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4 JOGOS COOPERATIVOS: A ARTE DE CONVIVER JUNTO

4.2 OS SIGNIFICADOS E AS CARACTERÍSTICAS DOS JOGOS

Após uma breve abordagem histórica, o que vem a ser esses jogos? De acordo com Barreto (2000, p. 1), os jogos cooperativos representam dinâmicas de grupo que buscam primeiramente provocar a consciência de cooperação e a negociação solidária, ou seja, evidenciar a cooperação como uma “alternativa possível e saudável no campo das relações sociais; em segundo lugar, promover efetivamente a cooperação entre as pessoas, na medida exata em que os jogos são eles próprios, experiências cooperativas”.

Nesse sentido, os jogos cooperativos se constituem de exercícios nos quais as pessoas vivenciam situações de cooperação e aprendem que cooperar implica em trabalhar junto, resolver problemas em conjunto, argumentar, negociar pontos de vistas e possibilidades divergentes e dividir responsabilidades. É, portanto, uma forma de estar com o outro e aproveitar o máximo dele para a melhoria da vida de todos, sem exceção. Contudo, sabe-se que os outros tipos de jogos ditos “não cooperativos” ou “competitivos” também favorecem a cooperação, a negociação e esses outros aspectos, mas as ações das pessoas são individuais

dentro do jogar que se diferenciam dessa visão do jogo destacado neste trabalho em que os sujeitos são inseridos em um ambiente de produção coletiva que suas ações também são coletivas. E tudo isso são reflexos dos cincos princípios básicos mencionados por Barreto (2000) sobre esses jogos:

a) inclusão: na atividade cooperativa, busca-se trabalhar com as pessoas, a fim de ampliar a participação e a responsabilidade delas durante o processo;

b) coletividade: refere-se às conquistas e aos ganhos alcançados coletivamente;

c) igualdade de direitos e deveres: na experiência cooperativa são asseguradas a participação e a responsabilidade de todos pela decisão e gestão;

d) desenvolvimento humano: o aprimoramento do ser humano é uma das metas dos jogos cooperativos;

e) processualidade: o processo é privilegiado na cooperação.

Orlick (1989) trouxe uma contribuição no assunto, afirmando que os jogos cooperativos são jogos em que os participantes cooperam entre si e todos ganham. Para alcançar esse objetivo, as pessoas precisam jogar umas com as outras e não contra as outras para superar um desafio. Nessa superação, a participação efetiva de todos torna-se muito importante. Dessa forma, é fácil identificar que esses jogos se caracterizam por apresentar metas coletivas em vez de metas individuais. Em consequência dessa proposta, a diversão e a união entre as pessoas passam a ser a finalidade principal do jogo em vez do ganhar ou perder.

Essa finalidade dos jogos cooperativos pode ser confirmada pelas ideias de Marcos Almeida (2011b, p. 37), ao dizer que eles representam uma atividade “[...] em que as regras não são o mais importante, o que importa de fato é o relacionamento, a criação coletiva e a integração entre os membros do jogo. As regras existem para ajudar o processo e não para provocar conflitos ou atitudes competitivas”. Todavia, é possível que ocorra embates e até conflitos entre os participantes em razão dos processos a serem desencadeados por esse exercício cooperativo.

Dentro dessa visão, os jogos cooperativos são jogos que visam unir as pessoas, despertam a coragem para assumir riscos sem se preocupar com o fracasso e o sucesso em si mesmo. Eles fortalecem a confiança pessoal e interpessoal, visto que perder e ganhar são apenas referências para o aperfeiçoamento contínuo de todos. Dessa forma, esses jogos possibilitam o envolvimento total e evidenciam sentimentos de aceitação e vontade de permanecer no jogo (ALMEIDA, 2011c; BROTTO, 1999, 2013).

Além dessas características, Orlick (2002) descreve que esses jogos possuem ideias libertadoras que são relevantes para o trabalho em grupo. Esses princípios também foram

citados nos trabalhos de Marcos Almeida (2011b), Brown (1994), Correia (2006, 2012) e Soler (2006) que são os seguintes:

a) libertam da competição: o objetivo é que todos trabalhem juntos para alcançar um propósito comum. Os participantes não se preocupam em perder ou ganhar; o fundamental é cooperar;

b) libertam da eliminação: a estrutura do jogo cooperativo propicia a integração de todos;

c) libertam para criar: a criação requer construção e, para essa construção, torna-se necessária a colaboração de todos. As regras do jogo são flexíveis e os participantes podem modificá-las de acordo com suas necessidades;

d) libertam da agressão física: busca-se eliminar as estruturas que exigem a agressão contra os outros.

Essas características indicam que a experiência cooperativa é um processo de interação e de socialização no qual o objetivo torna-se comum para se ultrapassar um obstáculo ou um desafio, o compartilhamento de tarefas passa a ser exercido e os benefícios são distribuídos a todos os sujeitos. Entretanto, nos dias de hoje, a maioria ainda não está acostumada com essa atividade cooperativa, sendo desafiadora, conflituosa, confusa e até desinteressante. Logo, “não podemos esperar que os jogos cooperativos sejam incorporados e aceitos de pronto ou de imediato” (CORREIA, 2006, p. 155). Contudo, não há a necessidade de preocupação, porque a cooperação pode ser exercitada por diversas formas e em diferentes graus, conforme Orlick (1989) propôs em sua divisão dos jogos cooperativo em categorias:

a) jogos cooperativos sem perdedores: todas as pessoas jogam juntas, formando um grande time com a finalidade de superar um desafio em comum. Neste esforço coletivo, é também um fator de estímulo para que o grupo aprimore suas habilidades de comunicação, persistência e resolução de conflitos, entre outras. Há alto grau de cooperação, envolvimento ativo e diversão para todos;

b) jogos de resultado coletivo: são formados duas ou mais equipes que trabalham juntas para realizar metas e estratégias comuns. Dentro de cada equipe, há a necessidade de alto grau de cooperação entre si e entre as outras também. Dessa forma, “esses jogos tendem a derrubar as barreiras tradicionais entre duas equipes que jogam uma contra a outra” (ORLICK, 1989, p. 126);

c) jogos de inversão: esses jogos dão ênfase na noção de interdependência através da troca de jogadores entre os times e da aproximação dessas pessoas. Assim, diminui

a preocupação exagerada com o resultado. Há vários tipos de inversão, dependendo do tipo de jogo e de suas regras. Por exemplo:

Rodízio: os jogadores trocam de times em determinados momentos. Inversão do goleador: o jogador que faz pontos muda de time. Inversão de placar: os pontos são marcados para o outro time.

Inversão total: tanto os pontos feitos quanto a pessoa que os fez passam para o outro time;

d) jogos semicooperativos: os times jogam uns contra os outros, entretanto não se dá grande relevância ao resultado, sendo sua ênfase no envolvimento e na diversão do grupo. Esses jogos possibilitam que os participantes joguem em diferentes posições de acordo com suas possibilidades, como, por exemplo:

Todos jogam: busca-se manter times pequenos para que todos participem.

Todos tocam/Todos passam: objetiva-se que a bola seja passada entre todos os jogadores do time para a validação do ponto.

Todos marcam ponto: é preciso que todos os jogadores marquem pelo menos um ponto no jogo para que o time vença.

Passe misto: busca-se que a bola seja passada alternadamente entre homens e mulheres.

Resultado misto: é necessário que os pontos sejam convertidos, ora por um menino, ora por uma menina.

Todas as posições: objetiva-se que os jogadores passem por todas as diferentes posições no jogo.

Todos esses estilos de jogos devem ser levados em consideração no trabalho pedagógico do educador, pois é imprescindível que os educandos se sintam bem aceitos, contentes e desafiados a superarem os seus limites na realização dessa prática. Logo, não adianta o professor promover algo que seja empolgante para ele e com alto grau de cooperação se não motiva e desperta o interesse do grupo para essa ação.

Os jogos cooperativos estão relacionados a uma visão de mundo que busca a promoção da cooperação que, para Baliulevicius e Macário (2006), o uso desses jogos envolve um desafio cívico que direciona para o senso de responsabilidade, a percepção global e a solidariedade, elevando o senso de preservação do elo com os seres humanos e com o planeta. Vale destacar novamente que os outros jogos também favorecem a cooperação, pois a ação de jogar requer cooperar e negociar entre os sujeitos para se atingir metas. Contudo, os cooperativos reforçam mais esse aspecto e têm como meta a questão de valores sociais. Dessa maneira, eles expressam

uma alternativa para a maneira como lidamos com as situações de vida. Há diversas possibilidades existentes e podem ser praticadas em diversas ações e em tipos variados de jogos que enaltecem a questão da competição, da omissão e da cooperação. Portanto, para se ter uma ideia dessas alternativas, Brotto (2003, p. 54) traz um quadro que evidencia esses padrões a partir da observação de vários jogos aplicados que se mostra a seguir.

Quadro 1 – Padrões de percepção-ação no jogo

Padrões de

Percepção

ação

Omissão Cooperação Competição

Visão do jogo É impossível Possível para todos Parece possível só para

um

Objetivo “Tanto faz” Ganhar...juntos Ganhar... do outro

O outro “Quem?” Parceiro, amigo Adversário, inimigo

Relação Indiferença/ cada um na sua

Interdependência/Parceria Dependência/Rivalidade

Ação Ser jogado Jogar... com Jogar... contra

Clima do jogo Chato Ativação/Atenção Tensão/Stress

Resultado Continuíssimo Sucesso compartilhado Ilusão de vitória

individual

Consequência Alienação Vontade de continuar

jogando...

Acabar logo com o jogo

Motivação Fuga Amor Medo

Sentimentos Opressão/Controle Alegria/Comunhão Raiva/Solidão

Símbolo Muralha Ponte Obstáculo

Fonte: Quadro extraído do livro de Brotto (2003, p. 54).

Diante desse quadro, é possível perceber três formas de atuação no jogo que podem se refletir na maneira como se age no mundo. Assim, sem desconsiderar a competição e a omissão como reações manifestadas nos processos de socialização, a cooperação passa a ser o foco da abordagem deste trabalho. Sabe-se que não é uma atividade fácil de ser realizada pelos indivíduos, porque envolve habilidades complexas ainda pouca desenvolvidas. Entretanto, eles representam uma possibilidade que pode vir a se concretizar para a ampliação sobre a questão de valores sociais e diminuição de agressões e inseguranças na ação de jogar.