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CAPÍTULO III A INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM PEA

1. Os princípios da Educação Especial

A Constituição da República Portuguesa garante o direito de todos os Portugueses à educação e à cultura, consagrando, assim, uma das grandes conquistas da revolução democrática do 25 de Abril de 1974. Em Portugal, o processo de democratização do sistema educativo, propiciou o acesso à escola de milhares de crianças e jovens com necessidades educativas especiais, muitas das quais decorrentes da presença de deficiências.

O processo de integração do direito das crianças com necessidades educativas especiais, a terem uma educação adaptada e fornecida em escolas regulares terá sido feito em duas etapas fundamentais: numa primeira fase entre 1973/74 e 1982/83, procedeu-se à reorganização dos serviços e criaram-se estruturas regionais, publicou-se importante legislação sobre o assunto, mas em termos de resultados, os passos dados

foram modestos. Na segunda fase, entre 1983/84 e 1994, o sistema expandiu-se e consolidou-se o "ensino integrado", assegurado por equipas de ensino especial espalhadas pelo país.

O grande salto qualitativo deu-se, só a partir de 1984, quando se alterou o próprio conceito de deficientes para crianças com necessidades educativas especiais. Estas crianças deixam de ser apenas os cegos, os surdos-mudos, etc., para serem também todas aquelas que no seu percurso escolar são marcadas pelo insucesso. Assiste-se a partir de então, ao lançamento de diversas iniciativas destinadas a estas crianças com dificuldades educativas. Em 1987, é criado o PIPSE- Programa Interministerial para a Promoção do Sucesso Escolar. Poucos anos depois, a figura das chamadas "escolas de intervenção prioritária", abrangendo todas as escolas que sejam frequentadas por um número significativo de crianças com dificuldades de aprendizagem, inadaptadas ou portadoras de deficiência. Outras iniciativas prosseguiram nesta mesma direção.

A Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) (Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro9) não só consagra no âmbito da escolaridade obrigatória o ensino universal e gratuito como determina: "É da especial responsabilidade do Estado promover a democratização do ensino garantindo o direito a uma justa e efectiva igualdade e oportunidades no acesso e sucesso escolares" (n.º 2, art. 2.º) e acrescenta que "a educação especial visa a recuperação e integração sócio-educativas dos indivíduos com necessidades educativas específicas devidas a deficiências físicas e mentais" (n.º 1, art. 17.º) e organiza-se "(...) preferencialmente segundo modelos diversificados de integração em estabelecimentos regulares de ensino, tendo em conta as necessidades de atendimento específico, e com apoios de educadores especializados" (n.º 1, art. 18.º).

Finalmente, a Lei n.º 46/2006, de 28 de Agosto, no seu art. 4.º, proíbe e pune as práticas discriminatórias em razão de deficiência e da existência de risco agravado de saúde, designadamente, no acesso a estabelecimentos de ensino, públicos ou privados, "(...) assim como a qualquer meio de compensação/apoio adequado às necessidades específicas dos alunos com deficiência".

No plano internacional, existem referências fundamentais, que não podem deixar de ser tidas em consideração. Em 1993, as Normas das Nações Unidas sobre Igualdade

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de Oportunidades para Pessoas com Deficiência, viriam afirmar a igualdade de direitos à educação para todas as crianças, jovens e adultos com deficiência, determinando que esta educação deve ser realizada em estruturas educativas especiais e em escolas do sistema regular de ensino.

Por sua vez, em 1994 através da Declaração de Salamanca, que o Estado Português subscreveu, afirmava-se o princípio estruturante da educação especial de que as "(...) escolas deveriam acomodar todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras".

Mais recentemente, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006) viria reiterar os princípios de uma escola inclusiva, ao consagrar que as pessoas com deficiência, numa base de igualdade de oportunidades, devem ter acesso, nas comunidades em que vivem, a um ensino básico inclusivo, de qualidade e gratuito e ao ensino secundário.

Inúmeros foram os modelos organizativos da escola, as medidas educativas e os apoios especializados preconizados na legislação, a enquadrar a evolução do sistema educativo. Desde a ação das Divisões do Ensino Especial das ex-Direções Gerais do Ensino Básico e do Ensino Secundário que, através de professores destacados em equipas locais, a quem facultaram formação, apoiaram a integração de alunos deficientes nas escolas regulares, até aos núcleos de apoio à deficiência auditiva e visual, às Equipas de Educação Especial, ao Decreto-Lei n.º 35/90, de 25 de Janeiro10, que tornou obrigatória a frequência do ensino básico também para os alunos com necessidades educativas específicas (explicitando que estes não poderiam ser isentos da sua frequência, como, até aí, vinha acontecendo), às medidas previstas no Decreto-Lei n.º 319/91, de 23 de Agosto, aos Apoios Educativos previstos no Despacho Conjunto n.º 105/97, de 1 de Julho, às medidas de apoio às diversas instituições de educação especial.

Influenciado pelas conclusões da Conferência Internacional de Jomtien (Tailândia) "Educação para Todos em 2000", o Decreto-Lei n.º 319/91, de 23 de Agosto veio assumir uma ruptura de paradigma com as experiências de integração anteriores, ao preconizar:

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 "A substituição da classificação em diferentes categorias, baseada em decisões do foro médico, pelo conceito de necessidades educativas especiais, baseado em critérios pedagógicos";

 "A crescente responsabilização da escola regular pelos problemas dos alunos com deficiência, ou com dificuldades de aprendizagem";

 "A abertura da escola a alunos com necessidades educativas especiais, numa perspetiva de «escola para todos»";

 "Um mais explícito reconhecimento do papel dos pais na orientação educativa dos seus filhos";

 O princípio de que a educação dos alunos com necessidades educativas especiais se deve processar no meio o menos restritivo possível.

Estes preceitos podem ser resumidos sob a forma de três direitos fundamentais:

O Direito à educação. Contemplado na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 e na Declaração dos Direitos da Criança de 1959, em que todas as crianças, mesmo as que apresentem uma qualquer deficiência, tenham acesso gratuito ao ensino.

O Direito à igualdade de oportunidades, proporcionando um atendimento individualizado que responda às características e necessidades educativas; adequação dos métodos de ensino, dos meios pedagógicos utilizados e dos próprios currículos; adequação de recursos humanos e materiais, bem como dos espaços educativos. Para que a intervenção possa dar uma igualdade de oportunidades é necessário que envolva a participação das famílias e que seja o mais precoce possível.

O Direito de participar na Sociedade, permitindo que a criança com deficiência possa viver no seu ambiente familiar e na comunidade em que a família reside, sem deixar de, por isso, usufruir das respostas educativas de que necessita. Este direito de participação na Sociedade traduz-se também, numa preparação adequada para uma vida pós-escolar, que proporcione uma autonomia tão plena quanto possível na vida familiar, nas atividades de lazer, na utilização dos recursos da comunidade e na vida profissional.

Com a publicação do Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, alterado pela Lei n.º 21/2008, de 12 de Maio, modifica-se o quadro jurídico da Educação Especial, rompendo com o paradigma educativo preconizado no Decreto-Lei n.º 319/91 e na própria LBSE. Segundo Correia (2008, s.p), e admitindo até que a filosofia da inclusão tenha estado na base da reestruturação dos serviços da educação especial por parte do Governo português, "o novo decreto-lei" [3/2008] "(...) não considera um conjunto de

condições que caracterizam o que comummente se designa por uma educação de qualidade, justa e apropriada às capacidades e necessidades dos alunos com NEE […] "o decreto-lei em questão contém um misto de aspetos negativos, de cariz acentuadamente grave, que nos leva a refletir se realmente o seu objetivo é o de promover aprendizagens efetivas e significativas nas escolas regulares para todos os alunos com NEE". Correia afirma ainda que este diploma legal "(...) não operacionaliza conceitos (de inclusão, de educação especial, de necessidades educativas especiais…), deixando-os, como vem sendo costume, às mais variadas interpretações, nada condizentes com os direitos dos alunos com NEE e das suas famílias".

A educação dos alunos com necessidades educativas especiais implica, além da sua colocação em escolas de ensino regular, grandes alterações estruturais no plano da cultura pedagógica. A atenção às diferenças individuais e o atendimento escolar personalizado exige necessariamente uma flexibilização da organização escolar, ao nível das estratégias de ensino, da gestão dos recursos e do curriculum, de forma a proporcionar o desenvolvimento maximizado de todos, de acordo com as características pessoais e as necessidades individuais.

Contudo, decorre da operacionalidade destes princípios, no contexto da atual legislação, uma enorme limitação que respeita à concretização de um ensino diferenciado e à planificação e gestão dos recursos humanos e técnicos disponíveis para lhe dar coerência e viabilidade.