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5. PRINCÍPIOS TRIBUTÁRIOS

5.3. Segurança jurídica

A segurança jurídica não é uma questão específica do direito tributário, mas um problema do conjunto da ordem jurídica, na relação comunicativa que estabelece

120 Recurso extraordinário. 2. Medida provisória. Força de lei. 3. A Medida Provisória, tendo força de lei, é

instrumento idôneo para instituir e modificar tributos e contribuições sociais. Precedentes. 4. Agravo regimental a que se nega provimento (STF, Segunda Turma, AI 236.976, Rel. Min. Néri da Silveira, D.J.U. 24/09/99).

121 Vide, a respeito dos conceitos de existência, validade e eficácia, os interessantes apontamentos de Tácio

Lacerda Gama (GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo: Noeses, 2009. pp. 301-320). Ao analisar a validade das normas, Cristiano Carvalho alinha interessante classificação sob enfoque sintático, semântico e pragmático (CARVALHO, Cristiano. Ficções

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com os cidadãos e que permite a esses tomarem suas decisões com possibilidade de previsão das respectivas consequências. É, ainda, uma condição do que se propugna como normal funcionamento da economia, já que a realização de investimentos e de novos negócios pelos agentes econômicos assenta no pressuposto de manutenção de certa ordem, dotada de regras claras de jogo. Aquilo que temos de específico no direito tributário é apenas uma manifestação mais intensa dessa necessidade, apenas porque é também mais intensa a intromissão operada nesse ramos do direito na vida das pessoas e das empresas.122

A Constituição Federal, no caput dos arts. 5º e 6º, reconhece a segurança como um direito a ser tutelado.123 Associada comumente à integridade física, o conceito de segurança possui um espectro muito maior, que parte, inexoravelmente, da segurança jurídica. A segurança jurídica configura pressuposto inerente ao Estado de Direito, que não pode ser afastado, sob pena de retirar a eficácia social do próprio ordenamento jurídico.

Essa a razão pela qual o Tribunal Constitucional Alemão entende que, entre os elementos fundamentais que configuram o Estado de Direito, há de ser incluída a segurança jurídica. O cidadão deve ter condições de poder prever as possíveis intervenções do Estado sobre as pessoas, para poder se preparar convenientemente.

122 SANCHES, J. L. Saldanha. Manual do Direito Fiscal. Coimbra: Ed. Coimbra, 2007. p. 169.

123 Confirmando esse entendimento, transcreve-se o trecho do voto proferido pelo Min. Celso de Mello no RE

377.457: não se desconhece que, na cláusula que contempla o direito à segurança, inclui-se a positivação da

segurança jurídica, sob pena de ignorar, com grave lesão aos cidadãos, o atributo da previsibilidade das ações estatais, que norteia e estimula a adoção de padrões de comportamento por parte das pessoas em geral (e dos contribuintes em particular).

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Deve, ainda, confiar que seu comportamento, de acordo com o direito vigente, seguirá sendo reconhecido pelo ordenamento jurídico com todos os efeitos jurídicos existentes quando da ocorrência do fato considerado juridicamente relevante. Para o cidadão, segurança jurídica significa, primeiro e fundamentalmente, a proteção de sua

confiança. Assim, o agravamento da situação jurídica de um contribuinte pressupõe a

violação do Princípio da Segurança Jurídica.124

Da mesma forma, os regimes jurídicos aplicáveis aos contribuintes deverão ser aqueles com os quais seus destinatários podiam razoavelmente contar, tendo em face deles estabelecido seus planos e realizado suas opções. Em homenagem à segurança jurídica, a norma nova não deverá se aplicar às relações constituídas no domínio da norma anterior, pois, de outro modo, todas as razoáveis expectativas sobre as consequências das opções dos membros de uma sociedade seriam defraudadas.125

Afirmar que a segurança jurídica viabiliza o próprio Estado de Direito importa compreender que ela está diretamente ligada à confiança dos cidadãos no respeito, pelas instituições encarregadas pela inserção e definição das obrigações tributárias (Legislativo, Executivo e Judiciário), dos significantes e significados vigentes durante a ocorrência de cada fato jurídico tributário. O transcurso do tempo

124 BVerfGE 7, 129, 152; 11, 64, 72. 125 MARTÍNEZ, Soares, op.cit., pp. 152-153.

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juridicamente positivado estabiliza – para certos efeitos e relações jurídicas – a possibilidade de alteração semântica e sintática do ordenamento.

A estabilização sintática ocorre, por exemplo, com o transcurso do tempo dentro do qual deveriam ter sido praticados atos pelo sujeito ativo tributário, ligados tanto à constituição de relações jurídicas tributárias (prazo decadencial126), como à possibilidade de deflagrar reflexos patrimoniais a partir de relações já constituídas, mediante expropriação (prazo prescricional). Do mesmo modo, o sentido de um evento passado adquire contorno próprio, decorrente do significado vigente atribuído à lei ao qual foi subsumido, tornando-se imune às alterações atribuídas por lei posterior.127

Sob uma perspectiva temporal, a segurança jurídica - no direito tributário - projeta seus vetores para o passado e para o futuro, a partir das seguintes perspectivas: intangibilidade do passado e previsibilidade do futuro. Essa função pode ser demonstrada a partir da seguinte representação gráfica:

PASSADO

PRESENTE

FUTURO

intangibilidade previsibilidade

126 CTN, art, 150, § 4º e art. 173, I.

127 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Segurança jurídica, coisa julgada e justiça. Revista do Instituto de

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O raciocínio representado acima esquematiza a posição adotada pela doutrina alemã128, que, ao analisar os princípios que condicionam o exercício da válida imposição tributária, afirma que a retroatividade da lei tributária é incompatível com a defesa da confiança e da segurança jurídica, elementos essenciais ao Estado de Direito. O pensamento deriva dos ensinamentos de Adam Smith, economista que, já em 1776, na segunda parte do Livro V de Investigação sobre a natureza e causa da

riqueza das nações, considerava a incerteza e a insegurança dos contribuintes diante

de suas obrigações fiscais como problemas graves, piores do que a própria desigualdade contributiva:

El impuesto que cada individuo está obligado a pagar debe ser cierto y no arbitrario. El tiempo de su cobro, la forma de pago, la cantidad adeudada, todo debe ser claro y preciso, lo mismo para el contribuyente que para cualquier otra persona. Donde ocurra lo contrario resultará que cualquier persona sujeta a la obligación de contribuir estará más o menos sujeta a la férula del recaudador, quien puede muy bien agravar la situación contributiva en caso de malquerencia, o bien lograr ciertas dádivas mediante amenazas. La incertidumbre de la contribución da pábulo al abuso y favorece la corrupción de ciertas gentes que son impopulares por la naturaleza misma de sus cargos, aun cuando no incurran en corrupción y abuso. La certeza de lo que cada individuo tiene obligación de pagar es cuestión de tanta importancia, a nuestro modo de ver, que aun una desigualdad considerable en el modo de contribuir, no acarrea un mal tan grande – según la experiencia de muchas naciones – como la más leve incertidumbre en lo que se ha de pagar.129

128 NEUMARK, Fritz. Principios de la imposición. Madrid: Instituto de Estudios Fiscales, 1974. pp. 410 e 432. 129 Destaque nosso. SMITH, Adam. Investigación sobre la naturaleza y causas de La riqueza de las naciones.

Trad. ao espanhol de Gabriel Franco. 2. ed., 9. reimpressão. México: Fondo de Cultura Económica, 1997. livro V: “De los ingresos del Soberano o de La República”, cap. II: “Sobre las fuentes donde proceden los ingresos públicos y generales de la sociedad”, parte II: “De los impuestos”, parágrafo II: “Certidumbre”. p. 727.

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A ideia de previsibilidade constitui ponto chave de um sistema tributário erigido sobre a segurança jurídica, pois ela pode ser identificada como a certeza dos contribuintes sobre as consequências jurídicas decorrentes dos seus atos, no campo fiscal. Essa certeza corresponde à chamada univocidade de resultados – eindeutiges

Ergebnis – e funciona, conforme demonstrou César García Novoa,130 como limitador

aos atos de aplicação da legislação tributária, pela Administração e pelos Tribunais, ponto que será abordado adiante.

As expectativas e a incerteza quanto ao modo de tributação ou quanto ao nível das exações fiscais afetam as decisões de investimento e as decisões de consumo. Por isso, pode-se afirmar, considerando o ordenamento jurídico como um todo, que a perspectiva de continuidade, fornecendo um grau superior de segurança jurídica, favorece a racionalidade das decisões que exigem uma lei previsível. A mudança retroativa cria a impossibilidade de previsão, ao aplicar uma lei nova a um fato total ou parcialmente verificado.131

Nesse contexto, o Tribunal Constitucional Alemão já se pronunciou, reconhecendo que a proibição à eficácia retroativa das leis tributárias deriva do Princípio da Proteção da Confiança, em harmonia com o Princípio do Estado de Direito.132 Segundo o BVerfG, do Princípio da Segurança jurídica (subprincípio do Estado Democrático de Direito) decorre a proibição da retroatividade de leis que

130 NOVOA, César García, 2000, op.cit., p. 113. 131SANCHES, J. L. Saldanha, op.cit., pp. 186-187.

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impõem gravames. Assim, as leis que criam tributos retroativamente são ilegítimas, pois vão de encontro à proteção da confiança no ordenamento jurídico tributário vigente. As leis, ao contrário, devem dar condições necessárias para que os contribuintes possam planejar seus comportamentos com antecedência.133

As observações contidas no parágrafo anterior ganham ainda maior relevância quando se observa que cumpre aos contribuintes, na grande maioria dos casos, a constituição do crédito tributário mediante a figura do autolançamento, que imputa a eles o ônus de interpretação e aplicação, num primeiro momento, da regra tributária.

Como argutamente refere Carrazza, quando o Poder Legislativo baixa leis retroativas, altera as condições básicas do Estado de Direito, quebrando, irremediavelmente, a confiança que as pessoas devem ter no Poder Público. Com efeito, elas já não têm segurança, pois ficam à mercê não só do Direito vigente (o que é normal), mas, também, de futuras e imprevisíveis decisões políticas, que se podem traduzir em regras retroativas. Se isso acontece, o Estado de Direito soçobra.134 Entende-se, dessa forma, como bem apontou o Tribunal Federal de Finanças na Alemanha, que o cidadão deve, em suas disposições, poder tomar por base que o direito legalmente posto desencadeia, em seu âmbito temporal de validade, as consequências jurídicas positivadas.

133 Ibid., p. 342.

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