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5. PRINCÍPIOS TRIBUTÁRIOS

5.4. Irretroatividade

5.4.3 Irretroatividade da norma tributária

Tanto a palavra utilizada para definir algum aspecto essencial da obrigação jurídica pode ser alterada (suprimida, por exemplo), como o significado atribuído a essa palavra – que constitui o que se denomina norma jurídica – pode sofrer alterações a partir de manifestações de órgãos competentes, que modificam o alcance dessa

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expressão e, consequentemente, o espectro da norma jurídica. A primeira alteração ocorre no plano sintático. Ela é drástica, porque interfere no objeto que será submetido à interpretação do aplicador ou intérprete, razão pela qual está adstrita ao Poder Legislativo.

A segunda alteração está no plano do significado. Essa abordagem é importante, porque quebra o raciocínio nascido com a Escola da Exegese após a Revolução Francesa e que perdura até hoje, o qual desconsidera a atividade construtiva do intérprete, em virtude da supervalorização do mito da legalidade e do legislador onipotente.

O reconhecimento de que o contorno da obrigação jurídica é definido e relativamente estabilizado pelos atos de aplicação que atuam no plano do significado não é nova. Hans Kelsen,155 ao analisar a interpretação autêntica do direito, afirmava que, além do significado usual atribuído a essa expressão (interpretação de caráter geral, produzida pela fonte produtora de leis ou tratados internacionais), ela deve ser utilizada, também, nas aplicações do direito realizadas em casos concretos, através de normas individuais. Nesses casos, segundo o jurista, a interpretação nasce de um ato de vontade, a partir do qual o órgão aplicador, ao escolher entre as interpretações cognoscitivas156 aceitas ou existentes, cria o direito, após o trânsito em julgado.

155KELSEN, Hans, 1987, op.cit., pp. 368-369. 156 Dogmáticas.

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Com o passar do tempo e a evolução dos estudos, verificou-se que a escolha do significado pelo aplicador vai achatando e modificando a própria moldura preexistente, através de um sistema de retroalimentação, que faz com que o direito seja um sistema semanticamente vivo.

Assim, a opção exercida pelo órgão aplicador inequivocamente reduz drasticamente a moldura semântica desenhada pela doutrina, afastando algumas ou diversas hipóteses de interpretação existentes. Sobre esse ponto, Ricardo A. Guibourg,157 estribado na lição de Kelsen, ao analisar a importante função desenvolvida pelos juízes, afirma: “verdaderos creadores de normas individuales, sus

decisiones no son meramente declaratorias, sino constitutivas, tanto cuanto a los hechos que examinan, como el referente al derecho que aplican”.

A importância da função criadora desempenhada pelo Judiciário é reiterada pelo jurista argentino, ao afirmar que, para o direito, nenhum fato existe antes da sua declaração pelo juiz. É depois da decisão do magistrado que o fato se torna indiscutível, porque sua existência jurídica não se funde numa realidade interpretada por cada um a seu modo, mas decorre da própria sentença, fruto e expressão de um entendimento sobre fato e sobre direito.158

157 GUIBOURG, Ricardo A. Derecho, sistema y realidad. Buenos Aires: Editorial Astrea, 1986. p. 18. A

respeito da função de enunciação normativa exercida pelos juízes, vide: MOUSSALEM, Tárek Moysés. Fontes

do direito tributário. São Paulo: Max Limonad, 2001. pp 160-162.

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Nesse contexto, é importante repisar a premissa que pauta a abordagem realizada no presente estudo: os contornos da obrigação tributária são definidos pelo legislador no plano sintático e pelo intérprete no plano do significado. É no plano do significado que nasce a norma jurídica, e é através da interpretação que são fixados de maneira mais clara os contornos da conduta efetivamente esperada do sujeito passivo.

No direito tributário, seja em função da proliferação normativa hoje existente, seja em função da própria indeterminação da linguagem, a incerteza gerada pelos comandos tributários é estabilizada, num primeiro momento, pelos órgãos fazendários que, através de soluções de consulta e atos declaratórios, definem o significado dos termos e expressões utilizados pelo legislador.

Num segundo e derradeiro momento, o significado pode ser redefinido pelo Poder Judiciário, pressupondo-se controvérsia e antagonismo entre a interpretação fazendária e a defendida pelos contribuintes.

É importante erradicar o vício de se restringir o Princípio da Irretroatividade a uma limitação imposta exclusivamente ao legislador. O Princípio da Irretroatividade aplica-se à totalidade das fontes de formação do Direito, subordinando tanto as alterações sintáticas provocadas nos enunciados prescritivos objeto de interpretação (leis, Constituição), como à modificação da norma jurídica em sentido estrito, ou seja,

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à modificação de uma interpretação já estabilizada e digna de confiança tutelável juridicamente. Como bem anota J. L. Saldanha Sanches:159

Podemos também deparar com mudanças no ordenamento tributário que resultam de formas temporalmente diversas de aplicar a mesma norma:160

a lei é a mesma, são as suas interpretações que vão se tornando diferentes com a utilização de novas interpretações correctivas ou de alargamentos do significado de certos textos legais, por se ter verificado uma mudança de concepções – mudanças doutrinárias ou mudanças jurisprudenciais, ambas com possíveis repercussões nas orientações administrativas

Como se verifica, tanto as decisões proferidas pelo Poder Judiciário no campo tributário (normas judiciais tributárias) como os atos e decisões do Poder Executivo estão regidos e submetidos ao Princípio da Irretroatividade. Somente assim a segurança jurídica e a proteção da confiança, como valores elementares do Estado Democrático de Direito, podem ser asseguradas. Ao contrário do que se supõe, somente assim é que a igualdade e a evolução do direito se tornam possíveis,161

erigidas sobre uma base de confiança.

A relevância da estabilidade das interpretações adotadas pelo Poder Executivo e pelo Poder Judiciário, embora apresentem inquestionáveis peculiaridades que serão adiante abordadas, têm uma origem comum, que decorre do estado de direito. Afinal, “seguridad jurídica y confianza se ven perjudicadas cuando no es el legislador sino

otros poderes públicos (ejecutivo, judicial), mediante su aplicación de la ley, los que

159 GUIBOURG, Ricardo A, op.cit., p. 180.

160 Considerando a distinção traçada no presente estudo, a expressão “norma” corresponde a “significado”, ao

passo que o jurista português a utiliza para “significante”, nessa transcrição.

161 DERZI, Misabel Abreu Machado. A irretroatividade do direito no direito tributário. In: MELLO, Celso

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endurecen una situación jurídica retroactivamente.”162 Esclarecendo esse ponto,

Tipke complementa:

Realmente, la prohibición de retroactividad incide, ante determinados presupuestos, no solo en la acción del legislador sino también en cualquier acto de la administración con eficacia retroactiva e imprevista. Los límites y los principios que vinculan al legislador afectan del mismo modo a la administración y a los órganos jurisdiccionales, ya que la situación jurídica en que el contribuyente deposita su confianza no está condicionada por el mero texto de la ley, sino también por la forma como la administración y los órganos jurisdiccionales la apliquen, si es o no correcta. A la hora de aplicar es necesario considerar, como regla general, que se debe decidir de manera que no se incline en forma desfavorable al contribuyente, según los criterios de interpretación que han guiado su propio comportamiento.163

A importância de uma jurisprudência consolidada e sua função geradora de certeza e segurança entre os cidadãos é destacada não só por doutrinadores que integram países que adotam o sistema do stare decisis, como pela doutrina que segue o modelo continental.164 O seguimento de uma jurisprudência definitiva ou uníssona

incentiva os cidadãos a adequarem suas condutas a elas, revelando e consolidando os critérios que devem ser adotados pelas partes na resolução dos seus conflitos.

A Administração e o Poder Judiciário não podem tratar os casos que estão no passado de modo que se desviem da prática até então utilizada, na qual o contribuinte tenha depositado sua confiança.165 Isso absolutamente não significa que a

162 TIPKE, Klaus. La retroactividad en el derecho tributario. In: AMATUCCI, Andrea, op.cit., p. 350. 163 Ibid., p. 351.

164 TEIJERO, O. G, op.cit., pp. 5-8.

165 Autor cita BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. Rio de Janeiro: Forense,

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jurisprudência (administrativa ou judicial) não possa ser alterada, mas, apenas, que, uma vez alterada, só pode alcançar os casos futuros.166

O maior beneficiado com o respeito à irretroatividade das normas judiciais e administrativas tributárias é o próprio Estado, que ganha credibilidade e confiança dos contribuintes e investidores.

Os cidadãos têm de poder confiar na interpretação da lei realizada pelos órgãos aplicadores da lei. Tércio Sampaio Ferraz Jr.,167 ao abordar a importância do aspecto pragmático na relação comunicacional e sua relevância ao estudo do direito, afirma que um comando qualquer, como “faça isso” ou “não faça aquilo”, pode ser bipartido em relato e cometimento. Para explicar sucintamente cada relação, realiza-se uma breve incursão nos motivos que podem levar um indivíduo ao desrespeito desse comando.

Numa primeira hipótese, o destinatário desse comando não reconhece autoridade a quem está proferindo o comando, razão pela qual as determinações não precisam ser seguidas. Temos, nesse caso, uma contestação ligada à fonte produtora dos comandos. Um problema na relação de cometimento (relação autoridade/sujeito). Na segunda hipótese, o destinatário deixa de adotar a conduta prescrita, embora reconheça a autoridade de quem a está afirmando. Isso pode decorrer em função da discordância quanto ao conteúdo do relato, que é o comando em si.

166 CARRAZZA, Roque Antônio, op.cit., p. 317.

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Essas observações servem para ressaltar a importância da credibilidade conferida pelos cidadãos aos comandos, normas proferidas tanto no âmbito legislativo, como no âmbito judicial. Sua instabilidade e a alteração retroativa fazem com que nasça, na sociedade, um questionamento acerca da própria autoridade atribuída aos órgãos aplicadores da lei.

A razão é simples e óbvia: se não existe certeza de que a norma, tal qual interpretada hoje, manterá, no futuro, o mesmo significado sobre os fatos ocorridos, a função referencial do direito é perdida, circunstância que pode acarretar uma crise institucional de confiança, de relevante importância. Essa circunstância deve ser considerada por quem se propõe a enfrentar o presente tema.

5.4.3.1 Irretroatividade das normas administrativas

Os problemas ligados à retroatividade podem encontrar-se em lugares insuspeitos, como é o caso da lei, já em vigor à época do evento tributário, cuja aplicação constitui uma decisão inesperada, que tem por base nova interpretação por parte da Administração. Também nesses casos há forte lesão à segurança jurídica, razão pela qual todas as alterações interpretativas dotadas de caráter retroativo, sejam elas justificadas ou não, ferem legítimas expectativas dos contribuintes.

Grande parte dos tributos integrantes do ordenamento tributário brasileiro está sujeita ao lançamento por homologação. Nessa forma de constituição do crédito

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tributário, o papel definidor da relação jurídica tributária é atribuído ao sujeito passivo. É ele que, interpretando os enunciados existentes, construirá a obrigação tributária, sujeita à revisão pela Administração. Nesses casos, a importância da estabilidade semântica do ordenamento é ainda maior.

J. L. Saldanha Sanches, comentando esse aspecto comum ao sistema português – substituição da constituição do crédito tributário via lançamento de ofício, pelo autolançamento – ressalta que, nesse contexto, a obtenção da segurança jurídica constitui um imperativo ainda maior do que nos tempos em que uma Administração encaminhava o sujeito passivo ao longo dos caminhos tradicionais do lançamento de da liquidação. A obtenção da segurança jurídica exige, consequentemente, a existência de mecanismos que reduzam a incerteza e permitam a aplicação, ao menos nos casos centrais, que são a maioria, de normas com um grau razoável de certeza jurídica. Ora, obter certeza e segurança jurídica na grande maioria das decisões fiscais – uma vez que os casos de litígio e incerteza, mesmo quando mais numerosos do que seria desejável, são claramente excepcionais – implica levar em conta o caráter de massa do processo fiscal, caráter esse que exige a definição de largas áreas de consenso e a obtenção de segurança jurídica pela aplicação frequente e reiterada de certas normas a certos casos, reduzindo assim a zona de incerteza.168

Uma das formas pelas quais a zona de incerteza é reduzida decorre do que a dogmática alemã denomina “normas do caso”. Elas podem ser definidas como uma

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aplicação reiterada das regras jurídicas feita pelos contribuintes e tacitamente aceitas pela Administração, gerando, assim, “normas de aceitação”. O processo permite a sedimentação pragmática de conceitos indeterminados, e a obtenção de larga margem de consenso e segurança.169 O conceito de “normas do caso” subsume-se perfeitamente à prescrição contida no art. 100, III, do Código Tributário Nacional – práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas – mas sua função é desempenhada, também, pelos demais atos prescritivos e descritivos elencados pelos outros incisos do art. 100, abaixo transcrito:

Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos:

I - os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas; II - as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa;

III - as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas;

IV - os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

Parágrafo único. A observância das normas referidas neste artigo exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo.

O balizamento fornecido por essas normas do caso concreto como conceito mínimo reconhecido pela Administração possui crucial importância na proteção da segurança jurídica. Servem como limite mínimo de segurança ao planejamento das atividades exercidas pelo contribuinte e limite máximo de atuação da Administração.

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Embora desnecessária, a previsão contida no art. 105 do Digesto Tributário reafirma que a aplicação da Irretroatividade não está adstrita à lei, em sentido estrito, mas a toda a legislação tributária, expressão que engloba os atos normativos produzidos pela Administração, expressamente referidos pelo art. 100, acima transcrito.

Reafirmando o conteúdo do art. 105, o art. 103, do Código Tributário Nacional, prescreve, também, que os atos administrativos expedidos pela autoridade administrativa entrem em vigor na data de sua publicação (inciso I), salvo disposição em contrário, e as decisões, apenas trinta dias após sua publicação (inciso II). Isso significa que, em determinados casos, quando a alteração da interpretação de uma lei levada a cabo por determinada instrução normativa implicar aumento de carga tributária, sua aplicação será não apenas irretroativa, como também de acordo com o Princípio da Anterioridade. A respeito desse tema, destaca-se o importante precedente abaixo transcrito:

TRIBUTÁRIO. INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 20/90. APLICAÇÃO RETROATIVA. IMPOSSIBILIDADE.

1. O regime jurídico da lei tributária e sua eficácia temporal encarta-se na regra mater de que a legislação tributária, conceito mais amplo do que lei fiscal, aplica-se aos fatos geradores futuros e pendentes, nunca pretéritos (art. 105 do CTN). Em consequência, há retroação apenas da lex mitior, naquelas hipóteses legalmente previstas.

"A IN-SRF n. 20, de 21.02.90, que revogou a IN n. 198, de 29.12.1988, alterou o cálculo do lucro da exploração, sobre o qual incide o imposto de renda ao estabelecer que deverá ser apurado o lucro após a dedução da contribuição social.O fato gerador do imposto de renda é complexivo, e se consumou ao final do ano-base de 1989. Não se pode admitir que a

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Instrução Normativa n. 20, de 21 de fevereiro de 1990, retroaja para impor gravame ao contribuinte. Se existia critério para apuração do lucro de exploração em 31.12.1989, este deverá prevalecer, já que o lançamento do imposto remete-se à legislação vigente quando da ocorrência do fato gerador, nos termos do artigo 144 do CTN."

2. Editada após a ocorrência do fato gerador do Imposto de Renda referente ao ano-base de 1989, exercício de 1990, a Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal nº 20/90, não ostenta a mesma o condão de retroagir, estabelecendo novos critérios de apuração do lucro da exploração, menos benéficos que aqueles previstos no diploma legal então vigente.

3. A contribuição social devida pelas empresas e calculada com base no lucro, referente ao ano de 1989 deve reportar-se ao fato gerador ocorrido neste mesmo período ânuo, apurado em dezembro, quando então encontrava-se vigente a IN 198/88.

4. Isto porque o princípio da anterioridade da lei tributária aplica-se às normas em sentido amplo, incluindo as instruções normativas, que são normas complementares à legislação tributária, a teor do que preceitua o artigo 100, I, do CTN. A Instrução Normativa nº 20/90 aumentou a carga tributária, pois alterou a forma de cálculo do imposto de renda da pessoa jurídica e da contribuição social sobre o lucro. Destarte, não pode ser aplicada, em face do princípio da anterioridade, para modificar a forma de cálculo do imposto de renda do ano-base de 1989.

5. Destarte a Lei 7689/89 e a IN/SRF nº 20 não dispõem sobre a mesma modalidade tributária; isto porque o texto da Instrução Normativa revela que esta "dispõe sobre o lucro da exploração" e foi editada "tendo em vista o disposto no item II do art. 1º da Lei 7988/88".

Por sua vez, a Lei 7988/89, art. 1º, II, prescreve que "o lucro decorrente de exportações incentivadas não será excluído da base de cálculo da contribuição social, de que trata a Lei 7689/88".

6. "Editada depois do fato gerador do imposto de renda, a IN nº 20/90 não poderia retroagir, estabelecendo novos critérios de apuração do lucro da exploração realizada em conformidade com instrução anterior e vigente à época da referida apuração. Não se há de confundir lucro da exploração,

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estabelecido em legislação específica, com lucro da exportação incentivada revogado pela Lei 7.988/89." (RESP 188.950-BA, Rel. Min Peçanha Martins).

7. Embargos de Divergência rejeitados.170

Da mesma forma, José Osvaldo Casás afirma que, “conforme una

jurisprudencia consolidada de la Corte Suprema de Justicia de la Nación, los cambios de criterio interpretativo que pudieran adoptar los organismos fiscales no pueden ser aplicados con efecto retroactivo”.171

Os efeitos decorrentes da alteração da interpretação da lei pela Administração constituem tema que sempre causou muita apreensão aos contribuintes, esteja essa mudança (i) materializada numa norma geral e abstrata – como uma instrução normativa, por exemplo – que explicitamente anuncia uma nova norma vislumbrada pela Administração, a partir de uma releitura do enunciado legal interpretado, ou (ii) seja essa alteração o reflexo de uma nova convicção, manifestada através de uma guinada nos critérios utilizados para solução de casos individuais, como pedidos de consulta e processos de fiscalização.

O choque entre a Legalidade e a Segurança Jurídica, muitas vezes apontado como existente nesses casos, não passa de um simulacro, uma vez que a Segurança Jurídica e a Legalidade podem e devem ser perfeitamente conjugadas nesses casos.

170 STJ, Primeira Seção, Embargos de Divergência no Recurso Especial 326.810, Rel. Min. Luiz Fux, D.J.U.

04/10/04.

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Em primeiro lugar, é preciso repisar que a lei constitui o ponto de partida, e não o ocaso do processo interpretativo, ou seja, lei é lei interpretada. Sempre que seu conteúdo, já cristalizado, é alterado, ocorre uma alteração da norma jurídica, modificando a obrigação jurídica reputada existente pelo sujeito passivo da relação jurídica tributária. Essa reconstrução significativa é dotada de extrema relevância e, por constituir um novo paradigma, não pode ser aplicada aos casos anteriores ao seu surgimento, sob pena de manifesta afronta ao Princípio da Segurança Jurídica e da Confiança.

Otto Bachof, relatando que poucos temas têm despertado maior interesse na doutrina de jurisprudência, conclui que o próprio princípio do anulamento dos atos administrativos foi substituído pelo da impossibilidade do anulamento, em homenagem à boa-fé e segurança jurídica. Segundo o jurista, a prevalência do Princípio da Legalidade sobre o da proteção da confiança jurídica só se dá quando há vantagem obtida pelo destinatário por meios ilícitos por ele utilizados.172

Embora fosse despiciendo – uma vez que o respeito à irretroatividade das novas interpretações que agravam a situação jurídica do contribuinte é corolário das limitações contidas na Constituição Federal –, o legislador federal, procurando dar maior concretude e reforçar a determinação desse comando constitucional nos

172 BACHOF, Otto. Verfassungsrecht, Verwaltungsrecht, Verfahrensrecht in der Rechtsprechung des

Bundesverwaltungsgerichts.Tübingen, 1966, 3. Auflage, vol. I, p. 257 e segs.; vol II, 1967, p. 339 e segs. apud COUTO E SILVA, Almiro do, op.cit., pp. 21-22.

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procedimentos administrativos federais, inseriu, no art. 2º, Parágrafo Único, inciso XIII, da Lei 9.784/99, o dispositivo abaixo transcrito:

Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios