• Nenhum resultado encontrado

4 JOGOS COOPERATIVOS: A ARTE DE CONVIVER JUNTO

4.1 A ORIGEM DOS JOGOS COOPERATIVOS

Os jogos cooperativos surgiram há milhares de anos quando os membros das comunidades tribais se reuniam em volta de uma fogueira a fim de celebrar a vida(ORLICK, 1989). Contudo, ao longo dos tempos, a sociedade foi adquirindo novos hábitos e adotando novas posturas que possibilitaram o esquecimento dessa prática por parte de muitos seres humanos. Assim, valores como a bondade, a riqueza espiritual e a união, como também capacidades de negociar, argumentar, ceder e contribuir, foram deixados de lado e as pessoas atribuíram o individualismo, a rivalidade, a exploração dos semelhantes como práticas de vida para a conquista de riqueza material e de prestígio social.

Esse novo estilo de vida da humanidade se baseia no sistema econômico capitalista, que fundamentou a competição em todos os sentidos: “cada produto deve ser vendido em numerosos locais, cada emprego deve ser disputado por numerosos pretendentes, cada vaga da universidade deve ser disputada por numerosos vestibulandos [...]” (SINGER, 2002, p. 7). Em consequência disso, compete-se no trabalho, na rua, em casa, nas relações interpessoais, na educação e em tudo mais. Portanto, nossa sociedade transformou-se numa sequência sem fim de competições.

Estamos tão envolvidos nesse exercício que, às vezes, não percebemos toda essa disputa, ou, quando nos damos conta, ela passa a ser considerada como um processo natural. Logo, aqueles que se esforçaram mais estão aptos a serem os melhores e os outros piores, porque não deram tudo de si. Nessa situação, poucos são os ganhadores e muitos os perdedores. Por meio dessa prática, “os ganhadores acumulam vantagens e os perdedores acumulam desvantagens nas competições futuras” (SINGER, 2002, p. 8). Entretanto, sabe-se que essa visão de mundo

não representa o lema básico da vida, dependendo da estrutura da sociedade que determina se os indivíduos irão competir ou não.

Na relação ganhador-perdedor, é fácil perceber que o mais importante é fazer mais pontos que o outro, utilizando-se de vários mecanismos de força, de manipulação e de trapaça. Assim, como é visível que há uns que sabem mais e outros menos, uns que têm e outros que não têm, uns que mandam e outros não. Dessa maneira, a competição funciona como instrumento de explicação das situações de injustiças sociais, dificultando possibilidades de mudança (BROWN, 1994).

A nossa sociedade promoveu uma visão fragmentada de mundo em que a vida dos sujeitos não pode ser vista como comum, os problemas como sociais, os sentimentos como sendo coletivos. Ela definiu a diversão, o riso, organizou o prazer, fez do jogo um objeto de mercado e determinou o lugar da alegria, entre outros aspectos. Diante disso, os jogos cooperativos expressam uma possibilidade diferente na qual os sujeitos podem vivenciar a felicidade, a alegria e o prazer sem a necessidade de derrotar o outro. Além do mais, eles representam uma alternativa de eliminação do binômio ganhador-perdedor que foi estipulado para as vivências do indivíduo (BROWN, 1994).

Dentro da perspectiva mencionada acima, os jogos cooperativos ressurgem da reflexão crítica sobre a visão de sociedade que valoriza excessivamente o individualismo e a rivalidade. Esses jogos sinalizam a necessidade de mudança na postura de vida adotada pelas pessoas para o exercício de uma convivência mais solidária e pacífica. Isso pode ser confirmado por Brotto (2003, quarta capa) ao afirmar que “jogos cooperativos é uma prática re-educativa, capaz de transformar nosso Condicionamento Competitivo para vencer na vida, em Alternativas Cooperativas para o Exercício da Convivência”.

Esses jogos foram sistematizados a partir de vivências e experiências por volta de 1950, nos Estados Unidos, através do trabalho pioneiro de Ted Lentz2, que buscava criar uma cultura de paz no país. Ele e Ruth Cornelius apresentaram importantes estruturas dos jogos cooperativos que foram escritas em um manual chamado All together (ORLICK, 1989). Desde então, estudos e pesquisas foram desenvolvidos sobre o tema e expandidos para outros países como Canadá, Venezuela, Escócia e Austrália. Hoje, vários outros países realizam esse trabalho de maneira aprofundada e cada vez mais ampla.

2 Ted Lentz, atuante ativista, executou pesquisas para a paz como também foi um dos primeiros na utilização dos

jogos cooperativos. É autor do livro Towards a Science of Peace, com tradução em português de “Rumo a uma ciência de paz”.

Um dos maiores estudiosos da área é, sem dúvida, Terry Orlick, doutor em Psicologia e professor da Universidade de Ottawa, no Canadá, que pesquisou a relação entre o jogo e a sociedade em meados dos anos de 1970 (SOLER, 2006, 2011; BROTTO, 1999, 2013). Nesse estudo, constatou que os jogos e as brincadeiras realizadas pelas sociedades ditas como cooperativas ou semicooperativas eram utilizados para reforçar valores vigentes. Descreveu a China dos anos 1970 como uma sociedade baseada na coletividade, na qual os jogos tinham como lema “amizade em primeiro lugar, competição em segundo”, além de pesquisar sociedades indígenas relatando vários jogos cooperativos existentes. De acordo com esses autores, esse trabalho de pesquisa está na obra intitulada Winning through Cooperation (traduzido para o Brasil como “Vencendo a competição”) que é reconhecida mundialmente pela riqueza de informações e amplitude de abordagem. Serve de inspiração para as pessoas conhecerem e aprofundarem seus estudos sobre os jogos cooperativos e, em especial, na área de Educação Física, por meio do seu trabalho realizado na educação infantil do Canadá.

Por volta de 1972, Jim e Ruth Deacove3 também se destacaram na área dos jogos por criarem jogos cooperativos realmente inovadores. Transformaram os jogos de tabuleiro e de salão que não precisavam ser de conflitos em jogos que propagassem tanto valores positivos quanto atitudes de ajuda aos outros (BROTTO, 1999, 2013). Essas ações ajudaram na expansão dos jogos cooperativos.

Guillermo Brown também é expoente sobre o tema, pois, como educador, realizou várias experiências na Educação Popular em Caracas, na Venezuela nos anos de 1983. Além disso, é especialista em mediação de conflitos e coordenador do Programa Resolução de Conflitos no Instituto Notre Dame em Baltimore, USA (SOLER, 2011).

Somente nos anos de 1980, os jogos cooperativos passaram a serem introduzidos no Brasil, tendo como principal representante Fábio Otuzi Brotto4. Esse pesquisador criou em conjunto com a sua esposa, Gisela Sartoni Franco, uma comunidade de serviços (Projeto Cooperação) dedicados à difusão desses jogos e da ética da cooperação por meio de oficinas, palestras, eventos, publicações e produção de materiais didáticos. Recentemente, coordenou o primeiro curso de Pós-Graduação em Jogos Cooperativos no Brasil, no Centro Universitário Monte Serrat (UNIMONTE), em Santos, São Paulo.

3 Jim e Ruth Deacove fundaram uma empresa chamada Family Pastime Co-operative Games, onde se produzem

vários jogos para comercialização e Jim escreveu o livro Manual dos jogos cooperativos. Para maiores informações, conferir site: <www.familypastime.com>.

4 Fábio Otuzi Brotto é psicólogo, professor mestre em Educação Física pela Universidade Estadual de São Paulo

(UNICAMP). Publicou um livro pioneiro na história dos jogos cooperativos no Brasil chamado Jogos Cooperativos: se o importante é competir, o fundamental é cooperar, em 1995. Para conhecer mais, conferir: <www.projetocooperacao.com.br>.

Por volta de 1994, Reinaldo Soler, professor de Educação Física, tem se dedicado ao estudo sobre o tema, e participou do curso de pós-graduação promovido por Fábio Brotto em 2000. Está se destacando como referência sobre os jogos cooperativos com a publicação de vários títulos como, por exemplo, Jogos Cooperativos, Jogos Cooperativos para educação infantil e Brincando e Aprendendo com os jogos cooperativos. Trabalha como focalizador dos jogos cooperativos dando assessoria pedagógica.

Há também outros estudiosos brasileiros sobre os jogos como, por exemplo, Marcos Teodorico Pinheiro de Almeida, Marcos Jader Denicol do Amaral, Marcos Miranda Correia, que estão produzindo livros e artigos relacionados ao assunto. Entretanto, esses autores não serão enfatizados em detalhes por não ser o foco do trabalho, mas para dar um panorama nacional dos pesquisadores atuais.

Inicialmente, esses jogos não tiveram tanto destaque, mas aos poucos foram ganhando adeptos no cenário nacional e hoje têm grande repercussão dentro dos espaços de Educação Física, fazendo parte de alguns programas de graduação e pós-graduação em diversas universidades. Além disso, os jogos cooperativos estão se expandido e passando a ser experimentado em diversas áreas: Pedagogia, Administração de Empresas, Psicologia, Filosofia, Serviços Comunitários, ONGs, entre outras. Em suma, eles têm feito parte de ambientes onde as pessoas lidam diretamente umas com as outras.