizar a cena da cabana, faço um passeio com a câmera pela sala e capturo o olhar de Gabryela; ela sorri e imediatamente começa a girar e a dançar. Não acredito que tenha sido essa dança uma exibição, muito menos uma distração, pois bastou o roçar desse olhar para que ela a deflagrasse em plena fluência. A minha percepção é de que Gabryela já estava à beira desse fluxo: “Estar no movimento; o que nos revela essa ideia? Parece-nos que estar no movimento é estar na imanência da dança, em um fluxo sem começo e sem fim, que se estende e dura sem limitar-se. (...) Uma dança que brota na hora, instantânea, imediata; que depende das interações do momento (...)” (Gouvêa, 2009).

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Nesses momentos de interação, é como se outro personagem permeasse o da professora, e é entre ele e as crianças que ela acontece. E foi por meio desse personagem, como uma espécie de camuflagem, que pude chegar muito perto e enxergar e registrar situações, sem inibi-las - o que talvez fosse interditado à professora.

Foi a ele que Igor se dirigiu, exclamando “Olaá! A nossa janela!”, satisfeito de descobrir na cabana uma janela; foi o olhar desse personagem que pela lente da filmadora penetrou no interior da cabana, flagrando o que acontecia lá dentro. E foi também a filmadora que gravou a palavra de espanto de Thor, “Um jacaré!” - ao descobrir como funcionava a queixada - que de outro modo teria se perdido para sempre.

Tanto as interações de que participei no ato, quanto as observações dos registros, interferiram fortemente no meu olhar de professora e de artista, ampliaram o escopo da minha visão da experiência e enriqueceram o modo de perceber cada criança. Detalhes de detalhes, mas que ao olhar cuidadoso fazem toda a diferença.

Com outra classe, não tão entrosada, talvez fosse necessário que as interferências fossem maiores; por exemplo, que assessorássemos as relações entre as crianças durante a preparação das cenas: em casos assim, em geral as crianças vêm pedir ajuda diretamente, dizendo, por exemplo, que um colega “quer fazer tudo do jeito dele”, ou que um outro “não quer fazer nada, só fica brincando...” E é bom lembrar que uma mesma classe pode variar a sua dinâmica; às vezes, a falta de apenas um aluno, já muda toda a configuração das relações do grupo nesse dia. Nessa aula haviam faltado três crianças: não sei precisar quais ou de que tipo seriam as diferenças que provocariam, mas que provocariam, provocariam...

A integração entre as crianças e a autonomia de um grupo é uma conquista, fruto da vivência e do trabalho de todos os seus integrantes. No caso de uma turma em uma escola como a EMIA, essa conquista também se beneficia das outras experiências que os alunos já tiveram anteriormente. Alguns podem ter começado aos cinco, outros

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aos seis, ou aos sete anos – idades em que as crianças podem iniciar-se no curso regular da escola. Em nossa classe, especificamente, uma parte dela havia tido sua primeira experiência com a nossa dupla no ano anterior, numa turma de sete anos, sendo que com exceção de apenas uma menina, todos os outros eram então novos na escola. Esse núcleo que permaneceu conosco me parece ter contagiado o novo grupo, no sentido de facilitar e incrementar a construção dos vínculos e repertórios.

O trabalho se mostra na tranquilidade com que escolheram os materiais, em função da ideia com a qual estavam lidando - diferentemente de disputá-los pela ansiedade da posse. Essa tranquilidade vem da familiaridade adquirida pelos tantos exercícios e improvisações que realizamos e nos quais já os tinham manipulado: agem como pessoas que já incorporaram um modo de entrar e sair do jogo, sabendo que haverão outras oportunidades e outras experiências.

Em algumas turmas, apenas essa organização pode deflagrar conflitos, requerendo tempo e uma coordenação cuidadosa por parte dos professores. A nossa mesma dupla, no ano seguinte, em 2010, teve uma experiência extremamente diferente, com alunos da mesma faixa etária. Nessa classe, a posse de um tambor era ainda alvo de uma disputa acirrada depois de meses de trabalho. Essa é uma história que infelizmente ficará para uma outra vez... Pois ainda tão fresca e recente, em mim ainda apenas ressoa, não tendo encontrado tempo ou espaço propício para ser analisada.

Mas aqui a tomo apenas como um exemplo pontual: a dinâmica dessa nossa classe era complexa e instável e muitas vezes o nosso percurso atravessado – ou mesmo atropelado... - por brigas e disputas de difícil encaminhamento. Foi um trabalho que exigiu de nós muito empenho e reflexão, em especial em relação às intervenções, que eram necessárias a todo momento, até mesmo durante o recreio. Humildemente confesso que não foram as intervenções sempre as mais adequadas. Mas errando e acertando fomos aprendendo, descobrindo os atalhos e alternativas.

E foi apenas no final do ano, após uma longa e insistente batalha, que veio enfim alguma bonança: que pôde a experiência encontrar uma atmosfera que se sustentasse tempo suficiente para sua plena instauração. Pois desde o início do ano, esse grupo

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mostrara-se muito criativo e breves momentos de alta inspiração haviam muitas vezes riscado e iluminado o nosso horizonte; porém se desvaneciam rapidamente, às vezes seguidos por situações tão contrastantes, que ficávamos em dúvida se os alunos de alguma forma deles se haviam apercebido. Mas eram esses cometas que nos animavam, e acredito que foram eles - percebidos, sim, pelas crianças – que agregando-se à construção das relações e, muito importante nesse caso, de seus limites, permitiram que o trabalho tomasse corpo.

Assim é feito o processo de aprendizagem e iniciação artística não só dos acontecimentos que nos saltam aos olhos e à alma, mas também dos fragmentos e pequenas realizações e aquisições; que vão se entrelaçando, conectando-se em rede, embora de maneira nem sempre visível. Há que se confiar no tempo, na sedimentação dos vínculos e da vivência e na potência de vida e conhecimento que pode emanar do entrecruzamento dos campos da arte e da educação. Nas últimas aulas dessa turma, criamos coletivamente um roteiro cênico-musical, ensaiamos e encerramos o ano com uma apresentação: nessas últimas aulas as crianças, pela atenção, sutileza e precisão da sua participação, nos devolveram todas as energias despendidas e muito mais.

Cada grupo trará seus desafios e exigirá da atuação dos professores nuances e intensidades diferentes; e deixará rastros, sabores e emoções peculiares. Não se pode negar que há configurações que exigem mais ou menos do professor; mas as conquistas de um grupo trabalhoso terão um sabor especial; e mesmo um excelente potencial, se não for cultivado, não se realizará.

Voltando à nossa classe de “Uma aula”, realmente tratava-se de um grupo de muitas qualidades, mas também aconteceram conflitos, acidentes de percurso e mesmo perdas... Pois o que pode uma professora fazer, além de muito lamentar, quando a mãe de uma aluna como Gabryela declara, com muito pesar, que ela não poderá mais frequentar a escola no segundo semestre?

Cada aluno compõe ou contrapõe a sua vivência na escola a outras experiências e a outras instâncias da vida, conjugando - ou não - forças nem sempre paralelas. Dessa composição, eu como professora posso participar, mas sem nenhuma

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prerrogativa de controle ou garantia. Quantas vezes já me surpreenderam mudanças de percurso! Alunos muito envolvidos que desistem por questões familiares, por não haver quem os leve às aulas, por problemas de aproveitamento na escola regular, problemas econômicos... Por outro lado, podem haver casos em que apesar do apoio e empenho familiar o próprio aluno muda o seu foco de interesse... Em todos esses momentos não há espaço para a interferência de um professor.

Também não é desprovido de problemas o nosso ambiente-escola. Em relação mesmo aos materiais, as dificuldades são muitas e há carência e falta de manutenção. Muitas vezes sou pega de surpresa, quando tendo na ponta da língua uma atividade que viria a calhar em determinado momento, o aparelho de som não funciona, ou não há baquetas suficientes para todas as crianças, ou...

Dificuldades de ordem institucional também existem; não é o campo deste trabalho analisar essas relações, mas entendo que me cabe apontar que as experiências aqui narradas não se deram em uma escola ideal, de atmosfera idílica. Não é do mesmo modo minha intenção comparar o dia a dia desta escola aqui focalizada com trincheiras muito mais perigosas, como as de alguns projetos de cunho social, em que o trabalho convive com uma quase impossibilidade. Ou com o pouco espaço e condições que são oferecidos pela grande maioria das escolas regulares às aulas de arte, pouco acolhedores à experiência da iniciação artística. Sei dessas situações, por tê-las vivido na pele; e por observá-las ainda, atuando em outros papéis que não o de professora.

Quando falo das dificuldades da EMIA, a minha intenção é a de que o leitor possa tomar contato com a consistência e concretude do território em que aconteceu esta pesquisa. Pois está a sala de aula inserida em um contexto maior, não sendo suas fronteiras impermeáveis; não é ela um abrigo protegido de qualquer interferência. Em nosso dia a dia há muitas e variadas interferências que estimulam e ampliam o nosso trabalho. Mas também há muitas dificuldades, entraves, desgastes; interferências que podem despotencializar e empobrecer a ação do professor.

Não, não será nunca uma sala de aula um forte inabalável; mas pode ser um ambiente, um teto, um abrigo; reconstruído e reafirmado a toda vez como um bom lugar para ser habitado.

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Transitar entre o rigor e a liberdade, sem seguir procedimentos pré- determinados, no plano do real e não do ideal, percebendo os alunos e as circunstâncias e fazendo escolhas, construindo e reconstruindo a experiência, é uma atitude radical; e muito diferente de entregar-se às circunstâncias de maneira passiva e displicente.

E reforço o que já foi escrito no início desse capítulo: tudo começa pela qualidade da presença do professor. E pela sua disponibilidade. Pois estar a postos, para apoiar e acompanhar as crianças em suas criações pode e deve ser a coisa mais importante do mundo. É essencial que percebam que estamos lá, com elas, para o que der e vier.

Um par

Já tendo se introduzido anteriormente, pede novamente sobre si um foco, uma figura importante; cuja atuação foi decisiva para que os eventos se dessem... da maneira como se deram! Chamo então a atenção do leitor para o fato de que além dos personagens já apresentados – uma professora de música, um de teatro, a estagiária e os alunos, estava em ação na cena dessa “Uma aula” a dupla de professores, configurada ela própria como um personagem.

Realmente há que se dizer que esse elenco parece se complexizar: pois já não bastasse haver esse tal de professor-artista, dos quais se apresentam dois exemplares, ainda há a dupla! Sem contar que há também a que aqui se arvora em pesquisadora- narradora. Afinal: quantos são os personagens? Entretanto, em cena tudo é possível! E todos os personagens, obedecendo a essa outra lógica e sentido, a lógica e o sentido da cena desta sala, nessa aula, pareciam saber muito bem o que fazer e o que dizer.

Sobre a dupla, retomo a ideia já apontada em “A Grande Brincadeira”, de que é aos poucos, alimentada pelo tempo, pela convivência e pelo próprio processo de trabalho, que ela vai se forjando, criando forma, vida e ritmo próprios... E até uma certa autonomia em relação a cada um dos indivíduos, exigindo para si mesma o status de personagem. Não há como ignorá-lo, embora não seja visível: sua influência é sutil e poderosa; sua configuração depende da confiança, generosidade e flexibilidade entre

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seus integrantes; e é essencial que estes compartilhem da mesma natureza de compromisso com os alunos e com o trabalho.

Tem uma propriedade inerente a toda composição: não resulta da simples soma de suas partes; e uma delas sozinha não representa metade do todo. Mas na mais feliz das configurações, em momentos de atuação plena, potencializará as melhores qualidades e peculiaridades de cada um dos indivíduos. Talvez ocorra em seu processo algum tipo de química, ou alquimia - mas afinal, todo personagem que se preza é assim, complexo e rico em nuances: sempre se comporá de camadas, sobreposições e se mostrará capaz de inúmeros desdobramentos.