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Educação musical e experiência estética = entre encontros e possibilidades

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

EDUCAÇÃO MUSICAL E EXPERIÊNCIA ESTÉTICA:

ENTRE ENCONTROS E POSSIBILIDADES

ANA CRISTINA ROSSETTO ROCHA

Orientadora: Professora Doutora Ana Angélica Medeiros Albano

Dissertação de Mestrado apresentada à Comissão de Pós-

graduação da Faculdade de Educação da Universidade

Estadual de Campinas, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Educação, na área de concentração de Educação, Conhecimento, Linguagem e Arte.

Campinas

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© by Ana Cristina Rossetto Rocha, 2011.

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da Faculdade de Educação/UNICAMP

Bibliotecário: Rosemary Passos – CRB-8ª/5751

Título em inglês: Musical education and aesthetics experience: between meetings and possibilities Keywords: Artistic initiation; Musical education; Experience, Aesthetics and education

Área de concentração: Educação, Conhecimento, Linguagem e Arte Titulação: Mestre em Educação

Banca examinadora: Profª. Drª. Ana Angélica Medeiros Albano (Orientadora)

Prof. Dr. Silvio Donizetti de Oliveira Gallo Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Ramos Profª. Drª. Márcia Lagua de Oliveira

Profª. Drª. Eliana Ayoub

Data da defesa: 25/02/2011

Programa de pós-graduação: Educação e-mail: anacrr@uol.com.br

Rocha, Ana Cristina Rossetto.

R582e Educação musical e experiência estética: entre encontros e possibilidades / Ana Cristina Rossetto Rocha. – Campinas, SP: [s.n.], 2011.

Orientadora: Ana Angélica Medeiros Albano.

Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação.

1. Iniciação artística. 2. Educação musical. 3. Experiência. 4. Educação estética. I. Albano, Ana Angélica Medeiros. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. III. Título.

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Resumo

Este trabalho foi provocado pelo meu interesse nas relações entre a educação musical e a experiência estética no campo da iniciação artística, o qual tem me acompanhado em meu percurso como professora e como musicista. A pesquisa analisa o processo vivido por uma turma de alunos da faixa etária de oito anos durante um período do ano de 2009, orientada por mim em parceria com o professor de teatro Carlos Sgreccia, na Escola Municipal de Iniciação Artística – EMIA; instituição que pertence ao Departamento de Expansão Cultural da Secretaria de Cultura da Prefeitura de São Paulo e tem como proposta a iniciação de seus alunos às linguagens artísticas de maneira integrada.

A análise foi baseada no imbricamento da minha vivência como professora com a observação cuidadosa dos registros realizados durante o período focalizado: registros do caderno de campo, fotográfico e de vídeo. Ampliadas e instigadas pelas interlocuções teóricas – que se deram principalmente com autores do campo da filosofia, especialmente Gilles Deleuze e Félix Guattari – esta observação e análise produziram um modo de pensar as potencialidades e possibilidades da educação musical como educação estética.

Esse texto é acompanhado por um vídeo.

Palavras-chaves: educação musical; educação estética; experiência estética; integração de linguagens artísticas.

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Abstract

This work was provoked by my interest in the relationship between music education and aesthetic experience on the field of artistic initiation, wich has accompanied me on my journey as a teacher and as a musician. The research analyses the process experienced by an eight years old group of children, during a period of 2009, oriented by me in partnership with the drama teacher Carlos Sgreccia, in the Escola Municipal de Iniciação Artística (Municipal School of Art Initiation) – EMIA; institution that belongs to the Culture Expansion Department of the Culture Secretariat of the Municipality of São Paulo and proposes the initiation of their students to the artistic languages in an integrated manner.

The analysis was based on the imbrication of my experience as a teacher with a careful observation of the records made during the period focus on: records from the field notebook, photographs and videos. Expanded and instigated by the theoretical interlocutions - that occurred mostly with authors of the philosophy, especially Gilles Deleuze e Félix Guattari – this observation and analysis produced a way of thinking of the potencialities and possibilities of the music education as aesthetic education.

This work includes a video.

Keywords: musical education; aesthetic education; aesthetic experience; artistic languages integration.

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Agradecimentos

À família Rossetto, pela riqueza dos primeiros ambientes e das primeiras experiências. À minha mãe e à Edith, minha tia, pelo apoio e entusiasmo com que acompanharam a minha opção pela música.

Ao Jorge, meu pai, pela ressonância de sua alegria e pelo olhar no carrossel. À minha irmã Ana Lúcia pelo prenúncio e anúncio de tantas descobertas. Ao Enéas pela parceria em tudo e por tudo.

À minha orientadora, Ana Angélica Medeiros Albano, pelo olhar com que tem me percebido por tantos tempos e dimensões; e por ter me provocado ao pensamento e ao risco.

Ao meu colega Carlos Sgreccia, pela agudeza de sua percepção estética, que tanto inspiraram essa narrativa; e pelo entusiasmo com que conviveu com esta pesquisa.

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E agradecimentos

Às companheiras de jornada Aline Shiohara, Ester Broner, Lilian Vilela, Luciana de Carvalho, Marina Moreto, Rosvita Kolb e Simone Cintra pelo carinho, entusiasmo e cumplicidade.

Ana Lúcia Rocha e Raquel Gouvêa pelas interferências precisas.

Aos professores e colegas do Laborarte, pela atmosfera de acolhimento e pela riqueza das nossas interlocuções.

Ao professor Marcos Venceslau, pela proximidade com este processo; e por nossa vivência como parceiros permear este trabalho.

Aos meus colegas de todos os tempos de EMIA que comigo compartilham ou compartilharam a paixão pela iniciação artística das crianças.

Márcia Andrade, diretora da Escola Municipal de Iniciação Artística, pela confiança com que recebeu esta pesquisa.

Todos os amigos que ouviram minhas dúvidas e incertezas durante este processo. Todos os meus alunos do presente, do passado e do porvir.

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Sumário

Introdução 21

Afinal do que se trata? 23

Carta de navegação 27

Entre perguntas, tempos e lugares 31

Que educação musical é essa? 33

Na toca 37

Chiaroscuro 39

O que é a música? 45

Entre a academia e a sala de aula 51

Pequena digressão, ou do jogo de palavras: pistas da estética 61

A Grande Brincadeira 63

A Grande Brincadeira 65

Encontros de um percurso 71

09 de fevereiro: primeiro dia de aula 73

02 de março: estátuas e cadeiras 74

09 de março: conchas 79

16 de março: das escrituras na areia 85

23 a 30 de março: Brandenburgo 93

06 de abril: em dois quadrados 97

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Uma aula 107

Do acontecimento 112

Abertura – Aquecimento 113

Janelas 116

Intuição, inspiração, desejo: proposta 120

Atenção: ação-observação! 125

Cena 1 – Na cabana 126

Cena 2 – Duo: a bailarina e a tocadora de cítara 128

Cena 3 – As irmãs 130

Cena 4 – Pescaria 133

Banquinhos, um clássico! Ou, entre o rigor e a liberdade 137

Presença 137

Interferir, dirigir, interagir 140

Um par 148

De outras parcerias 157

Da composição do professor-artista 161

Entre acontecimento e pensamento: de volta para o futuro 167

Referências Bibliográficas 177

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Em todos os inícios de ano a visão da sala de aula vazia me visita como um plano a ser povoado. Quase escuto... um burburinho a rodeando, entrevejo... silhuetas não definidas chegando...

Todas as vezes sem saber - verdadeiramente - o que vai acontecer, de várias maneiras a experiência me localiza, embora entre suas camadas haja não só movimento como também instabilidade. Pelas superposições e fendas surgem sempre novos problemas. Mas também se projetam lampejos de memórias, experiências e encontros, sinalizando que de qualquer maneira muitas coisas interessantes hão de acontecer.

Entre o que sei e o que nunca sei, inicio o percurso com uma nova turma. Da mesma maneira, me introduzo e introduzoeste trabalho.

Iniciado a partir do desejo, necessidade pulsante de um pensamento-experiência de criar corpo para poder encarnar, circular, conjugando consonâncias, deparando-se com dissonâncias que se podem agregar ou não, sempre mutante.

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Afinal do que se trata?

Depois de tantos anos como professora, em alguns momentos voltava a me perguntar... Pergunta que se introduzia sub-repticiamente e teimava em me confrontar... E em torno dessa indagação - qual é afinal a natureza ou o sentido mais radical do meu trabalho, o que é essencial nele, do que é constituído - gravitavam outras tantas que vinham me ocupando há muito tempo.

Se ouvidos incautos podem interpretar um questionamento dessa natureza como uma manifestação pouco criteriosa de inconsistência de princípios, objetivos e metodologia, a outros mais analíticos poderá soar como pretensão de cunho filosófico, descabida para uma musicista professora de música... De minha parte digo que não se tratava de uma prática inconsciente que não tivesse procurado a reflexão e a interlocução, nem de uma pergunta apenas retórica lançada ao universo a se encantar com seu próprio eco.

Tratava-se mais de uma inquietação que a despeito das várias instâncias de trocas de experiências e discussões, leituras e esforços do meu pensamento incorporados à minha prática como professora, foi se tornando mais aguda ao invés de se aquietar com a maturidade. Mais aguda e exigente. Como se perguntas e questões que viessem me rondando ensaiassem ou almejassem criar um desenho mais definido – como a ponta de uma lança? - para perfurar essa espécie de zona nebulosa.

Também me desaquietavam os enunciados que eu pronunciava referentes às questões do meu campo de atuação, especialmente da iniciação artística, da educação musical e da educação estética, e a como procurava abordá-las em meu trabalho. Não que as palavras não produzissem nexo, ou fossem apenas encadeamentos burocráticos de palavras adequadas; mas permaneciam longe do que eu experimentava, vivenciava, observava... Longe dos momentos de deleite como dos impasses, dos encontros como dos conflitos, pareciam soar um tanto desconectadas, sem ressonância; aquém da experiência.

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E esta experiência, apesar de vivida e incorporada, parecia escorregar pelo tempo, pelo caminho... Será que eu poderia reter alguma coisa? Dobrar, emoldurar algumas cenas, sobre elas refletir, compartilhá-las com pessoas diversas, em diversos territórios? Seria também necessário aguçar o pensar, ampliar a gama de interlocuções, escutar e apreender outras maneiras de dizer, ensaiar uma nova fala.

Foi esse movimento que me levou a procurar a pós-graduação. E em movimento continuo: pelo processo incitado, a mim e às minhas indagações percebo em constante transformação. Colocadas em campo, entre conversações, exercícios de pensamento, insights e desassossegos, tais indagações talvez não se resolvam em conclusões definitivas, mas tem adquirido uma outra e sempre nova qualidade.

E ao mesmo tempo em que as percebo ampliadas, sinto-me incentivada por esse mesmo processo a buscar a coragem simples de abordá-las a partir dos meus pontos de observação, a partir dos lugares em que estive e dos encontros que tive. Incentivada também a intensificar a relação com a minha própria experiência; a poli-la pelo exercício do olhar e do pensamento, em busca de suas cores mais vivas. A nela mergulhar.

Voltando à minha indagação primeira – afinal do que se trata? – inspirada pela filosofia e impulsionada pelas palavras de Deleuze e Guattari, me arrisco a pronunciar que para resolvermos um problema, ao contrário da resolução de um enigma – decifra-me ou devoro-te - talvez tenhamos que nos deixar engolir por ele...

Talvez só possamos colocar a questão O que é a filosofia? tardiamente, quando chega a velhice, e a hora de falar concretamente. De fato, a bibliografia é muito magra. Esta é uma questão que enfrentamos numa agitação discreta, à meia-noite, quando nada mais resta a perguntar. Antigamente nós a formulávamos, não deixávamos de formulá-la, mas de maneira muito indireta ou oblíqua, demasiadamente artificial, abstrata demais; expúnhamos a questão, mas dominando-a pela rama, sem deixar-nos engolir por ela. (DELEUZE e GUATTARI, 1997: 9)

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Dos encontros de tantas e variadas instâncias e tempos - com as crianças, pais e colegas de trabalho, com os colegas de estudo e professores, com os parceiros de palco - ensaio a composição de uma escrita. Do entrecruzamento de inúmeras vozes que escutei, incorporei, transformei, recriei, espelhando outros, me projetando aos outros, e me transformando sempre em outros tantos de mim.

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Carta de navegação

A narrativa deste trabalho se constrói sustentada, ao mesmo tempo em que animada, pela minha própria experiência como professora e musicista; e pelas parcerias e interlocuções de múltiplas instâncias que a têm afetado.

Ela abordará um modo de fazer e pensar a educação musical e a iniciação artística. Um modo, uma via, que vem se construindo em meu percurso como professora, percurso imbricado com o da escola em que praticamente me iniciei, na qual me desenvolvi e atuo até hoje: a Escola Municipal de Iniciação Artística - EMIA1.

É importante pontuar que este não é um trabalho sobre a EMIA2, mas sobre como a vivência e a ação artístico-pedagógica de uma professora desta escola, vivência e ação sempre a se entremear com a reflexão, vêm tecendo uma possibilidade de pensamento.

A orientação maior, ou o sentido mais amplo que tem me guiado em meu trabalho: preparar o terreno, cultivar as possibilidades dos encontros com a experiência estética. Como território, a sala de aula. Uma classe em uma escola, território dentro de território, ambiente dentro de ambiente.

Tivesse eu percorrido outros caminhos, traçado meu mapa por outros lugares, esse fazer e pensar a educação musical e a iniciação artística seriam diferentes. Fosse outro o personagem narrador, eles também não seriam os mesmos; pois mesmo que se tratasse de um outro professor dessa mesma escola, poderiam haver aproximações e também pequenas variações, assim como diferenças significativas.

De muitas e muitas histórias se faz a história de uma escola: histórias dentro da história. Algumas talvez sejam consideradas mais importantes do que outras, e alguns personagens podem parecer ter sido esquecidos ou colocados à sombra. Mas me parece certo que de um jeito ou de outro todos marcam sua passagem, deixam rastros, sinais:

1

Escola Municipal de Iniciação Artística - Departamento de Expansão Cultural - Secretaria Municipal de Cultura – Prefeitura de São Paulo.

2

Para conhecer a história da EMIA, ver Arte e Construção do Conhecimento na EMIA, de Márcia Lagua de Oliveira. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006.

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pois de todas, das pequenas e das grandes histórias se compõem a história de uma escola como a EMIA. Assim, meu percurso de algum modo nela se inscreve, ao mesmo tempo em que por ela vem sendo permeado.

Como se trata de uma construção, da construção do meu modo de ser e pensar como professora, nada foi criado do nada, mas também nada me foi dado de presente. Essa possibilidade de pensamento foi construída por um processo afetado pela escola como ambiente e pelas muitas parcerias e encontros significativos que tal ambiente me proporcionou. Os eixos que de certo modo sustentam esse modo de pensar e atuar, não os inventei, mas também não os adotei, como se já pré-existentes fossem.

Foram moldados, forjados, a partir de temas que têm permeado o ambiente e pontuado as discussões pedagógicas na EMIA, com maior ou menor frequência, maior ou menor intensidade, no decorrer do tempo. Temas que sempre me tocaram e me pareceram potentes para a produção de conteúdos importantes.

Logo a seguir serão eles apresentados, mas por ora digo que esses assuntos não os tenho visitado apenas no ambiente desta escola específica, pois têm me acompanhado em outras instâncias e experiências da vida profissional. Na verdade, levando-os comigo aonde fosse, acabei por deles me apossar - e como quem se apossa de algo sempre o recria e transforma, assim fiz e tenho feito. Tomando-os para mim, venho trabalhando sobre esses temas e assuntos, burilando-os, compondo-os, tecendo uma trama entre eles e as linhas do meu percurso: linhas de vida, de formação, dos percursos artísticos, dos exercícios de reflexão, das afinidades e paixões estéticas...

Na sala de aula com as crianças esse tramado ganha corpo, substância. É pela experiência - vivida, compartilhada e observada - que se potencializa, capaz de produzir conteúdos, sentidos e significados. Disponho-me nesse trabalho a narrar a partir dessa experiência. E das observações e pensamentos entretecidos por sua provocação.

Experiência de caminhos percorridos, vividos, encarnados, e, portanto da ordem do real, e não do ideal. E que não foram previamente definidos e estabelecidos, embora eu, professora-artista, nunca tenha deixado de planejar, de preparar as aulas, de me preparar para as aulas, de ter intenções, expectativas e... sim, desejos!

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Mas tenho observado que os cursos demandam a todo momento ser corrigidos, exigindo decisões imediatas – pois há os ventos, as marés e os humores dos tripulantes; e, seja por acaso ou por velada intenção, ou pelas mudanças de velocidade, provocadas tanto pelas calmarias como pelas tempestades, acontecem os desvios. E é por eles que muitas vezes podemos vislumbrar tesouros e novas terras a serem descobertas.

Para navegar por um mar de possibilidades, se deleitar com a viagem e usufruir as descobertas que ela pode proporcionar, é preciso ter olhos e ouvidos apurados. Saber ler tanto as estrelas quanto quaisquer instrumentos de que se puder dispor, para não perder o sentido de direção; mas poder observar os detalhes, as mudanças de paisagem, seus sons e silêncios, dando tempo e lugar às explorações, transformações e devires.

Viagem no mesmo lugar, esse é o nome de todas as intensidades, mesmo que elas se desenvolvam também em extensão. (...) o que distingue as viagens não é a qualidade objetiva dos lugares, nem a quantidade mensurável do movimento (...) mas o modo de espacialização, a maneira de estar no espaço, de ser no espaço. (DELEUZE e GUATTARI, 1997: 189-190)

Traçar, retraçar e revalidar a todo instante entre os viajantes um plano conjunto, composto e variável, que não se limita a um trajeto de um ponto a outro. Nesse sentido, os acontecimentos de percurso a serem compartilhados neste trabalho, são recortes de movimentos, “pontos marcantes ou singulares que pertencem ao movimento” (DELEUZE apud ALFONZO, 2004: 9).3 Pontos de um percurso, e não miragens ou idealizações.

Penso que essa forma de navegação, guiada por um plano aberto, e que se alimenta dos ventos do acontecimento, configura-se como uma pedagogia que nesse trabalho nomeio como pedagogia do encontro. A qual, incorporada ao meu modo de ser professora, compõe-se a outros dois eixos que sustentam ao mesmo tempo em que impulsionam a minha metodologia de trabalho: o do professor-artista, que, habitante

3

Gilles DELEUZE, Cinema 1 – A Imagem-movimento. S. Paulo: Brasiliense. Moeda, v.3. O artigo apontado, de Regina Márcia Simão Santos e Neila Ruiz Alfonzo foi um interlocutor importante na elaboração desta Carta de Navegação.

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tanto do palco como da sala de aula, cultiva e promove a diluição de fronteiras entre um e outro; e o da disponibilidade e interesse pela integração, ou contágio entre as linguagens artísticas.

Entre os eixos que se entrecruzam, se provocam, se potencializam, produz-se movimento:

Entre as coisas não designa uma correlação localizável que vai de uma para outra e reciprocamente, mas uma direção perpendicular, um movimento transversal que as carrega uma e outra, riacho sem início nem fim, que rói suas duas margens e adquire velocidade no meio. (DELEUZE e GUATTARI, 1995: 37)

A configuração do professor-artista, a pedagogia do encontro e a integração de linguagens não acontecem separadas umas das outras. Acontecem no fluxo da experiência, entre linguagens, entre lugares, pelas brechas e desvios, pelo inesperado, entre o artístico e o pedagógico – navegando no campo da experiência estética.

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Que educação musical é essa?

Ou, a música e o teatro também, Ou Isto e Aquilo. Ou, entre a música e o teatro e a dança, e...

Que educação musical é essa que flexibiliza suas fronteiras ao deixar-se atravessar pela experiência? Que se submete aos encontros e acontecimentos?

Que educação musical é essa que se constrói na parceria com outras linguagens artísticas? Trata-se de integração, cumplicidade ou contágio entre linguagens?

Essa peculiaridade, ou, esse modo de se processar, a potencializa como educação estética? Como isso acontece?

Entre infinitos possíveis e múltiplas direções podem acontecer os encontros em um processo de trabalho de natureza artística. Para mim, são eles que acabam por indicar um caminho. Dar curso a aqueles que provocam alegria e intensificam as percepções é uma orientação; e nos desencontros e dificuldades procurar as brechas que permitem o movimento.

As observações e análises que aqui serão feitas terão como foco principal o trabalho por mim realizado em dupla com o professor de teatro Carlos Sgreccia, orientando um grupo de alunos da faixa etária de oito anos no ano letivo de 2009, na Escola Municipal de Iniciação Artística; uma escola em que música, dança, artes plásticas e teatro são trabalhados de maneira integrada. O foco escolhido poderá se ampliar na medida em que as questões abordadas provocarem esses desvios, trazendo para a discussão, de modo pontual, outras experiências.

Desse modo, a investigação se dará em torno de um processo de educação musical que acontece em um contexto onde a música não tem a primazia - tanto na instância da sala de aula como da escola. Um contexto em que o ensino da música se remete a um processo de natureza mais ampla: o processo de iniciação artística.

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Procurarei abordar experiências e acontecimentos que dêem visibilidade a esse processo, que influenciou nossos percursos todos.

Pois somos muitos: cada um dos professores, e mais um outro de nós – a dupla, que no curso do trabalho parece criar personalidade e estilo próprios; o grupo das crianças; cada uma delas conosco, e mais as parcerias e dinâmicas das relações que experimentam entre si; cada uma das áreas artísticas – trazendo seus conteúdos, proposições e materiais – e, importantíssimo, o que acontece entre elas.

Percebi encontros que aconteceram por vias inusitadas, e também através de reatualizações, variações de propostas e atividades do repertório que trazemos em nossa bagagem de professores.

Observei experiências que aconteceram dentro do território que reconhecemos como sendo o de uma linguagem específica – da música, do teatro, das artes plásticas... - ou entre territórios: campo habitado pela indeterminação, animado por um jogo que não reconhece fronteiras, nem linguagens específicas.

Fui tocada por detalhes, e mesmo detalhes de detalhes – quase invisíveis a olho nu; e também por acontecimentos surpreendentes.

De um modo ou de outro, presenciei muitas vezes a emergência do Novo - sempre possível na convivência com as crianças. De outro modo, como poderia, depois de tantos anos de trabalho como professora, ainda me impressionar e me alegrar de tal modo com as nossas experiências e realizações conjuntas?

E todos esses encontros, experiências e acontecimentos, se remeteram a um plano, abrigaram-se em um mesmo campo abrangente – o da experiência estética.

A criança no poema de Cecília Meirelles manifesta-se inconformada:

Ou se tem chuva e não se tem sol ou se tem sol e não se tem chuva!

E, (será mesmo verdade)?

Quem sobe nos ares não fica no chão, quem fica no chão não sobe nos ares.

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Mas parece quase se resignar, quando diz, contrariada e já um pouco cansada:

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo... e vivo escolhendo o dia inteiro! (...)

Mas não consegui entender ainda qual é melhor: se é isto ou aquilo.

Na brincadeira de uma criança tudo é possível e muitas coisas se dão ao mesmo tempo - sem que preciso seja escolher irremediavelmente. Isso também acontecerá na sua experiência com a arte, se assim lhe for proporcionado. Se puder transitar com liberdade pelo plano da estética - plano que não reconhece fronteiras, como a criança já sabe - mergulhar no processo criativo, presente por todas as percepções e todos os sentidos... Nisto e naquilo!

Assim, desejo e tenho a intenção de que meus alunos possam vivenciar encontros e experiências com a música e entre a música e o teatro, e a música e o teatro e a dança, e as artes plásticas e... – entre campos, linguagens, tempos, dimensões. Construindo repertórios, fazendo conexões, engendrando criações.

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Sonhos e símbolos e imagens atravessam o dia, uma desordem de mundos imaginários conflui sem cessar no mundo; nossa própria infância é indecifrável como Persepólis ou Uxmal. Jorge Luis Borges

Na toca

Embaixo da mesa, ou sob tendas de lençóis, brincar de casinha, de cowboy, ou de castelo. Ser mocinho, ser bandido ou índio apache. Entre ver e ouvir da TV: Ivanhoé, Lassie, o Teatro da Juventude e o Sítio do Picapau Amarelo, mas isso é uma outra história que fica para uma outra vez. Maravilhar-me com as ilustrações das “Fábulas de La Fontaine” e de “O Mundo da Criança” - mais velha, poder ler os livros.

Acordar de manhã, deparar-me com personagens de luz e sombra nas paredes do quarto e proteger-me sob as cobertas. Na escada de entrada do prédio, brincar de telefone sem fio (e sentir o calor úmido da palavra sussurrada na orelha). Na calçada andar de patinete; e na praça, brilha a água da fonte em minhas mãos em concha, perseguindo girinos. Nas férias, viver a jabuticabeira no quintal da minha tia e na praia os chapéus de sol e as goiabeiras; no mar, depois de vencer o medo perante sua imensidão, ser pirata ou sereia.

Jogar, movimentando peças ou feijões em tabuleiros, ou riscando amarelinhas e caracóis. Exposição para venda de desenhos e pinturas. Brincar de teatro: ser marido, ser mulher, médica, secretária... – ser professora compunha uma brincadeira própria: brincar de escolinha, com lousa e giz.

E brincar de balé: de tutu, pas-de-deux com minha irmã, a família no sofá depois do almoço de domingo, Tchaikovsky ampliando o espaço, a sala de visitas transformada em florestas, lagos, encantamentos.

Com minha mãe: histórias, canções e assobios.

Sem sair detrás da grande penteadeira - toca, caverna ou laboratório? - onde me punha a escrever minhas próprias histórias: “- Mamãe, como é que se escreve velho?...” Perguntei a ela, que absorta costurava.

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Chiaroscuro

Como a mim se descortina a partir do poema de Borges, minha infância, indecifrável sendo, não se explica, e, não de todo me explica. Mas ela vive atravessando o meu caminho. Fragmentos de imagens e sensações surgem em cores nítidas, brilhos e sombras, sons, sabores e aromas e também vertigens: de rodopios e balanços, do prazer de correr ao ar livre e fazer vento, de me perder pelas tramas de uma história de um livro ou de um filme...

O que hoje mais me espanta? A intensidade. A intensidade com que vivia essas experiências, de maneira absoluta, cada uma em si mesma – assim, ouvir histórias ou mais tarde ler os livros, era tão emocionante quanto brincar de cabra cega ou desafiar alturas nos balanços. Como apostar corrida, ou jogar queimada era tão estimulante quanto se fantasiar e inventar um balé.

Também me espanto pela intensidade com a qual se recriam. Blocos de infância visitam minha solidão, ou fazem aparições na troca de recordações com parceiros de jornada, fazendo-me alegre e também nostálgica.

Mas também invadem a toda hora o cotidiano da sala de aula, a observação dos meus alunos e até a minha reflexão artístico-pedagógica. Ativam a percepção do presente, e vislumbro frestas pelas quais talvez se possam abrir janelas para as experiências – memórias e repertórios em movimento, fluxo de reatualizações, devir criança, infância em devir, e, não o esforço de voltar a ser criança, voltar à infância. Embora de modo não infalível, sujeito à interferência de chuvas e trovoadas, acaba esse processo por me proporcionar um sentido de orientação que influencia fortemente desde as escolhas cotidianas, até a minha concepção de atuação como professora.

Todos vivemos um processo permanente de atualização do nosso passado ao nos depararmos com o presente; desde as ações mais comuns e ordinárias do nosso cotidiano. Mas, entre as ações automáticas e as ressignificações, as quais podem se desdobrar em possibilidades, há toda diferença: “(...) o realmente importante é não ser

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a memória apenas um depositário passivo de fatos, mas também um processo ativo de criação de significações” (PORTELLI, 1997: 33).

E são as relações em devir que estabelecemos com nossas memórias que podem potencializá-las em forças de criação. Memórias provocadas pela percepção do presente, e que nele se atualizam, sustentadas pela atenção.

Por um lado, com efeito, a percepção completa só se define e se distingue por sua coalescência com uma imagem-lembrança que lançamos ao encontro dela. A atenção tem esse preço, e sem atenção não há senão uma justaposição passiva de sensações acompanhadas de uma reação automática. Mas, por outro lado, como iremos mostrar mais adiante, a própria imagem-lembrança, reduzida ao estado de lembrança pura, permaneceria ineficaz. Virtual, esta lembrança só pode tornar-se atual através da percepção que a atrai. Impotente, ela retira sua vida e

sua força da sensação presente na qual se materializa. (BERGSON, 1990: 148)

Brincar com uma poça d’água pode vir a ser a coisa mais importante do mundo para as crianças em um determinado momento – e o percebo não só por fidelidade a um princípio pedagógico, ou por alguma recordação remota, mas porque sou atravessada por um bloco de sensações que atualizam em mim, em meu corpo, essa urgência em fazê-lo. O prazer de mexer na água, eu o sinto - mesmo que só observe as crianças. E no brilho da água que minha aluna Júlia leva na folha com todo cuidado para alimentar a piscina, que com os colegas construía, rebrilham tantas águas, até mesmo as que corriam em minhas mãos em concha, perseguindo girinos.

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Também as minhas memórias como professora estão sempre a me provocar. Um desenho antigo que guardei, uma fotografia, uma partitura, um relatório ou planejamento de muitos anos atrás, como também o encontro com um ex-aluno, ou com os pais de ex-alunos, desencadeiam recordações-afetos-sensações...

Como muitas cenas e episódios que apenas observei – não filmei, não fotografei – mas me tocaram, também me fazem visitas surpreendentes. Se lhes dispenso maior atenção e acolhimento passam a me acompanhar; como uma canção conhecida que se cantarola, à moda de um ritornello - que entre as partes contrastantes de uma obra musical aos ouvintes reconforta pela sensação do reencontro com o conhecido e pode lhes fazer vontade de novas melodias e novidades.

Um fragmento que me acompanha é muito antigo e se refere ao início da minha atuação como professora de musicalização. Eu já era professora da EMIA, mas apenas professora de flauta doce; uma atividade que eu iniciara muito jovem, e na qual me sentia bastante segura, por encará-la como um desdobramento natural do meu grande envolvimento com o estudo desse instrumento e com a prática da música antiga.

A diretora da escola na época, Ana Angélica Albano4, a Nana, propôs que eu assumisse uma classe de nove e dez anos, como professora de musicalização, em dupla com a professora Iara Jamra5. Para mim essa proposta trazia um desafio e anunciava uma grande mudança.

A cena que me acompanha é a de uma aula em que percebi - sim! - que eu poderia ser uma professora de musicalização: havíamos colhido materiais no parque, materiais que pudessem ser usados para fazer uma música. Depois de muito pesquisarmos e compararmos as sonoridades dos galhos, pedras e folhas, combinamos de experimentar uma música na hora, ou seja, de improvisarmos. Para meu maravilhamento, a música soou, começando pela areia que uma menina fez escorrer por uma folha comprida... Foi um espanto, como se o tempo quase parasse; aquela areia que escorria, soando... e todas as outras crianças em máxima atenção e escuta

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A Profa. Dra. Ana Angélica Albano foi diretora da EMIA de junho de 1983 a fevereiro de 1989.

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esperando aquele som terminar para iniciar atentamente as suas interferências... Sim, fizemos música.

E embora eu não tivesse nomeado essa experiência como experiência estética, percebi que algo especial havia acontecido, e que essa era uma via que eu poderia seguir. Muitas e variadas músicas e surpresas eu tive em meu percurso, mas nunca mais desse modo soou a areia em uma folha.

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O que é a música?

Ou, ainda da propriedade da indagação Ou, entre o palco e a sala de aula

- O que é a música? Eu ainda não sei o que é a música. Ainda me pergunto; mas não é sempre que ela soa. Pergunta apaixonadamente Lydia Hortélio6 em sua fala no Fladem Brasil e USP 2009. 7

Sobrevoando a Hungria e Serrinha, na Bahia, traz a música modal e tonal, relacionando-as ao meio rural e ao urbano; conta das arquiteturas melódicas indígena, africana e ibérica, tão importantes na constituição da cultura musical brasileira. Dá os exemplos cantando. O conhecimento da linguagem e a pesquisa de seus modos e possibilidades fazem com que a pergunta que ficou no ar ressoe cheia de harmônicos. Fala da música na língua e da língua na música, e conta e canta, canta... músicas da música: a música soa, e momentaneamente acaba por engolir a pergunta.

Entre muitas histórias escolhi contar esse episódio por se conectar e colorir pontos do pensamento que ensaio desenhar; e por se referir ao campo da educação musical – campo do entrecruzamento da música com a educação. Ou, do encontro entre elas.

Como em um jogo de espelhos, deu-se um encadeamento de encontros. Entre Lydia e a plateia, entre ela e a pergunta que pronunciou - O que é a música ? - entre a plateia e a pergunta, e, pelo canto de Lydia e pelo nosso próprio cantar na ciranda à qual mais tarde fomos convidados, entre todos nós e a música.

Enquanto envolvidos na experiência, não necessitamos nos perguntar o que é a música. Nós a vivenciamos em seu acontecimento. Porém em outro momento, podemos nos sentir tentados a revisitar a experiência e procurar entender o que nos envolveu e

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Lydia Hortélio, etnóloga e musicóloga, uma das principais referências da pesquisa da música e da cultura da infância no Brasil.

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Encontro do dia 26/09/2009, Fladem Brasil e USP 2009, realizado pelo Fladem Brasil – Experimental. Fladem – Foro Latino Americano de Educacion Musical.

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impressionou; e entre nossas observações talvez arrisquemos algumas hipóteses sobre a natureza ou mesmo a essência da música. Entre experiências, observações e hipóteses a se entrelaçar, construímos referências, ideias, histórias dos nossos encontros com ela.

Música que em tão variáveis faces pode se apresentar - tantas, inumeráveis músicas têm a música.

Quantas vezes, estando na plateia, vivendo a música em seu acontecimento, ao vivo e a cores, correu em minha mente o pensamento: isso sim, é que é música! Quando presenciei o flautista Barthold Kuijken tocando La Notte, concerto de Vivaldi; ou o Grupo Kodo de tambores japoneses; ou a orquestra Spock Frevo do Recife... entre inúmeras experiências.

Também nunca me esqueci de um pequeno episódio: em 1975, em uma das edições de que participei do Curso Internacional de Música de Curitiba, entrei por curiosidade em uma sala onde acontecia um master class com o oboísta alemão Ingo Goritzki. Ele falava sobre aspectos técnicos do instrumento, e deu então um exemplo: tocou uma nota muito longa, que começando pianíssimo foi crescendo, crescendo... até um fortíssimo; e muito paulatinamente decresceu até enfim terminar. Disse ele então: “Para mim, isto é a música”. Fiquei muito impressionada, ao perceber que pela maestria e pela intensidade e energia com que fora tocada, conteve por instantes uma nota toda a música.

Nós, músicos, podemos não saber o que é a música, mas estamos sempre à espreita de que ela aconteça; e nos alegramos em nosso encontro com ela. Que ela soe, talvez seja mais importante do que saber o que ela é. Ou talvez uma coisa leve à outra.

Parece-me que se procurarmos pela música como Ideia, como essência, jamais a encontraremos. Ela se configura no ato de se fazer e de se escutar música; acontece no tempo histórico e em um contexto sócio-cultural; e certamente tanto a criação quanto a nossa apreciação e envolvimento são fortemente influenciados pelo repertório que cada um vivenciou e por modelos e paradigmas que incorporamos.

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Entretanto, a plasticidade da nossa escuta pode ser exercitada; e a ambiguidade que habita por natureza o campo da experiência artística, permite que nos desloquemos do conhecido e possamos desfrutar também do estranho e do desconhecido.

Mas, embora possa ser preparado e desejado, o encontro com a música não pode ser marcado. Quantas vezes, como musicista, vivi a expectativa – sempre e sempre - dos minutos que antecedem a entrada no palco para uma apresentação: o coração mais acelerado, alguma solidão e desamparo... Poderia usar as mesmas palavras com que descrevi, na apresentação deste trabalho, as minhas inquietações como professora: todas as vezes sem saber - verdadeiramente - o que vai acontecer, de várias maneiras a experiência me localiza, embora entre suas camadas haja não só movimento como também instabilidade... Afinal, como poderíamos nos manter inabaláveis perante o desconhecido?

Ao entrar em cena sempre algum estranhamento. Adentramos em um espaço de possibilidades, de virtuais encontros – trata-se, mais uma vez, do espaço entre. Em campo: os músicos, seus instrumentos ou vozes, o público, o ambiente (a acústica ou a amplificação, a iluminação, até a temperatura), e a música em si, o texto musical.

Todos envolvidos em um jogo de forças de mútua afetação, pelo qual vai se constituindo uma atmosfera; que a todos contagia, embora as percepções e sensações se processem diferentemente para cada pessoa, já que interpretadas subjetivamente.

Dependendo da qualidade dos encontros produzidos neste jogo de relações, o fluxo da experiência, pelo qual a música soa e ressoa, pode vir como um presente, (bendito seja!) logo de início; ou ganhar corpo pouco a pouco... Ou, de repente, de supetão se apresentar! Porém, em dias árduos, inóspitos, pode não conceder a honra e o prazer insubstituível e inenarrável de sua visita.

Tendo percebido e vivido tantas situações no palco como na plateia, percebo que esse caráter voluntarioso da experiência ultrapassa tanto as especificidades de estilo como a questão da precisão do texto musical - a ultrapassa, e não a menospreza. Ela, a experiência, não escolhe necessariamente uma apresentação de música de tradição oral, ou de uma sinfonia de Beethoven, ou um show de rock and roll ; e não poupa nem mesmo artistas com bastante experiência de palco, que podem eventualmente realizar

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uma performance menos inspirada, apesar de todas as notas estarem absolutamente certas. E, que em outra ocasião, podem nos arrepiar, nos transportar, nos tirar do chão... Parece então que instrumentistas fundem-se a seus instrumentos, formando um só corpo; ou cantores tornam-se voz. Pois experenciamos os encontros em nossos corpos - fusão e vazamento de corpos e entre corpos, de músicos e de ouvintes.

Será tão diferente na sala de aula? Será que esses territórios – o palco e a sala de aula - não se assemelham, não se tocam pelas bordas, quando atravessados pela música como experiência?

Em ambos não podemos planejar os encontros, controlar a experiência ou agendar os acontecimentos musicais. Mas como músicos, e principalmente se formos professores, podemos nos disponibilizar a sermos seus potenciais agenciadores. E podemos nos desenvolver nesse sentido.

Pois o professor é o mestre dos encontros – mais do que aquele que ensina. 8 Talvez, no campo da arte na educação, especialmente em se tratando das artes cênicas e da música, possamos dizer uma espécie de mestre de cerimônias. Que apresenta os personagens e introduz ou levanta os temas, incita a conversa - mais do que enuncia seu próprio discurso - intermedia os conflitos e cuida para que a atmosfera seja segura, acolhedora e estimulante.

É necessário que proporcionemos aos nossos alunos a oportunidade dos encontros e que os acompanhemos no movimento da experiência que pode vir a acontecer. A criança pode se encantar, por exemplo, pela descoberta de uma sonoridade interessante na exploração de um material - acolher essa descoberta, colocá-la como se sob um foco, uma lente, ampliando-a, incentivar sua manipulação, variações e articulações é o trabalho de um professor. E de um professor-músico.

Assim, afirmo que somos artistas na sala de aula - se escutamos e atuamos como músicos. Impressionamos nossos alunos através dos nossos talentos e habilidades, que podem se constituir em referências sonoras importantes e estimulantes. Ouvem-se comentários sobre como o professor toca bem, ou tem uma voz bonita, ou toca tantos

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Expressão usada pelo Prof. Hélio Rebello; Mesa-Redonda Inconsciente, Aprendizado, Educação:

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instrumentos. Mas eles nos observam o tempo todo, e mesmo quando não estamos tocando ou cantando, a qualidade e a intensidade da nossa relação com a linguagem os impressiona mais fortemente ainda. A nossa influência é contínua; e assim, de maneira implícita, estamos sempre nos apresentando a eles.

Do mapa dos meus próprios encontros, um episódio como que insiste em se apresentar: quando muito jovem e sem nenhuma experiência, pedi conselhos a um professor e amigo, José Carlos de Azevedo Leme, o Zoca, pois me sentia um tanto perdida nas aulas que dava para a minha primeira aluna de flauta. Ele então me disse algo assim: “Não importa o que ela toque, pode ser a coisa mais simples do mundo, mas tem que ser musical, em algum momento a música tem que acontecer!”.

Desde então, ando às voltas com essa qualidade, esse adjetivo: musical – que entendo na acepção daquilo que é permeado por música, receptivo a ela. Procuro estar atenta e facilitar, promover as possibilidades de se darem seus acontecimentos, mesmo que pequenos e efêmeros possam parecer. Deflagrados pelo encontro. Embalados na experiência. Atravessados por certo sentido musical – ideia que experimento ao me aproximar da ideia de sentido, através de Bergson, e da filosofia:

O filósofo não pega em idéias preexistentes para as fundir numa síntese superior ou para as combinar com uma idéia nova. O mesmo seria acreditar que, para falar, vamos procurar palavras que de seguida cosemos umas às outras por meio de um pensamento. A verdade é que acima da palavra e acima da frase há algo de muito mais simples do que uma frase e mesmo do que uma palavra: o sentido, que é menos uma coisa pensada do que um movimento do pensamento, menos um movimento do que uma direção. (BERGSON apud FADIGAS, 2003: 73)

Nesta pesquisa busco indícios desse sentido musical nas pequenas proposições, experimentações e gestos que se deram na experiência a ser narrada, em um contexto de parceria e cumplicidade com outras linguagens artísticas.

Por ora, termino esse trecho com a brevíssima e contundente citação do compositor e teórico Juan Carlos Paz (PAZ, 1976:51):

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Entre a academia e a sala de aula

Há uma idade em que se ensina o que se sabe; mas vem em seguida outra, em que se ensina o que não se sabe: isso se chama pesquisar. Roland Barthes

Intensificar a minha reflexão sobre as relações entre a educação musical e a educação estética era um desejo antigo. O interesse por essas relações tem acompanhado o meu percurso como professora e também como musicista; alimentado por vários aspectos do meu percurso de formação e de atuação profissional, mas sem dúvida muito fortemente pelas parcerias com profissionais de outras linguagens das quais tenho usufruído por tantos anos na EMIA. No meu próprio trabalho sempre procurei colocar em jogo estas relações; orientada por muitas ordens de saberes e experiências, que se organizavam e se colocavam em ação movidos por um conjunto de forças e intuições. De maneira nem sempre previsível, operando numa zona de certo mistério.

Fui ampliando essa percepção, apreendendo a ideia desse mistério como zona de indeterminação, ou indiscernibilidade – características do plano da arte e da experiência estética - e que deve, portanto, permear o campo da sua iniciação. Não se tratava, assim, de normatizar, colocar a intuição e os caminhos pelos quais operava sob ordens estritas. Tampouco se tratava de mistificá-la - mas de compreender melhor esses caminhos, e iluminá-los; o que não desfaria o mistério, mas, pelo contrário, talvez o potencializasse.

Mas não seria necessário somente que a resposta acolhesse a questão, seria necessário também que determinasse uma hora, uma ocasião, circunstâncias, paisagens e personagens, condições e incógnitas da questão. Seria preciso formulá-la "entre amigos", como uma confidência ou uma confiança, ou então face ao inimigo como um desafio, e ao mesmo tempo atingir esta hora, entre o cão e o lobo, em que se desconfia mesmo do amigo. É a hora em que se diz: "era isso, mas eu não sei se eu disse bem, nem se fui assaz convincente". E se percebe que importa pouco ter dito bem ou ter sido convincente, já que de qualquer maneira é nossa questão agora. (DELEUZE e GUATTARI, 1997: 10)

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Seria necessário um movimento radical. De compromisso concreto. Parecia-me que a academia e a pós-graduação poderiam proporcionar um desafio fundamental.

Ensaiei essa possibilidade frequentando como ouvinte a disciplina Psicologia, Arte e Educação9 do programa de pós-graduação da Unicamp. Muito envolvida pelas aulas, através das leituras e discussões fui percebendo que poderia construir uma possibilidade de pensamento referente ao meu campo de atuação, ao particularizar, corporificar as questões, dando um fundo às figuras, corpo e voz aos personagens.

Encarnou-se então a necessidade de registrar, materializar a experiência – e comecei a fotografar as minhas aulas. Posso dizer que aí, de certa forma, a pesquisa começou. Quando fui experimentando o mergulho no registro e na experiência do meu próprio trabalho. Um mergulhado no outro.

Já oficialmente como aluna do programa acima citado, continuei a fotografar regularmente e a observar os registros de várias facetas do meu trabalho: os grupos de musicalização, as aulas de instrumento, as apresentações com os alunos, as aulas de conjunto. Revisitei registros (fotográficos, de áudio e de vídeo) de outros trabalhos, de outros tempos e lugares. Procurava o foco! O recorte pelo qual investigaria as relações entre a educação musical e a estética.

Enquanto procurava, foi uma revelação perceber que quando compartilhava essas imagens-experiência, escolhendo sequências que propunham gestos de pensamento, estabelecia-se um fluxo de comunicação que se dava além das opiniões. Que as ultrapassava, pela multiplicidade de conexões e atualizações que permitiam aos interlocutores, como me haviam permitido em sua elaboração.

A instauração dessa qualidade de interlocução mais viva e interessante, pude observar em várias instâncias, desde seminários na pós-graduação, até reuniões com os pais na escola.

Revisitando essa descoberta, me parece que o registro das imagens e sua articulação permitiram que a comunicação pudesse ser potencializada, e que experimentasse uma outra dimensão – a narrativa.

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Disciplina Psicologia, Arte e Educação – Faculdade de Educação da Unicamp, Programa de pós-graduação. Docente Profa. Dra. Ana Angélica Albano - ano de 2007.

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Captar as imagens e sobre elas debruçar-me, vê-las e revê-las inúmeras vezes, percebendo a cada visita diferentes nuances, fez com que em mim se multiplicasse em possibilidades de leitura e se estendesse no tempo a experiência vivida. E efetuar escolhas, elaborar sequências e articulações e observar que ao compartilhá-las outras leituras, sentidos e sensações eram provocados, despertou-me o sentido de narrar; o que me abriu o apetite todo – pelas imagens e suas possíveis composições, mas também pelas palavras dessas histórias a serem contadas.

Uma experiência quase cotidiana nos impõe a exigência dessa distância e desse ângulo de observação. É a experiência de que a arte de narrar está em vias de extinção. São cada vez mais raras as pessoas que sabem narrar devidamente. Quando se pede num grupo que alguém narre alguma coisa, o embaraço se generaliza. É como se estivéssemos privados de uma faculdade que nos parecia segura e inalienável: a faculdade de intercambiar experiências. (BENJAMIN, 1994:197)

Também o trabalho com as crianças foi afetado. As perguntas provocaram a pesquisa. E quanto mais provocada ela era, mais afrontadamente provocava o trabalho, que tomou outra pulsação, outra intensidade. Com a observação se afiando. E por essa via, do registro e da observação turbinada, gradativamente foi se fazendo, quase se impondo um recorte em torno do trabalho citado anteriormente, em dupla com o professor Carlos Sgreccia. Este trabalho capturava o meu olhar e pensamento e em torno dele eu fazia relações e transposições para outras situações e modos de atuação.

Finalmente! O foco! O recorte! Sendo estes estabelecidos, muitos dados e especificidades entraram em jogo; chegará o momento de apresentar seu cenário e seus personagens. Por ora me demoro ainda um pouco mais no mapa das minhas indagações e do meu pensamento.

Foi através da disciplina Teoria das Artes, 10 que se deu o meu encontro com a filosofia de Gilles Deleuze, a qual já me despertava interesse há algum tempo - encontro, e não necessariamente a compreensão, pois... foi um susto! Deparar-me com pensamentos-clarões, pensamentos-cometas, quase música! Que provocaram um

10

Disciplina Teoria das Artes – Instituto de Artes da Unicamp. Docente Prof. Dr. Renato Ferracini - primeiro semestre de 2008.

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turbilhonamento em meu pensamento, até mesmo no meu modo de me relacionar com ele e também de acessá-lo: o pensamento como algo que se constrói e se conquista, mas que também pode nos fazer voar. Pois... “O pensamento parece uma coisa à toa, mas como é que a gente voa, quando começa a pensar...”, já dizia Lupicinio Rodrigues nos versos da canção Felicidade, que tantas vezes toquei; e cujos versos venho cantarolando como um mote.11

Esse interesse me conduziu à disciplina Filosofia da Educação12, através da qual pude me ambientar e me situar melhor em relação à filosofia deleuziana - e me senti convidada a nela procurar uma interlocutora.

Deleuze afirma que a filosofia não se destina apenas aos filósofos; ao escrever sobre sua experiência no Centro Experimental de Vincennes13, ele nos diz:

Em Vincennes, a situação é diferente. Um professor, digamos, de filosofia, fala de um público que inclui, com diferentes níveis de conhecimento, matemáticos, músicos (de formação clássica ou da pop music), psicólogos, historiadores , etc. Ora, em vez de “colocar entre parênteses” essas outras disciplinas para chegar mais facilmente àquela que pretendemos lhes ensinar, os ouvintes, ao contrário, esperam da Filosofia , por exemplo, alguma coisa que lhes servirá pessoalmente ou que tenha alguma intersecção com suas atividades. (...) É, pois, por conta própria que os ouvintes vêm buscar alguma coisa num curso. O ensino da filosofia orienta-se, assim, diretamente, pela questão de saber em quê a filosofia pode servir a matemáticos, ou a músicos, etc. – mesmo, e sobretudo, quando ela não fala de música ou de matemática(...) (DELEUZE apud GALLO, 2008: 15).

E como nos aponta Gallo, sua importância para cada um de nós se dá na medida em que nos instiga ou não:

Se não cabe ao conceito ser verdadeiro, ele também não está para ser compreendido. Não nos importa se compreendemos ou não um determinado conceito; importa que ele seja ou não operativo para nosso pensamento; importa que nos faça pensar, em lugar de paralisar o pensamento. Importa que tenhamos

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Versos que me foram relembrados pela fala do Prof. Dr. Luis Orlandi na Conferência “Deleuze; caos e pensamento.”, I Seminário Conexões: Deleuze e Imagem e Pensamento e... Faculdade de Educação da Unicamp, 14/ 05/2009.

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Disciplina Filosofia da Educação - Faculdade de Educação da Unicamp. Docente Prof. Dr. Sílvio Gallo – primeiro semestre de 2009.

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afinidade com um certo conceito, afinidade que se produz pelo fato de ele agenciar em nós mesmos certas possibilidades. (GALLO, 2008: 48)

O filósofo português José Gil se refere aos “espaços paradoxais de Escher ou Penrose”, possibilidades de espaço criados pelo corpo do bailarino ao tornar-se um corpo interior-exterior; diversas vezes na disciplina Teoria das Artes o professor Renato Ferracini recorreu à imagem das mãos que se desenham, como dizia, em Espaço de Escher, ao relacionar ideias e conceitos do pensamento deleuziano.

Essa litografia de autoria de Maurits Cornelis Escher (1898-1972), intitulada Drawing Hands (1948), apesar de bastante difundida e multiplicada, é um trabalho gráfico que conserva em si a força e a vitalidade próprios de uma obra de arte e que conseguimos acessar mesmo numa reprodução; e por ela, por essa imagem, iluminou-se a minha questão: como uma mão que deiluminou-senha a outra, como campos que iluminou-se desenham e se comunicam em fluxo permanente, assim devem se relacionar a educação musical e a educação estética!

Mas o que provocaria esse fluxo? E ao mesmo tempo o sustentaria como um fundo, um plano?

Entre as observações e comentários cotidianos que como professora costumo ouvir e trocar com colegas, apontando os momentos em que a aula pegou, engatou, deu liga; em que os alunos entraram, envolveram-se; em que certo aluno surpreendeu; e que são também aqueles em que vislumbramos olhos brilhantes, surpresos, curiosos... e as leituras, reflexões e interlocuções que têm ampliado meus saberes, foi se compondo uma resposta pela caracterização, ampliação, da ideia de experiência.

Vamos agora ao que nos ensina a própria palavra experiência. A palavra experiência vem do latim experiri, provar (experimentar). A experiência é em primeiro lugar um encontro ou uma relação com algo que se experimenta, que se prova. (LARROSA, 2002: 25)

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A partir do sentido apontado por Larrosa, vou configurando a experiência como o fundo que permite e sustenta o fluxo que coloca a educação musical e a educação estética em Espaço de Escher.

Experiência provocada pelo encontro e que nele se produz. Entre as pessoas (os professores e os alunos), entre as pessoas e os materiais (um som, uma canção, como também o papel, a tinta, o corpo, o gesto, a palavra...), entre as pessoas, os materiais e o ambiente (a sala, a escola, a atmosfera e o clima daquele dia específico)... Quando há encontro, se produzem faíscas que podem deflagrar a experiência.

O professor, como mestre dos encontros, deve facilitá-los e colocar-se em estado de atenção. Ao fazer e conduzir suas proposições de conteúdo e de atividades, dispor-se a observar -­‐  onde  se  dá  a  faísca?  -­‐  à espreita das possibilidades pelas quais pode se dar a experiência; a qual muitas vezes acontece no inesperado, no desvio.

Nós, professores, podemos desejá-la, cortejá-la, preparar o ambiente para recebê-la; mas, não importa há quanto tempo lidemos com ela, nunca deixará de nos surpreender. Indomável e imprevisível exige que nos submetamos a ela, pois como diz Larrosa: “A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca” (LARROSA, 2002: 21).

Aqui trato de uma possibilidade de educação musical. Que me passa, que me toca; que se propõe a conversar, a se contrapor ou a se compor com outras. E que se refere ao campo da iniciação artística, no qual a experiência e o encontro são o sopro de ânimo e vida. Pois como aponta Kohan através das palavras de Foucault, “Uma experiência é algo do qual a própria pessoa sai transformada” (KOHAN, 2003: 13).

E a iniciação artística, como a concebo, é território da educação pela transformação; e da apreensão do sentido e da possibilidade de transformação. Como sempre possível.

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educaçãomusical

educaçãoestética

educaçãomusicalest

éticamusicalação

estéticação

musical

açãoestéticaeduca

musicaleducaestética

aestéticamusical é...

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Pequena digressão, ou, do jogo de palavras: pistas da

estética

...açãomusicalestéticaeducação.. A brincadeira com as palavras aconteceu quando preparava a apresentação de um seminário14 e procurava por um início.

Havia recentemente comprado a antologia de poemas de Décio Pignatari:

POESIA

POIS É

POESIA

Deixei-me seduzir pelas possibilidades de jogo que a poesia concreta pode nos sugerir, estimulando-nos pela invenção visual e gráfica e pela sonoridade das palavras.

E aqui nesta escrita voltei a me permitir a brincadeira.

Joguei: mexendo e remexendo, estendendo, arranjando e rearranjando as palavras, combinando e deslocando sentidos. Brinquei: compondo, decompondo, recompondo, buscando algum equilíbrio e também contraste...

Não será este um jogo que todos nós jogamos desde... Quando? Operando numa lógica não racional, orientada pelos sentidos e pelas sensações?

Um jogo que pode se manifestar em múltiplas instâncias: desde as interferências e inscrições com que procuramos marcar nossos territórios, construir nossos cenários, escolher os figurinos, constituir uma caligrafia, um jeito, um modo, algum estilo. Experiências de modos de estar e de se relacionar com os objetos, com o espaço, com os outros; cotidianas proposições de arranjos, combinações de linhas, cores, texturas, aromas e sabores...

Nas experiências artísticas, e nos esforços de seu aprimoramento... Até a concepção e composição de forças e intensidades de uma obra de arte... Não são todas essas ações e operações permeadas pela experiência estética?

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Disciplina Arte, Psicologia e Conhecimento - Faculdade de Educação da Unicamp, Programa de pós-graduação. Docente Profa. Dra. Ana Angélica Albano - primeiro semestre de 2008.

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A Grande Brincadeira

Há muito tempo o professor Carlos Sgreccia e eu ensaiávamos a possibilidade de configurar em sala de aula uma parceria que já tantas vezes se dera no palco, em variadas formas de exercício artístico. Imaginávamos uma oficina de teatro e música para alunos mais velhos ou pais, um projeto que talvez tivesse como conclusão uma apresentação. Modos de atuação que se apresentavam como mais próximos da vivência e das interlocuções artísticas que vimos compartilhando em nosso longo percurso como colegas.

Por muito tempo a EMIA dispôs de um espaço destinado às apresentações de seus professores-artistas. Referenciar esta experiência nesse trabalho me parece ter relevância por ela ter sido de grande influência no meu percurso como professora e como artista; por ter me proporcionado muitas descobertas, incrementando principalmente a minha vivência artística entre linguagens; e por ter potencializado as minhas relações com os colegas para além do âmbito da sala de aula e das reuniões de professores.

Carlos Sgreccia - o Cacá - e eu, tivemos muitas e variadas oportunidades de compartilhar o palco. Participamos, com outros colegas, da criação de vários espetáculos mesclando música, poesia e teatro, alguns muito sérios, outros apontando para a alegria e aventura da infância.

Sem dúvida me parece que muito do que viríamos a desenvolver como parceiros em sala de aula já havíamos vivenciado em nossas parcerias artísticas: a experiência da criação entre linguagens, entre o rigor e a liberdade, entre a brincadeira e a seriedade. A necessidade concretizou a oportunidade para a parceria em sala de aula, se apresentando de uma maneira diferente da que idealizáramos: uma classe da faixa etária de sete anos, para a qual eu necessitava uma dupla para o ano letivo de 2008. Essa parceria prosseguiu no ano de 2009, com uma classe de oito anos - o que permitiu

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que muitas crianças continuassem conosco: esse é o grupo que vai ser especialmente focalizado no presente trabalho. E prosseguiu no ano de 2010, com um novo grupo.

Para que o leitor possa melhor transitar pela descrição e análise das experiências, me parece necessário localizá-lo brevemente em relação a como se constitui a estrutura da EMIA15. Essa estrutura é organizada em torno do que é denominado pela escola como curso regular16: trata-se do curso de iniciação artística, que é obrigatório a todas as crianças matriculadas e abrange a faixa etária dos cinco aos doze anos; este curso acontece em aulas semanais, sendo que a duração das aulas varia conforme a faixa etária dos alunos. Para as classes de sete e oito anos, como a aqui focalizada, ela é de três horas17, sendo os alunos orientados por uma dupla de professores com formação em linguagens diferentes18; as combinações de linguagem que constituem a dupla podem ser quaisquer, e não são informadas aos pais no ato da matrícula.

Sempre vivenciei o advento de uma nova parceria, assim como o de um novo grupo de alunos, como um acontecimento impregnado de expectativas. Assim também percebia esse que se aproximava, trazendo tais sensações potencializadas pelo momento em que me encontrava: iniciando minha participação oficial no programa de pós – graduação da Unicamp e minha investidura em pesquisadora, embora ainda não houvesse estabelecido o foco final da pesquisa, já considerava esse trabalho um dos objetos de estudo importantes para a minha investigação. Senti então algum receio de que tais expectativas se transformassem em preocupações diante de tão séria e importante empreitada.

15

Para mais informações, ver o site da EMIA: www.emia.com.br.

16

Além do curso regular a escola oferece a seus alunos como cursos optativos: instrumento musical, dança, teatro e artes plásticas. Atividades abertas também à comunidade são as oficinas, a orquestra e os corais.

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Para crianças de cinco e seis anos a duração da aula é de duas horas; quatro horas para nove e dez anos e três horas para onze e doze anos. Atualmente, na faixa etária de cinco a dez anos as classes são específicas para cada uma das idades; somente os alunos de onze e doze anos mesclam-se nos mesmos grupos.

18

As duplas de professores das classes de cinco e seis anos se constituem do mesmo modo; aos nove e dez anos, as classes são orientadas por quatro professores, o chamado quarteto, cada um respondendo por uma linguagem específica; aos onze e doze anos, há apenas um professor, especialista na linguagem de opção do aluno.

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Ao reler um trecho do nosso planejamento, revisito a sensação de como os primeiros movimentos das nossas ideias e desejos puderam esvaziar as ansiedades daquele momento. Para que o frescor e a possibilidade de ressignificações que um novo ciclo propicia, pudessem ser fortalecidos e ampliados e não constrangidos pelo meu comprometimento com a pesquisa.

E para que eu pudesse perceber no parceiro um interlocutor; um par que se propusesse a desenhar comigo e com as crianças uma coreografia de abertura, cumplicidade e confiança:

   

Planejamento 1ºsem. 2008 Turma 7 anos – 2ªf tarde

Profs. Ana Cristina Rossetto e Carlos Sgreccia

A Grande Brincadeira

A nossa intenção é proporcionar às crianças a vivência do processo de Iniciação Artística através da Grande Brincadeira. Que permite que cada criança possa embrenhar-se em explorações, testar hipóteses e desenvolver possibilidades, individualmente e estabelecendo parcerias. Que abre caminho e cria a vontade pelo conhecimento e pela técnica.

(...) para que aconteça o que nós dois, professores artistas da EMIA há tanto tempo, e pela primeira vez trabalhando juntos em sala de aula, acreditamos seja o motor de todo o possível aprendizado em arte: que o aluno seja tocado pela aventura da experiência artística.

Músicateatromovimentolinhascores,

nosso desejo é puxar esse cordão...

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