• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO II INTERVENÇÕES NAS PEA

5. Intervenção e importância da família

Tanto na perturbação do espectro autista como noutras perturbações, o envolvimento da família é muito importante. Na PEA, por maioria de razão. Pela sua especificidade, e particularmente, porque os seus sintomas se manifestam de forma constante, independentemente dos contextos ou situações, as PEA envolvem não apenas a pessoa que sofre desta perturbação como todos os contextos em que está inserida.

Rivière (2010) expressa que do ponto de vista do equilíbrio familiar, o autismo representa um transtorno particularmente devastador. Para os pais, ser confrontado com a realidade de que o filho é autista, é algo que constitui, e cremos que sempre constituirá, uma experiência angustiante e assustadora. E, se para alguns pais o diagnóstico é uma completa surpresa, para outros é apenas a confirmação de uma intuição, em muitos casos antiga. Consideramos não ser difícil compreender as razões que estão na base desta angustiante e assustadora surpresa. Se tivermos em conta o percurso típico de desenvolvimento de uma criança, quando esta nasce é de aparência normal, e até ao primeiro ano de vida é também normal. Nada pressupunha pois que esta criança registasse qualquer alteração. Porém, de forma insidiosa e simultaneamente rápida, desabrocham os primeiros distúrbios, ainda que pouco claros, e da mesma forma abstrusa vão aparecendo comportamentos estranhos e uma espécie de solidão. Rivière (2010, p. 97) crê que inicialmente os pais devem "(...) tener la sensación de que no

interactúan con el niño (...)", permanecendo obscura a culpa de repetidos fracassos de

aproximação. Neste contexto, não é pois de estranhar que, e como fizemos referência no primeiro capítulo, durante vinte anos, os pais tivessem acreditado na hipótese falsa de que eram eles os responsáveis pelos distúrbios do seu filho.

A propósito ainda destas velhas ideias sobre a etiologia, que como alertam Ozonoff e Rogers (2003, p. 48) "(...) ainda persistem sob diferentes formas", nunca é demais ressaltar e explicar inequivocamente às famílias que "(...) o autismo não é provocado pela incompetência parental, nem por qualquer outra variável social ou ambiental".

Não obstante, os pais e as famílias de crianças com PEA, como nos relata Rivière (2010), passam por um processo psicológico complicado até chegar à autêntica

assimilação do problema. Porém, a longo prazo, dão-se conta que a convivência com pessoas autistas

"(...) puede ser muy satisfactoria y gratificante. En muchos aspectos, tanto o más que la convivencia entre las personas llamadas «normales» (pues los autistas tienen sus peculiares «virtudes»: en general no mienten ni tienen malas intenciones. Son mucho menos complicados y enrevesados que los normales. Poseen una conmovedora ingenuidad, y su afecto es directo, nunca fingido). Pero, para llegar a eso, hay que pasar por un largo camino. Y en ese largo camino la ayuda profesional es imprescindible". (Rivière, 2010, p. 99)

Após este impacto com a frustração e ansiedade, surge então o esforço desesperado dos pais em encontrar ajuda profissional e esclarecimento para o estranho enigma da solidão e alterações de comportamento do filho.

Os profissionais que trabalham com estas famílias, quer sejam médicos, quer sejam professores/educadores ou outros, devem antes de mais saber escutar as suas preocupações e depositar nos pais alguma esperança quanto ao futuro dos seus filhos, tendo em conta as intervenções e tratamentos existentes. Ozonoff e Rogers (2003, p. 49) acrescentam que de todas as intervenções terapêuticas que um médico pode realizar, uma das mais poderosas "(...) é ajudar os pais a intervirem activamente no tratamento e desenvolvimento dos seus filhos", já que, segundo Rogers (1998), parafraseado por Ozonoff e Rogers (2003, p. 49) "todos os tratamentos eficazes envolvem uma determinada intervenção dos pais".

Afirma Rivière (2010) que a ajuda profissional aos pais assume pois uma importância vital a três níveis: ao nível terapêutico, que quase sempre é necessário prestar, ao nível da "formação" dos pais, ou seja, é necessário dar-lhes informação suficiente sobre o autismo, verdadeira, real mas com um enfoque positivo, e ao nível da capacidade de os tornar co-terapeutas, contar com eles para intervir ativamente nos processos de ensino/aprendizagem dos seus filhos. Os pais, como principais educadores, têm direito de possuir a informação sobre as melhores formas de auxiliarem os seus filhos e de, em conjunto com o terapeuta, perceber quais são os objetivos mais importantes para a criança. Como tal, devem estar consciencializados que a sua relação com os terapeutas deve ser harmoniosa e de confiança, de modo a obterem o melhor para o seu filho. Assim, os pais não são apenas aconselhados pelos profissionais/terapeutas, são co-terapeutas na medida em que participam no processo de

delineação dos objetivos da intervenção, únicos e específicos para aquela criança, na medida em que:

"A investigação demonstrou que o interesse dos pais pelo sucesso escolar dos seus filhos e, eventualmente a sua ajuda, constituem um dos principais factores que contribuem para esse mesmo sucesso (Wang, 1994). Nesta medida, os pais devem ser considerados como um recurso fundamental que caberá à escola, na medida do possível, incentivar e apoiar, criando as condições para que sintam que são encarados como verdadeiros parceiros". (Costa, 2001, p. 109)

Partindo do princípio de que as expectativas dos pais e dos professores/educadores relativamente à criança "(...) se pretendem similares, torna-se como tal crucial o papel dos pais, uma vez que são eles quem melhor conhece a criança. Estes possuem informação valiosa que os professores/educadores deverão atender aquando da planificação educacional" (Correia, 2008, p. 155). Por esta razão, considerar a família em todo o processo assume pois um papel de suma importância, no sentido de colaborar e participar na avaliação, tendo em conta o exclusivo conhecimento que tem do seu filho, tais como interesses, rotinas, rituais, conhecer as inquietações da família quanto ao futuro, ir de encontro às suas necessidades e/ou prioridades na organização e elaboração do PEI, criar espaços de comunicação para a família poder expressar preocupações, anseios, contrariedades e alterações do PEI decorrentes de avaliações e reavaliações (Pereira, 2008).

No trabalho a desenvolver com as famílias, Ozonoff e Rogers (2003, p. 49) salientam ainda a importância do destaque que deve ser dado aos pontos fortes das crianças com autismo. Querem com isto dizer que o enfoque deve passar também pela acentuação dos talentos destas crianças, e não apenas no sublinhar das fraquezas, "(...) muitas vezes necessário para garantir que a criança é elegível para beneficiar de serviços e recursos especiais". Estes autores recordam que "a descrição inicial de Kanner de crianças muito afetadas com a síndrome estava permeada de exemplos de talentos" tais como:

"(...) a capacidade de leitura precoce, a memória prodigiosa e as capacidades visuais- espaciais bem desenvolvidas (...) a paixão e convicção que as pessoas com autismo manifestam por certos assuntos, o seu desejo de ordem e a consequente disposição para respeitar regras e rotinas (...)". (Ozonoff & Rogers, 2003, p. 49)

Como constatamos, o autismo é uma perturbação que não se encontra de forma alguma desprovida de pontos fortes. Torna-se assim da maior importância auxiliar os

pais a reconhecê-los e a usar estes pontos fortes, na expectativa de que possam constituir um meio útil e esperançoso de libertação da angústia.

Por fim, acresce referir que existem programas específicos bastante úteis destinados a famílias de pessoas com autismo, tais como:

"(...) sistemas de atención terapéutica, incremento de apoyos sociales, formación de padres, relación estructurada padres-profesores, capacitación de los padres como co- terapeutas, intervención sistémica en las redes familiares, etc". (Rivière, 2010, p. 102)

Sendo sempre certo que os profissionais que atendem crianças autistas não devem descurar as necessidades de atenção familiar, que nalguns casos, são bem mais difíceis de tratar do que as da própria criança com autismo.

Podemos concluir que num contexto social solidário, e acima de tudo de extrema importância para o sucesso dos tratamentos, estas famílias não devem sentir-se sós, nem desamparadas. Para tal, é necessário, é imperativo pôr em prática o preceituado no DL n.º 3/2008: promover o

"(...) regular envolvimento e participação da família (...) organizar formação específica sobre as perturbações do espectro do autismo e o modelo de ensino estruturado (...) colaborar com as associações de pais e com as associações vocacionadas para a educação e apoio a crianças e jovens com perturbações do espectro do autismo (...) planear e participar, em colaboração com as associações relevantes da comunidade, em actividades recreativas e de lazer dirigidas a jovens com perturbações do espectro do autismo, visando a inclusão social dos seus alunos". (n.º 6, art. 25.º, DL n.º 3/2008)

Podemos concluir que decidir sobre as intervenções mais adequadas para qualquer criança com PEA exige uma avaliação contínua dos pontos fortes e necessidades da criança. Como ficou demonstrado, não existe qualquer intervenção adequada a todas as crianças com autismo, ou mesmo uma cura para todas as suas necessidades em termos de desenvolvimento por se tratar de um grupo muito heterogéneo. Por esta razão, as intervenções e/ou terapias devem ser adaptadas minuciosamente a cada criança e a cada família, não sendo demais frisar a importância de que todo e qualquer tratamento será tanto mais eficaz se iniciado precoce e intensivamente para que se obtenham benefícios com o mais longo prazo possível.