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2. NORMA JURÍDICA, REGRA E PRINCÍPIOS

2.3. Princípios e regras: distinção no processo interpretativo o

A distinção entre regras e princípios pressupõe o exercício da atividade intelectiva do intérprete, pois é no plano dos significados que nascem as normas jurídicas construídas pelo aplicador.

Nas palavras do Professor Paulo de Barros Carvalho,26 não só a identificação de um enunciado como princípio constitui uma decisão inteiramente subjetiva, como, no que concerne ao conjunto de princípios existentes num dado sistema, a distribuição ocorre em função da estrutura axiológica daquele que o interpreta. Isso ocorre porque a norma jurídica é construída a partir de um processo cognitivo que deve percorrer os campos sintático, semântico e pragmático.

No processo de construção mental implementado pelo intérprete, norma jurídica e texto normativo constituem planos manifestamente distintos. Aquela é o final; este, o início − alfa e ômega no processo interpretativo. As normas jurídicas podem ser definidas como a síntese do sistema, aplicada a um caso individual. Elas dizem respeito à construção mental realizada pelo intérprete ou aplicador, a partir dos

26 Analisados a partir do triângulo semiótico, os enunciados linguísticos prescritivos, materializados no texto

normativo, são considerados o representamem; sua significação, o objeto, cujo alcance semântico fixa o critério conotativo que pautará todas as possibilidades futuras de subsunção; o interpretante equivale ao significado, construção mental implementada pelo intérprete, diante de uma singularidade denotativa. CARVALHO, Paulo de Barros. O princípio da segurança jurídica em matéria tributária. Revista de Direito Tributário, São Paulo, n. 61, pp. 75-90, 1994.

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diversos textos normativos analisados e reputados pertinentes a determinada situação considerada.

Deve ficar claro, portanto, que a norma jurídica tributária − juízo hipotético que a percepção do texto provoca no plano do nosso consciente27 – é o resultado de uma operação mental que acompanha o processo de aplicação do direito no seu progredir de um escalão superior para um inferior.28 A existência de um enunciado normativo soluciona o problema no plano sintático, deixando em aberto o alcance semântico que lhe será conferido pelo intérprete, seja ele “autêntico”, na acepção kelseniana (Poder Judiciário), seja ele um indivíduo na busca de um sentido ao comando analisado.

A importância do processo interpretativo na definição da espécie normativa e seu conteúdo é inquestionável, podendo, como já referido, um mesmo enunciado ser utilizado como regra e como princípio, em contextos normativos e fáticos distintos. A definição encontra-se no plano do significado, estando dentro da esfera de atuação do operador do direito ou seu intérprete, como bem aponta Luis Prieto Sanchís:

Finalmente, en términos interpretativos la diferencia es también clara: el conflicto entre reglas se resolve de modo distinto a como se resuelve el conflicto entre principios. Pero nótese que aquí se viene a defender la existencia de una separación al precio de reconocer que no existe diferencia alguna antes del proceso interpretativo, más en concreto, antes

27 CARVALHO, Paulo de Barros. O direito positivo como sistema homogêneo de enunciados deônticos. Revista

de Direito Tributário, São Paulo, n. 45, jul./set. 1988, p. 35.

28 KELSEN, Hans. Teoria Pura do direito. Trad. de João Baptista Machado. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes,

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del conflicto entre normas. Pues, en efecto, recuérdese que un enunciado normativo pude operar bien como regla, bien como principio, con lo cual la distinción se traslada de la estructura de la norma a las técnicas de interpretación y justificación.29

Assim, saber se um enunciado deve ser encarado como regra ou como princípio depende do processo interpretativo, para o qual deverão ser verificadas não apenas as significações possíveis no círculo hermenêutico existente, mas também a mais adequada ao contexto no qual o enunciado será aplicado.

Mesmo assim, a certificação sintático-semântica de um princípio dentro de um determinado ordenamento não garante seu seguro reconhecimento, pois a linguagem não pode prescindir de sua porção pragmática. De nada adiantam direitos e garantias individuais inscritos na Carta Maior, se os órgãos aos quais compete efetivá- los não reafirmarem o alcance sintático-semântico inicialmente estabelecido.

É preciso considerar que, se a agressão a determinado enunciado, inicialmente identificado como princípio, prosperar − surtindo efeitos que se consolidam na esfera jurídica e que são absorvidos e chancelados pelo Judiciário −, ocorrerá uma alteração do significado inicialmente a ele atribuído dentro da comunidade jurídica, revelando a importância do campo pragmático na fixação do conteúdo deôntico normativo.30

29 SANCHÍS, Luis Pietro, op.cit., p. 60.

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Assim, se, como bem aponta Hart,31 a textura aberta das normas deixa aos tribunais um inquestionável poder de criação de direito, esse poder é potencializado quando estão em jogo normas identificadas por ele como princípios, dotadas de alta indeterminação e densidade normativa, que autorizam a aplicação da técnica de ponderação, afastando a aplicação de outro princípio ou, até mesmo, excepcionando uma regra. Ocorre que essa prerrogativa estendida ao aplicador do direito não é discricionária, nem permite arbitrariedades, pois considera o sentido a ela atribuído pela sociedade, ou grande parte dela. Daí a necessidade de fundamentação expressa da decisão judicial, justificando a utilização do critério da ponderação a partir das características normativas consideradas, como bem refere Luis Prieto Sanchís:

En la aplicación de principios, o sea, en la aplicación de cualquier norma bajo la técnica de los principios el juez asume un papel mucho más protagonista o creativo que en la aplicación de las reglas, según presentaba esta última doctrina tradicional, y de ahí la imperiosa necesidad de justificación, pues el ejercicio de ese poder, como dice Taruffo, solo es aceptable si el juez proporciona una justificación racional de las opciones adoptadas.32

2.4. NORMAS E REGRAS NO FLUXO DE POSITIVAÇÃO DO