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4. RELAÇÃO JURÍDICA DE INDÉBITO TRIBUTÁRIO

4.1. Introdução

O valor devido e recolhido pelo sujeito passivo deve ter a exata dimensão do evento tributário ocorrido e documentalmente registrado. Entretanto, por vezes, o sujeito passivo efetua recolhimentos que, posteriormente, verifica indevidos. Os motivos são os mais variados; vão desde um equívoco no cálculo de apuração do valor devido até o questionamento da validade da obrigação tributária instituída, à luz do Texto Constitucional.

Se a relação jurídica tributária possui, no polo ativo, a Fazenda (Federal, Estadual ou Municipal) e, no polo passivo, o contribuinte, a relação jurídica de indébito apresenta, no polo ativo, o contribuinte e, no passivo, a Fazenda Pública, que deve (i) restituir ou (ii) suportar a realização do indébito pelo sujeito passivo através da compensação, nos casos e condições legalmente previstos. A distinção pode ser graficamente demonstrada a partir do esquema a seguir:

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I. Relação jurídica de crédito tributário

ESTADO CONTRIBUINTE

II. Relação jurídica de indébito tributário

CONTRIBUINTE ESTADO

No indébito tributário, portanto, o sujeito passivo da relação de crédito tributário passa a ocupar a posição de credor, ou seja, de titular do direito de exigir do Estado a devolução (em sentido amplo) dos valores recolhidos indevidamente aos cofres públicos. Diversos são os argumentos e teorias que amparam a repetição de indébito. Todas elas encontram esteio em fundamentos normativos que refletem conteúdos éticos e axiológicos centrais nos ordenamentos jurídicos contemporâneos.

Giuliani Fonrouge,73 fortemente influenciado por conceitos do direito civil, identifica na equidade o fundamento que veda o enriquecimento de uma pessoa às custas de outra. Garcia Nóvoa, por sua vez, aponta como esteio retórico do indébito a

73 FONROUGE, Carlos M. Giuliani. Algunas consideraciones sobre la aplicación de la equidad en el derecho

tributario. Rev. Impuestos, t. I, 1987. p. 818 apud NOVOA, César García. La devolución de ingresos tributarios

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responsabilidade da administração por danos (denominada no Brasil de

responsabilidade objetiva, prevista no art. 37, §6º, da Constituição Federal74).

É digna de referência, ainda, a vedação ao enriquecimento sem causa, Princípio classificado como direito natural por Mirta B. Cacciolato75 que, através do art. 37 da Constituição Federal Brasileira de 1988, encontra positivação no ordenamento jurídico brasileiro, como aponta Celso Antônio Bandeira de Mello, em excelente monografia sobre o tema.76

No mesmo sentido, embora configure enunciado dotado de alta densidade normativa e axiológica, a moralidade – expressamente ressaltada pelo art. 37, caput, da Constituição Federal – constitui inquestionável raiz constitucional que assegura o indébito tributário. Apesar da elasticidade semântica representada por esse Princípio e da respectiva subjetividade (a atribuição do predicado moral ou imoral é fortemente influenciada pela ideologia), pode-se afirmar que há casos facilmente enquadrados na zona de claridade desse conceito (moralidade) e casos dele excluídos, situados na zona escura. Entre esses últimos, certamente está a conduta representada pela apropriação de parcela do patrimônio e riqueza dos contribuintes em desacordo com as regras do jogo (fixadas pela Constituição e pela legislação infraconstitucional),

74 Art. 37, § 6º, da CF/88: As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços

públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

75 CACCIOLATTO, Mirta B. Reclamo y demanda de repetición. In: ALTAMIRANO, Alejandro C, op.cit., p.

370. .

76 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O princípio do enriquecimento sem causa em direito administrativo.

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cumulada com a negativa de restabelecimento do satuts quo ante (realização do indébito), a partir de um argumento de autoridade estatal.

Por fim, há de ser referida, ainda, como fundamento constitucional à restituição do valor pago, indevidamente, a título de tributo, a vedação contida no art. 150, IV, da Constituição Federal, dispositivo a seguir reproduzido:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

...

IV - utilizar tributo com efeito de confisco;

O confisco surge não apenas na fixação de alíquotas ou bases de cálculo escorchantes. Quando algum valor é recolhido a título de tributo e, posteriormente, verifica-se que a relação jurídica material que serviu de nexo de causalidade a esse ato é considerada inválida, por qualquer motivo, a negativa de restituição desses valores implicará inequívoco e injustificado confisco da propriedade do contribuinte. Da mesma forma, a Isonomia e o Princípio da Confiança e da Segurança Jurídica terão sido frontalmente violados. Isso porque o contribuinte que, acreditando na presunção de validade das relações jurídicas e normas existentes no ordenamento, realizou o pagamento terá parcela de seu patrimônio confiscado, em detrimento do contribuinte que, acostumado a desconfiar do Estado e das leis, deixou de realizar o pagamento do tributo.77

77 Idêntico raciocínio pode ser construído a partir do critério utilizado para fixação de efeitos prospectivos, pelo

Supremo Tribunal Federal, no RE 559.943. Nesse julgamento, foram considerados inconstitucionais os artigos 45 e 46 da Lei 8.212/91, que fixavam prazos de dez anos para a constituição do crédito tributário (decadência) e para a cobrança judicial do crédito tributário exequível (prescrição). Entendendo que esses dispositivos violaram área reservada à norma geral tributária (Constituição Federal, art. 146, III, “b”), o STF reconheceu sua

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Como conclusão, verifica-se que a plena restituição atende aos próprios interesses fazendários, pois a certeza do restabelecimento do status quo ante afasta questionamentos judiciais precoces e inconsistentes, diante da convicção de que o Estado não deixará de devolver valores por ele apropriados injustamente.