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2. NORMA JURÍDICA, REGRA E PRINCÍPIOS

2.4. Normas e regras no fluxo de positivação do direito: da abstração à

Classificação dogmática de grande utilidade ao presente estudo é a que considera as normas jurídicas a partir de critérios que levam em conta a generalidade

31 HART, H. L. A. O conceito de direito. Trad. de A. Ribeiro Mendes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,

2007. p. 158.

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de sujeitos por elas atingidos e a abstração da circunstância descrita nos antecedentes normativos.33 A norma é geral se apanhar uma classe de sujeitos (qualquer um que atenda ao critério conotativo fixado). O atributo generalidade opõe-se à individualização, que sucede toda vez que a norma se volta para sujeitos certos e determinados.34 Enfim, como bem define Paulo de Barros Carvalho, costuma-se

referir a generalidade e a individualidade da norma ao quadro dos seus destinatários: geral (aquela que se dirige a um conjunto de sujeitos indeterminados quanto ao número) ou individual (a que se volta a certo indivíduo ou grupo identificado de pessoas).35

Uma norma tem um caráter individual se uma conduta única é individualmente obrigada – como o exemplo referido por Kelsen: a decisão judicial de que o ladrão Schulze deve ser posto na cadeia por um ano. Terá, por sua vez, caráter geral a norma que se dirige a sujeitos indeterminados, como a que prescreve que todos os ladrões devem ser condenados à prisão.36 Essa é também a posição de Tércio Sampaio Ferraz Júnior, para quem também é individual a norma contratual que discipline o acordo de vontade entre as partes. Nesse caso, embora múltiplo, o destinatário é plenamente identificado pela norma consensualmente construída.37

33 A respeito, vide: CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito: o construtivismo lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2009. p. 340 e segs.

34 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. 14. tir. São Paulo:

Malheiros, 2006. p. 26.

35 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 2. ed. São Paulo:

Saraiva, 1999. p. 33.

36 KELSEN,Hans. Teoria Geral das Normas. Trad.de José FlorentinoDuarte. Porto Alegre: Fabris, 1996. p.10. 37 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio, 2001, op.cit., p. 122.

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Norma abstrata é aquela que supõe situação reproduzível, ou seja, ação-tipo, como diz Norberto Bobbio.38 Seu contraponto é a norma concreta, que corresponde a uma situação única, prevista para só uma ocorrência. Abstração e concretude, portanto, dizem respeito ao modo como se toma o fato descrito no antecedente normativo. A tipificação de um conjunto de fatos realiza uma previsão abstrata, ao passo que a conduta especificada no espaço e no tempo dá caráter concreto ao comando jurídico normativo.39

Indispensável, para perfeita compreensão da questão, é a transcrição do pensamento de Bobbio, no qual se encontra amparada a distinção ora traçada:40

Assim, aconselhamos falar em normas gerais quando nos encontramos frente a normas que se dirigem a uma classe de pessoas; e em normas abstratas, quando nos encontramos frente a normas que regulam uma ação- tipo (ou uma classe de ações). Às normas gerais se contrapõem as que tem por destinatário um indivíduo singular, e sugerimos chamá-las de normas concretas.

A hipótese normativa tributária é uma norma jurídica geral e abstrata. É geral, porque seu prescritor fixa apenas o critério conotativo,41 segundo o qual é possível identificar uma classe de sujeitos determináveis que poderão, futuramente, integrar o

38 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. 2. ed. Bauru, SP: Edipro, 2003. p. 181. 39 CARVALHO, Paulo de Barros, 1996, op.cit., p. 33.

40BOBBIO, Norberto, op.cit., p. 181.

41 “O critério conotativo é também conhecido como designativo. A designação pode ser caracterizada como o conjunto de propriedades, a partir do qual é possível estabelecer quando um termo pode ser aplicado a uma classe de elementos. Quando empregamos palavras de classe, estamos agrupando várias coisas ou elementos sob um mesmo rótulo, a partir de certas características que lhes são comuns. Definir designativamente é formular um critério sobre as propriedades que permitem construir uma classe de objetos.” WARAT, Luis Alberto, op.cit., p. 56.

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polo passivo de uma relação jurídica tributária;42 é abstrata, uma vez que inexiste a singularização de situação específica qualquer, circunstância facilmente evidenciada quando se constata que a norma se dirige ao futuro.

Já o lançamento tributário constitui uma norma individual e concreta. É individual porque seu prescritor normativo contém uma relação jurídica entre dois sujeitos determinados e identificados, a qual deve denotar as características reclamadas pelo critério conotativo;43 é concreta porque a situação contida no descritor normativo revela um evento singular.44

As normas gerais e abstratas não têm condições de atuar em um caso materialmente definido, pois desencadeiam uma continuidade de regras que progridem para atingir o caso especificado.45 No consequente das normas individuais e concretas, encontra-se o enlace jurídico específico e determinado entre sujeito ativo e sujeito passivo, a partir do qual a obrigação jurídica passa a integrar o sistema prescritivo, enquanto realidade linguística socialmente relevante, conforme ensina Paulo de Barros Carvalho, com a simplicidade e a profundidade próprias dos grandes juristas:46

42 Tratando-se de Imposto sobre Veículos Automotores (IPVA), por exemplo, todos os proprietários de veículos. 43 Explicando a relação entre a designação (conotação) e a denotação, WARAT transcreve um exemplo

interessante: “Fazer rir, trabalhar em circo, fantasiar-se, constituem propriedades designativas do termo

palhaço. A classe de objetos à qual se pode aplicar um termo é a denominação do mesmo. Desta maneira, ‘Fifi, ‘Arrelia’, ‘Picolino’, são elementos integrantes da denotação do termo palhaço”. WARAT, Luis Alberto, op.cit., p. 55.

44 No exemplo anteriormente referido, a propriedade do veículo automotor X, em 2003, por Fulano de Tal. 45 CARVALHO, Paulo de Barros, 1999, op.cit.

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Desse modo, entendo que o crédito tributário só nasce com sua formalização, que é o ato de aplicação da regra-matriz de incidência. Formalizar o crédito significa verter em linguagem jurídica competente o fato e a respectiva relação tributária, objetivando o sujeito ativo, o sujeito passivo e o objeto da prestação, no bojo da norma individual e concreta. Essa é a configuração lingüística hábil para constituir fatos e relações jurídicas, sendo o veículo apropriado à sua introdução no ordenamento.

Cumpre assinalar que a formalização e conseqüente constituição do crédito tributário podem ser feitas tanto pela autoridade administrativa, por meio do lançamento (art. 142, do CTN), quanto pelo próprio contribuinte, em cumprimento a normas que prescrevem deveres instrumentais (art. 150, do CTN).

Como será analisado nos Capítulos seguintes, diversas são as formas chanceladas pelo ordenamento jurídico brasileiro para a constituição válida das obrigações jurídicas (crédito tributário e indébito tributário). Todas elas, independentemente do agente autorizado, funcionam como veículos introdutores de obrigações, concretas e exigíveis.