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CAPÍTULO 2 – A GÊNESE DA CULTURA DO VIDEOCLIPE

2.5 Jovem Guarda e os clipes do “Fantástico”

Parte do interesse das emissoras de televisão pelos números musicais deriva da própria história dos artistas e de suas trajetórias. Enquadre-se, então, uma forma de enxergar os fenômenos da televisão brasileira a partir de uma lógica dos gêneros musicais. Neste sentido, destaca-se a Bossa Nova e Música Popular Brasileira (MPB), gêneros notadamente elitistas para um período histórico em que a TV também se pautava pelo elitismo, como principal alicerce na formação de uma vocação musical na televisão no País. Atrativos como “Bossaudade”, na TV Record, em 1965, e “Dois na Bossa”, na mesma emissora, revelaram uma forma de fazer números televisivos musicais a partir de performances consensualmente notáveis, como as de Elis Regina e Jair Rodrigues, no “Dois na Bossa” (Fig. 31).

Fig. 31

Era a ênfase sobre a questão da interpretação e a presença da banda acompanhando ao vivo os artistas que importava em programas desta natureza. Não à toa que o Brasil também se notarizou, em suas emissoras de televisão, pela vocação dos grandes festivais, revelando artistas e coroando um gênero musical que, nesta época, se

96 construía televisivo por natureza: a MPB. A gradual popularização da televisão viria sinalizar a aparição de novos gêneros musicais como notadamente televisivos, sobretudo aqueles ligados à cultura jovem, como a Jovem Guarda. Entretanto, foi a particularidade de um atrativo televisivo da Rede Globo de Televisão que fez com que o videoclipe brasileiro encontrasse seu principal veículo de midiatização. Em 1973, foi a ar o programa “Fantástico”, que se propunha a ser uma revista televisiva.

“O programa “Fantástico” surgiu num período de desenvolvimento da televisão brasileira com a proposta de misturar entretenimento com informação, seguindo o modelo aplicado com sucesso pela imprensa escrita, como por exemplo, na revista Manchete” (BRYAN, 2002: p. 23) São os contornos editoriais do “Fantástico” que evocam a presença e a necessidade de uso de números musicais na televisão brasileira. O diretor Jodele Larcher (apud BRYAN, 2004, p. 198) reconhece que, com o programa da Rede Globo num formato de “revista eletrônica”, teria se dado mais preocupação à “estética do videoclipe”. Dessa forma, vídeos “mais gráficos” e com a “edição mais dinâmica” eram necessários. Essa característica de unir aspectos editoriais e jornalísticos ao universo de variedades, fez com que, nos primeiros anos, o “Fantástico” pertencesse à área de shows da Globo. Desde a estréia, o atrativo reservava espaço para números musicais, funcionando como um laboratório de inovações cênicas, cenográficas e coreográficas. Em 1974, um dos primeiros musicais apresentados no programa foi com o grupo Seco e Molhados. O “Fantástico” exibiu imagens em preto e branco dos bastidores e do show do grupo no Maracanazinho, no Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, os musicais passaram a exigir cuidado ainda maior de produção, com o início das transmissões com imagem colorida33. O diretor da área de shows da Globo e que cuidava dos números musicais do “Fantástico” era Nilton Travesso.

A particularidade, neste caso, está no fato de que o programa “Fantástico” passou não só a exibir videoclipes como a produzi-los, fazendo com que o vídeo musical

33 Em setembro de 1975, um desses musicais coloridos apresentou Maysa cantando o tema de abertura da

novela “Bravo”, no concerto do pianista Arnaldo Cohen e regência de Isaac Karabtchevsky. Ainda em 1975, outro musical colorido foi com o compositor Paulinho da Viola na música “Pecado Capital”, tema de abertura da novela homônima. (Memória Globo, 2008. Disponível em www.redeglobo.com.br. Acesso em 12 de janeiro de 2009)

97 brasileiro conseguisse “cruzar” a fronteira do privado e adquirir status de público e de articulador da indústria fonográfica. Os clipes exibidos e produzidos no “Fantástico” tinham suas estréias articuladas a lançamentos de LPs de artistas e trilhas sonoras de telenovelas. Podemos elencar algumas características evidentes nos videoclipes produzidos e exibidos no “Fantástico”: traziam o contexto de ambientes internos, com luzes coloridas e, em geral, uso de gelo seco, remetendo, imageticamente, a uma espécie de extensão de uma cultura visual oriunda da era disco music. Com a produção de clipes gerados sob a “sombra” dos modelos americanos e ingleses, o vídeo brasileiro passou a inserir imagens de cenas externas, entre closes nos cantores e muito gelo seco. Estas imagens, quase sempre exibiam ambientes tropicais, evocando, possivelmente uma configuração clichê de construção identitária para o País. Integram esta leva, clipes feitos para Ney Matogrosso, Fafá de Belém, entre outros. Temos, então, exposto o modelo de linguagem do clipe brasileiro nos anos 80: cenas em interna, com músico dublando a canção e narrativa externa sintética do universo da canção, com referências a uma certa imagética clichê do Brasil tropical.

Esta construção de imagem gerando contornos sobre uma certa idéia de identidade nacional parecia negociar com o período de abertura política do Brasil nos anos 80, em que, notadamente, se assistia e consumia produtos transnacionais da cultura de massa. É neste sentido, que embora tivéssemos a existência e disseminação de artistas nacionais nos clipes do “Fantástico”, havia demanda para se assitir a videoclipes internacionais. A Rede Globo criou, então, no ano de 1984, o programa “Clip Clip” (Fig. 32), com uma hora de duração, apresentado pelos bonecos Muquirana Jones e Edgar Ganta, que trazia “em primeira mão os últimos lançamentos nacionais e internacionais de videoclipes, levando ao ar uma média de dez números musicais por edição. Na primeira delas, foi exibido com exclusividade mundial um trecho inédito do show que o cantor Michael Jackson fazia em turnê pelos Estados Unidos”. (BIONDO, 1984: p. 1) O “Clip Clip” marcou a estréia de J.B. de Oliveira, o Boninho, como diretor na TV Globo.

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Fig. 32

Notava-se no “Clip Clip” a tentativa da Rede Globo criar padrões, digamos, pop e jovem de endereçamento da linguagem da televisão para o jovem. Neste sentido, o programa era apresentado por bonecos que, por exemplo, apareceram “conversando” com Michael Jackson. Os efeitos eram produzidos por chromakey (recurso eletrônico pelo qual uma imagem pode ser inserida sobre outra, criando a impressão de primeiro plano e fundo). A referência ao universo das histórias em quadrinhos no cenário, as vinhetas de abertura a cargo do designer Hans Donner, com imagens geradas por computador pareciam trazer à tona o esfoço da Globo em produzir programas que trouxesse à tona a idéia de que a emissora era jovem e “antenada”. O programa inaugurou, em 1985, as exibições em som estéreo na emissora. Antes de deixar de ser exibido, em março de 1987, Clip clip ocupava o horário das 14h30, indo ao ar aos sábados.