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3 A EDUCAÇÃO, O BRINCAR E O JOGAR PARA A CRIANÇA

3.4 O JOGAR E AS INTERAÇÕES SOCIAIS

Em cada momento da vida, o ser humano está enfrentando desafios novos que são relevantes para o seu desenvolvimento. Esse processo de se desenvolver não acontece de forma isolada e sim de forma interacional, em que inúmeros fatores, tanto biológicos quanto sociais, interferem na formação do sujeito. Assim, Vigotski (2007) trouxe uma contribuição neste aspecto ao dizer que a pessoa se constitui como ser social e cultural a partir das relações que estabelecem com o outro através da mediação de símbolos e instrumentos culturais. Quando esse indivíduo nasce está em um meio cultural com várias significações sociais e historicamente produzidas que se transformam e se ressignificam entre eles em suas relações, representando motores no desenvolvimento.

Sendo assim, é possível perceber que a interação é muito importante para o desenvolvimento da criança que, conforme esse autor, constitui-se em um processo dialético no qual a pessoa modifica sua história e também é modificada por ela. A partir dessas interações entre diferentes sujeitos, estabelecem-se novas experiências e novos conceitos são aprendidos e ressignificados entre eles, além do aprimoramento das estruturas mentais existentes.

Essas estruturas mentais elementares se transformam em funções psicológicas superiores através da interação social, da participação do sujeito em situações coletivas e com intermédio da linguagem (VIGOTSKI, 2007). Essas funções se classificam em dois momentos: “primeiro no nível social e, depois, no nível individual; primeiro, entre pessoas (interpsicológica), e, depois, no interior da criança (intrapsicológica). Isso implica igualmente para a atenção voluntária, para a memória lógica e para formação de conceitos” (Ibidem, p. 58). Nessa perspectiva, esse autor destaca que o brincar representa um espaço privilegiado para se entender o processo constitutivo do indivíduo em que ocorrem trocas sociais, mediações e aprendizagens, levando-o a alcançar um patamar que não conseguiria sem o auxílio do outro que se refere à zona de desenvolvimento potencial (ZDP).

Na dimensão lúdica, o jogo também é relevante para os seres humanos. Nela, participam-se de situações com regras, trocam informações, coordenam esforços, tentam alcançar objetivos e resolvem situações-problemas. Dessa forma, no jogar há o estabelecimento de relações sociais pelo processo de socialização entre eles que favorecem também as interações entre os pares, e, de acordo com Kamii (2009), essas interações são relevantes para o

desenvolvimento da moral da criança, uma vez que ela está em situação de igualdade em relação a esses pares. Assim, “[...] a cooperação entre as crianças leva-as a construírem valores morais mais livremente do que a cooperação com os adultos” (KAMII, 2009, p. 42).

Ainda, segundo essa autora, as interações entre as crianças são importantes em virtude do ponto de vista delas ser similar à de uma outra do que o de um adulto e pelo fato de grande parte da vida social delas se passar com os seus colegas e não com os adultos. Além do mais, é imprescindível para o desenvolvimento intelectual.

As crianças aprendem muito mais em jogos do que em deveres e em uma variedade de atividades. E os jogos em grupos devem ser usados em sala de aula não pelo simples fato de fazê-las aprender a jogar, contudo para favorecer o desenvolvimento da habilidade de coordenar pontos de vistas (KAMII, 2009).

Por meio desses fatos, torna-se possível entender o grande papel do jogar na formação e no desenvolvimento do ser humano e, em especial, na educação infantil que, em alguns casos, é reprimido pelas instituições de ensino e pelos próprios pais. Ter jogos e não poder manuseá- los como também não jogar, porque vai se sujar ou se machucar, é uma maneira de imobilizar os movimentos das crianças e impedir o seu próprio desenvolvimento.

É importante que a atuação do educador seja orientada para a valorização do recurso do jogo e que esse favoreça o imaginário infantil e o processo de ensino-aprendizagem. Antes de o professor aplicar esse recurso, devem-se definir metas, prioridades, levar em conta a capacidade dos alunos e o tipo de conhecimento a ser construído. Logo, o ato educativo é uma ação consciente e planejada.

Confirmando essa preocupação na ação do professor, Muniz (2010, no prelo) relatou seis possibilidades para a mediação da aprendizagem por meio dos jogos:

a) jogo espontâneo: o professor concede que os alunos realizem o jogo sem a sua intervenção, ficando como observador do processo. Assim, é possível perceber qual conhecimento eles possuem e o potencial deles para aprender matemática;

b) metajogo: realiza-se um debate sobre o jogo espontâneo após a sua realização. O educador é o animador dessa conversa, sendo conduzida de forma oral e argumentativa, em que há uma reflexão das falas e do pensar sobre o jogo;

c) jogando na sala: o jogo espontâneo passa a ser realizado em uma situação escolar na qual o professor faz questionamentos sobre as ações realizadas pelas crianças como observador participante. Essas questões podem produzir reflexões sobre os processos operatórios utilizados pelo educando;

d) professor como jogador: o jogo espontâneo realizado no ambiente escolar tem a participação do educador como um dos jogadores que estabelece uma relação horizontal com os participantes, propondo regras e alterando a estrutura lúdica ao longo do jogo. Nessa posição, o professor consegue fazer questionamentos sobre os processos realizados durante essa atividade para a resolução de situações-problemas; e) adaptação do jogo tradicional com a inserção de conhecimentos: realiza-se uma adaptação do jogo, levando em conta os objetivos educacionais e assegurando a aprendizagem. O professor propõe o jogo, mas sem intervir no desenvolvimento dessa atividade, sendo um observador participante ou não;

f) o educador oferece e controla o jogo: é oferecido um jogo novo em razão de seus objetivos educacionais e há uma intervenção desse profissional para que se garanta o respeito das regras. Nesse caso, as crianças precisam aprender o jogo proposto para que ocorram aprendizagens obrigatórias que, geralmente, são matemáticas.

Conhecer as formas de mediação do professor durante o jogo e a relevância das interações entre os educandos permite sinalizar para a questão da aplicação de jogos com regras e, mais especificadamente, dos jogos cooperativos com as crianças pequenas, na qual o jogar é considerado algo sério e pode promover o trabalho em grupo que elas tanto gostam. Esses jogos poderão tanto propagar a cooperação quanto os conhecimentos científicos, dependendo da mediação e dos próprios processos de relações estabelecidos entre os participantes.

Os PCNs (BRASIL, 1997b) indicam que os jogos apresentam um aspecto relevante, o desafio genuíno, que motiva os educandos, gerando interesse e prazer. Dessa forma, é de grande relevância que o jogar esteja presente na cultura escolar, cabendo ao educador verificar e diagnosticar a potencialidade educativa dos diversos jogos e o aspecto do currículo que se almeja desenvolver.

Nessa investigação, o professor deve também considerar alguns aspectos do jogo, e em especial, a modalidade de jogos em grupo mencionados por Friedmann (1996): se ele oferece algo interessante e desafiador para as crianças, o jogo precisa favorecer que os participantes avaliem suas ações e que a participação de todos seja fundamental, pois “o contexto do jogo deve ser estimulante para a atividade mental da criança e, segundo suas capacidades, para a cooperação” (p. 75).

É fácil perceber que o jogar traz alegria e divertimento para o ambiente de sala de aula. Assim, o essencial é que o profissional saiba como utilizá-lo, com o propósito de se tornar um recurso educativo. E os jogos cooperativos podem vir a ser uma proposta relevante, pois

possuem um potencial educativo e preservam o desafio e o prazer. Isso pode ser visto no próximo capítulo.