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1. Trajetórias pessoais no samba de Cachoeira

1.3. Profissionais do samba

1.3.3. Jaime – o exemplo

Jaime (Jaime Cerqueira Pires) é um sambador que nasceu em 1996 e cresceu no bairro da Ladeira da Cadeia. Mesmo que jovem, Jaime já é muito respeitado e querido entre os sambadores mais velhos, seja por seu compromisso e responsabilidade nos grupos em que atua, seja pela qualidade técnica fora da média

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que demonstra nos instrumentos de corda. É sobrinho de seu Nascimento e desde os oito anos de idade já frequentava os ensaios da Esmola Cantada na companhia do tio. No grupo, Jaime começou no timbal e passou por outros instrumentos de percussão até chegar nas cordas, onde encontrou sua vocação, especialmente no cavaquinho. Nas cordas também encontrou a parceria com Ramón, outro sambador de sua geração muito respeitado entre os mais velhos. Ramón e Jaime cresceram no mesmo grupo e, posteriormente, passaram a tocar juntos em outros grupos de samba de roda e também de pagode e arrocha.

Depois de alguns anos ensaiando no Esmola Cantada, Jaime ganhou um ukulele da presidente do grupo, Meire de Cacai, e o afinou como cavaquinho. Como foi evoluindo no instrumento, logo seu tio lhe presenteou com um cavaquinho. Jaime aprendeu o instrumento olhando os mais velhos tocarem - especialmente Deraldo no Esmola Cantada e Ferrolho no Samba de Roda de Dona Dalva. Ele conta que raramente algum sambador antigo sentava com ele para lhe ensinar porque eles não gostavam de passar o que sabiam diretamente. No entanto, eles permitiam que ele olhasse e fosse copiando e, na medida que se mostrasse capaz disso, iam se tornando mais abertos às perguntas do menino. Hoje em dia, Jaime complementa seus estudos de cavaquinho com as aulas e dicas que encontra em vídeos e tutoriais da internet, assim como “tira músicas de ouvido”. Com o tempo, a fama de um menino que tocava cavaquinho muito bem foi se espalhando e Jaime passou por vários grupos da cidade, como o de Dona Dalva, o Filhos do Caquende, o Filhos da Barragem e o Filhos de Nagô. Um dos responsáveis por espalhar essa fama e por levar Jaime para outros grupos foi seu Pedro Galinha Morta, que reconheceu no menino a qualidade e responsabilidade que considera necessárias para um bom sambador.

Além dos grupos de samba de roda, Jaime e Ramón também foram convidados para tocar no grupo Morenos do Samba, organizado no bairro do Caquende por Wagner Cruz, que havia sido presidente do Filhos do Caquende em meados dos anos 2000. Após sair do Filhos do Caquende, Wagner fundou o Morenos do Samba, grupo com influência do samba, porém com um repertório já voltado para o pagode baiano25 e o partido alto26. Lá, Jaime tomou contato com um repertório que

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Na Bahia o pagode se refere a um tipo específico de samba que tem como expoentes alguns grupos soteropolitanos, como Gera Samba, É o Tchan e Harmonia do Samba. Para maiores informações, ver Lima (2016).

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explorava possibilidades harmônicas distintas daquelas dos barraventos e corridos27. O interesse pelo estudo da harmonia foi um dos motivos que levou Jaime a se dedicar aos grupos de outros repertórios, sem que, com isso, deixasse de tocar nos grupos de samba de roda. Ramón, seu companheiro nesse processo, acabou por comprar um teclado. Os dois amigos aprenderam juntos a tocar arrocha - Ramón no teclado e Jaime no violão - e convidaram mais alguns músicos para formarem o grupo Jeito Envolvente. Das apresentações com esse grupo, Jaime passou a ser percebido por outros músicos de arrocha e pagode da cidade - como Juninho Cachoeira -, que passaram a convidá-lo para tocar em suas apresentações.

Com isso, o jovem sambador começou a ser reconhecido como um profissional no circuito mais amplo da música de Cachoeira, ou seja, como um músico que poderia tocar qualquer repertório e não apenas samba. É importante ressaltar que, por melhor e mais respeitado que seja um sambador, isso não lhe garante reconhecimento entre músicos de outros repertórios, já que as habilidades específicas necessárias para tocar bem samba não são as mesmas que as do partido alto ou do arrocha, por exemplo. Até alguns anos atrás eram poucos os sambadores que quebravam essa barreira e se tornavam músicos reconhecidos em outros repertórios. Hoje isso é bastante comum entra os sambadores na faixa dos quinze aos trinta anos. Ou seja, salvo raras exceções – como seu Pedro Galinha Morta e Viana -, o trânsito de sambadores por grupos de outros repertórios é um fenômeno geracional e Jaime é um bom exemplo disso.

Em 2017 o pai de Jaime faleceu, o que o levou a se mudar para Salvador em busca de um trabalho formal, já que precisou ajudar a mãe a manter as despesas da casa e não estava conseguindo um emprego com carteira assinada em Cachoeira. Embora a sua atuação como músico lhe rendesse recursos financeiros, não alcançava para as necessidades básicas. Em Salvador passou a trabalhar como faxineiro em um edifício residencial e a tomar ainda mais contato com os gêneros musicais urbanos correlatos ao samba, especialmente o pagode. Mesmo morando em Salvador, contudo,

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O partido alto, no Recôncavo Baiano, é o equivalente ao que se chama de pagode no Sudeste do Brasil. Nesse sentido, cabem nesse rótulo desde Zeca Pagodinho e Fundo de Quintal, até grupos e artistas mais recentes, como Revelação e Péricles.

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Os barraventos e corridos têm como base as funções harmônicas básicas de tônica, subdominante e dominante em uma mesma tonalidade maior, Sol. No capítulo 6 discutirei mais a fundo essas questões musicológicas.

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as suas relações afetivas e musicais permaneceram em Cachoeira, levando ao retorno de Jaime à cidade em 2019.