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CAPÍTULO II INTERVENÇÕES NAS PEA

1. Intervenções eficazes para crianças com PEA

1.1. Intervenções ao nível da linguagem

Realizar intervenções ao nível da linguagem assume sempre uma enorme importância para as crianças com PEA. Lotter (1994) e Rutter (1984), citados por Mastergeorge, Rogers, Corbett e Solomon (2003), salientam que uma grande limitação no funcionamento da linguagem de uma criança por volta dos cinco anos de idade, representa um forte indício de grave incapacidade na idade adulta, pelo que se justificam intervenções intensas e específicas a este nível no sentido de desenvolver capacidades de fala.

Neste sentido, e para aquisição de capacidades básicas de linguagem são utilizadas várias abordagens. Passaremos, de seguida, a descrever três de acordo com o descrito por Mastergeorge et al. (2003): intervenções isoladas de tentativas de treino (discrete trial training interventions), intervenções comportamentais naturalistas (naturalistic behavioral interventions) e intervenções desenvolvimentistas-pragmáticas (developmental-pragmatic interventions).

1.1.1. Intervenções isoladas de tentativas de treino

Uma das técnicas com êxito para aquisição das capacidades básicas da fala e da linguagem, provavelmente hoje a mais conhecida, envolve o uso das técnicas comportamentais descritas por Lovaas, conhecida como tentativas de treino isoladas:

discrete trial training interventions (DTT). Esta técnica consiste no ensinamento das

competências através de várias tentativas (trials) de treino isoladas. Tal como nos descrevem Mastergeorge et al. (2003) e Lima (2012), a criança recebe uma instrução e/ou um reforço, ao que se segue uma resposta comportamental da criança e consequente reforço caso a resposta seja correta, ou um castigo, caso a mesma seja incorreta. Trata-se de uma técnica de condicionamento utilizada para modelar o comportamento da criança com PEA. Lima (2012, p. 44) destaca que "as tarefas são

definidas de forma muito específica de maneira a que a criança consiga acertar o máximo possível" e são "(...) repetidas de forma contínua até a criança dominar a resposta".

Mastergeorge et al. (2003) e Lima (2012) apontam, contudo, as limitações desta teoria que se traduzem na dificuldade da generalização da linguagem adquirida através da DTT e dos comportamentos, a outros ambientes e situações, e, citando Lima (2012, p. 44), "(...) sobretudo pelo facto de condicionar tanto o comportamento que dificulta a sua espontaneidade e a manutenção dos comportamentos aprendidos em ambientes pouco estruturados".

1.1.2. Intervenções comportamentais naturalistas

As intervenções comportamentais naturalistas envolvem técnicas para ensinar capacidades básicas da linguagem e, em simultâneo, técnicas comportamentais. Mastergeorge et al. (2003, p. 158) referem-se a dois modelos de abordagem desenvolvidas a partir do trabalho de Hart e Risley (1975): "(...) exercícios educativos de resposta com pivot (pivotal response training, PRT; L. K. Koegel et al., 1998; Pierce e Scheibman, 1997) e exercícios educativos à base de incidentes (incidental teaching) (McGee et al., 1983, 1985)".

O PRT é um modelo de intervenção behaviorista que "(...) ensina comportamentos pivot de comunicação que podem ter amplos efeitos na linguagem, tais como fazer pedidos" (Mastergeorge et al., 2003, p. 158). Ou seja, este tipo de instrução vai além do ensino de respostas verbais específicas, como o caso das palavras isoladas, usado na análise aplicada do comportamento.

O incidental teaching é um treino incidental que começa com o aluno, diferente portanto, do ensino por tentativas discretas (DTT). Traduz-se no seguinte: o instrutor prepara um ambiente motivador, deixando disponíveis objetos, brinquedos, atividades desejáveis para o aluno com o intuito de originar a comunicação. Esta estratégia intervencional aproveita ainda toda e qualquer iniciativa de comunicação por parte da criança para chegar a formas de comunicação mais elaboradas.

Em suma, estas abordagens naturalistas aplicam episódios isolados de ensino partindo da criança a iniciativa da comunicação, usualmente com um pedido. O adulto

responde a este pedido "(...) com uma comunicação a nível mais amadurecido (...)" e satisfaz o pedido da criança após a sua resposta (Mastergeorge et al., 2003, p. 158).

Comparando com a técnica de treino DTT, o incidental teaching apresenta as seguintes diferenças:

"1) a comunicação é usada pela criança e não por directiva do adulto; 2) uso de reforço intrínseco e não extrínseco; 3) instrução num contexto natural e não à mesa usando exercícios e a prática". (Mastergeorge et al., 2003, p. 158)

Nas abordagens naturalistas de ensino é necessário que sejam proporcionadas oportunidades de comunicação para que as mesmas sejam bem sucedidas. Ou seja, o instrutor deve arquitetar um ambiente, originar uma situação de modo a conduzir a criança a realizar comunicação espontaneamente. Atingir o seu objetivo (alcançar um objeto desejado, por exemplo) constitui o reforço da comunicação, em vez de ser o adulto a dar um reforço. Da mesma forma naturalista são realizadas as repetições do comportamento para praticar.

Sublinham, porém, Mastergeorge et al. (2003, pp. 158-159) que,

"Dados comparativos sugerem que os paradigmas naturalistas conduzem a uma generalização mais rápida das capacidades de linguagem e ao uso mais espontâneo desta (...). Porém, as abordagens naturalistas exigem que a criança seja motivada para objectos e actividades, e produza qualquer forma de comunicação espontânea. Algumas crianças, especialmente as que têm taxas de iniciativa muito baixas, podem ter de começar por uma abordagem DTT mais orientada pelo adulto, antes de conseguirem tirar o máximo partido dos paradigmas naturalistas".

1.1.3. Intervenções desenvolvimentistas-pragmáticas

As abordagens de intervenção desenvolvimentistas-pragmáticas assentam nos princípios do desenvolvimento da criança, traduzidos no princípio de que é através da troca afetiva e da troca de interações sociais que se desenvolvem as capacidades de comunicação e cognição.

Constituem pois objetivos essenciais das terapias desenvolvimentistas- pragmáticas o "(...) alimentar o entusiasmo e o prazer nos relacionamentos, motivando a criança para comunicar e ensinando que a comunicação com os outros é gratificante e divertida" (Mastergeorge et al., 2003, p. 159).

Autores como Greenspan e Wieder (1997), citados por Mastergeorge et al. (2003) desenvolveram um modelo de abordagem terapêutica, denominado DIR (Developmental Individual-Difference Relationship-Based) onde descreveram e assinalaram os ganhos de linguagem e afetivos das crianças.

Lima (2012, p. 43) retrata este modelo salientando que

"O modelo DIR (modelo baseado no Desenvolvimento, nas Diferenças Individuais e na

Relação) [...] é um modelo de intervenção intensiva e global, que associa a abordagem

Floortime com o envolvimento e participação da família, com diferentes especialidades terapêuticas (integração sensorial, terapia da fala) e a articulação e integração nas estruturas educacionais".

Segundo nos relata Lima (2012), o modelo DIR tem pois como objetivo principal a promoção da relação, interação social e emocional, recorrendo à realização de atividades de jogo executadas em sessões de chão (floortime). O intuito da abordagem floortime é envolver a criança numa relação afetiva a partir de um modo de intervenção interativa não dirigida, o que se traduz nos seguintes princípios básicos:

- "Seguir a atividade da criança;

- Entrar na sua atividade e apoiar as suas intenções;

- Através da nossa própria expressão afetiva e das nossas ações, levar a criança a

envolver-se e a interagir connosco;

- Abrir e fechar ciclos de comunicação (comunicação recíproca);

- Alargar a gama de experiências interativas da criança através do jogo;

- Alargar a gama de competências motoras e de processamento sensorial;

- Adaptar as intervenções às diferenças individuais;

- Tentar mobilizar em simultâneo os seis níveis funcionais de desenvolvimento

emocional (atenção, envolvimento, reciprocidade, comunicação, utilização de sequências de ideias e pensamento lógico emocional)". (Lima, 2012, p. 44)

Esta autora, e ao contrário do que postulam Mastergeorge et al. (2003) cuja exposição apresentámos nos primeiros parágrafos desta secção, aponta porém que este modelo não tem em conta a estimulação de aprendizagens cognitivas e académicas, áreas fundamentais para um desenvolvimento no autismo. Para além disso, Lima (2012) afirma não existirem estudos que comprovem os efeitos terapêuticos do modelo. Por seu lado, Mastergeorge et al. (2003) afiançam que, e apesar de comprovados ganhos de linguagem e afetivos das crianças, a literatura empírica que comprova a eficácia desta abordagem existe, embora seja reduzida.

1.1.4. Abordagens complexas de intervenção ao nível da linguagem

Sabemos que muitas crianças com autismo, ainda que falem, revelam muitas dificuldades ao nível da iniciativa da comunicação. Ora, no sentido de melhorar a pragmática da comunicação, foram desenvolvidas diversas abordagens criativas como a iniciativa da comunicação, o uso de gestos e da linguagem corporal e a tomada de vez. Mastergeorge et al. (2003), citando Krantz e McClannahan (1993), expõem uma abordagem criativa baseada nas boas capacidades visuais geralmente reveladas pelas crianças com autismo: o uso de cartões integrado no programa de aula da criança. Nestes cartões são escritas instruções que incitam a criança a aproximar-se de um colega e transmitir-lhe alguma coisa e à medida que as instruções eram cumpridas, as mesmas iam sendo eliminadas progressivamente. Asseguram estes autores que esta abordagem aumentou não só a iniciativa como os comentários feitos espontaneamente aos outros.

A articulação e os gestos constituem outra capacidade de comunicação complexa. Os mesmos podem ser significativamente melhorados com o recurso a técnicas de treino resposta com pivot, no caso da primeira; e os gestos, são aumentados e normalizados durante uma conversação, através da realização de um tratamento comportamental (Mastergeorge et al., 2003).

Quanto às crianças com PEA que não falam, Mastergeorge et al. (2003) consideram que, a estas, devem ser ensinadas outras formas de comunicação, tão precocemente quanto possível. Estes autores sugerem pois estratégias de comunicação alternativas e aceitáveis a fim de modificarem os comportamentos não desejados de que estas crianças se socorrem para atingirem os seus objetivos. Assim, ao invés da criança fazer uma birra ou gritar para comunicar que não está contente, por exemplo, poder-lhe- á ser ensinado outro comportamento, como levantar o braço ou tocar uma campainha para mostrar que necessita de ajuda. Como nos transmitem Mastergeorge et al. (2003, p. 160), "esta abordagem usa o efeito do reforço do objectivo internamente motivado da criança para sustentar o comportamento comunicativo recém-ensinado, em vez do comportamento comunicativo indesejado que ela usava anteriormente".

Atualmente, no tratamento do autismo de crianças que ainda não falam, as capacidades de comunicação funcional são realizadas através de sistemas visuais, sendo o recurso aos símbolos pictóricos das estratégias mais frequentemente ensinadas. O

sistema de figuras mais utilizado é o Picture Exchange Communication System (PECS) descrito por Bondy e Frost (1994). "Ao contrário da maioria dos sistemas de figuras, o programa PECS ensina a criança a iniciar o pedido de uma figura e persistir na comunicação até que o parceiro responda" (Mastergeorge et al., 2003, p. 161). É de acrescentar que noutros sistemas de comunicação visual as figuras são variadas incluindo desenhos, fotografias, objetos e cartões com palavras impressas, como no modelo TEACCH, o qual abordaremos no capítulo seguinte.

Mastergeorge et al. (2003, p. 161) sublinham que muitos estudos revelam que

"(...) as crianças não comunicativas estarão mais estimuladas para aprender a falar se já compreenderam algo sobre a comunicação simbólica. Para as crianças para as quais é difícil falar, estes sistemas alternativos constituem uma forma de atribuir significado a um símbolo. Como os símbolos aumentativos são sempre acompanhados pela palavra falada (ou deveriam ser), o significado e poder da palavra falada pode, na verdade, ser sublinhado pelo uso de símbolos alternativos".

Em suma, na perspetiva de Mastergeorge et al. (2003) é de extrema importância quer para o desenvolvimento cognitivo, quer para o emocional, que as crianças consigam comunicar os seus anseios e experiências e consigam perceber as comunicações das outras pessoas. Assim, torna-se pois fundamental que qualquer programa de tratamento contemple um sistema de comunicação simbólica adequado à criança e que esta possa utilizar de forma espontânea e autónoma.