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O vídeo (quase) matou o rock em “Vídeo Killed the Radio Star”, do

CAPÍTULO 2 – A GÊNESE DA CULTURA DO VIDEOCLIPE

2.2 Clipe como itinerário da cultura midiática

2.2.2. O vídeo (quase) matou o rock em “Vídeo Killed the Radio Star”, do

Seis anos depois do lançamento de “Bohemian Rhapsody”, estrearia uma emissora de televisão dedicada exclusivamente a exibir videoclipes, a Music Television (MTV). O primeiro videoclipe exibido na MTV tinha o irônico nome de “Video Killed the Radio Star”, ou, “o vídeo matou o astro do rádio”, música do grupo The Buggles21, uma daquelas “one hit bands”, ou “bandas de um só sucesso”. A exibição de “Video Killed the Radio Star” viria sintetizar uma das principais características do discurso da MTV: a auto-ironia e um certo clima de rebeldia através da quebra de padrões naturalizados do fazer televisivo. A música, através da repetição exaustiva da premissa de que “o vídeo matou o astro do rádio”, parecia colocar o rádio e a televisão como antagonistas – o artista do rádio como aquele “idealizado” pelo ouvinte e, portanto, mais autêntico; e o artista da televisão, como aquele “construído” pela mídia e, por isso, essencialmente cooptado. Esta questão aparece exposta no clipe, dirigido por Russell Mulcahy, em 1978. Vejamos: no início do vídeo, vemos uma garota ouvindo rádio e idealizando o artista que está cantando. A idéia de idealização é evidenciada através de um jogo de fusão de imagens, com o cantor aparecendo como um “vulto” em preto-e- branco, do lado esquerdo da tela (Fig.5).

Fig. 5

21 The Buggles foi uma banda britânica formada em 1977 por Trevor Horn, Geoff Downes e Bruce

Woolley. Bruce Woolley porém saiu do grupo antes do primeiro single ter sido lançado para formar o conjunto The Camera Club.

67 Numa seqüência seguinte, somos apresentados a uma espécie de fábrica – observando hoje, uma fábrica psicodélica, remetendo à construção do ideal de fábricas dos “filmes B” de ficção científica – em que os ídolos de rock “para a televisão” são fabricados em série. Cientistas fazendo “experimentos”, pessoas construídas em série, tubos de ensaio gigantes contendo indivíduos aprisionados pela “fábrica pop” soam como imagens poderosas que reforçam um discurso até hoje em evidência no mercado de música: a dualidade entre a autenticidade e a cooptação evidenciada a partir da intermediação de agentes da indústria fonográfica. A garota-personagem do clipe “Video Killed the Radio Star”, depois de ouvir e se “encantar” com o “astro do rádio”, supostamente misterioso, sem rosto, somente voz e canção, se depara com a “fábrica” de artistas e se vê, num futuro próximo, enclausurada (Fig.6) na lógica massificada de produção de artistas em série. Notamos que o cantor que a garota imaginava na audição, está na “fábrica pop”, prestes a ser enquadrado no esquema de produção e, com certo temor, pronto para ser serializado. Somos apresentados, então, a uma espécie de sonho da garota-protagonista, em que ela aparece sobre um amontoado de rádios (Fig.7), quase como uma ilusão utópica de que, a chegada da televisão sinaliza que o rádio vai se amontoar, como um lixo, numa visão fatalista de substituição: a televisão substituindo o rádio, o “astro de TV” em detrimento ao “astro de rádio”.

Fig.6 Fig.7

Sob o amontoado de rádios antigos e em desuso, vemos, em “Video Killed the Radio Star”, um outro momento que evoca a idéia de oposição entre rádio e televisão -

68 metaforicamente a oposição entre som e imagem: a televisão emergindo deste amontoado de rádios (Fig. 8). A televisão posicionada à frente do rádio, exibindo imagens e entregando estas imagens para o público. O vídeo convoca também a dualidade entre a imagem construída pela televisão e aquela supostamente imaginada pelos ouvintes. Notemos como as imagens são idênticas (Fig. 9): provavelmente, personificando a idéia de que a televisão constrói o astro de rock satisfazendo o horizonte de expectativas dos apreciadores de música. Neste sentido, “Video Killed the Radio Star” funciona como um eco dos pressupostos de que, com a chegada da televisão, fica mais evidente o conjunto de agentes que ingerem sobre a performance e a imagem de artistas musicais. Em outras palavras, há uma sugestão de que as performances musicais, com o advento da televisão, passam a ser espetáculos para a TV, obedecendo a normas e a critérios que são, prioritariamente, sugeridos pelas instâncias produtivas da televisão.

Fig. 8 Fig. 9

Ao final do clipe “Video Killed the Radio Star”, aquele amontoado de rádios em desuso fazem com que uma parede quebrada “se abra”, desvelando, por trás, uma banda de apresentando num programa de televisão (Fig.10), fazendo com que os integrantes façam “caras e bocas” para as câmeras (Fig.11) e que se vistam de forma “televisiva”. Na verdade, o que podemos reconhecer como estratégia discursiva deste videoclipe é a sinalização de que a imagem viria causar uma série de impasses e tensões no ambiente musical. O clipe do grupo Buggles foi utilizado como instrumental de inauguração das atividades da MTV nos Estados Unidos e aponta para uma mudança do estatuto dos artistas da música, agora, tendo que se preocupar com as engrenagens do marketing e da indústria fonográfica. O vídeo parece deixar claro que, mesmo um gênero musical como

69 o rock, está passível das ingerências mercadológicas, abrindo um leque de apontamentos que questionam visões mais ingênuas sobre autenticidade e cooptação. O que “Video Killed the Radio Star”, visto hoje, soa sinalizar, é que o clipe trata de uma espécie de metáfora do grupo Buggles, uma banda que, apesar do enorme sucesso que desfrutou, sobretudo com esta canção, não conseguiu longevidade no mercado musical tendo chegado ao fim logo em seguida. Questões como a efemeridade dos artistas musicais e o aparato de mercado necessário para a construção de uma imagem destes artistas aparecem como uma forma de apresentação de um discurso que, ao mesmo tempo que critica a televisão e seu instrumental “manipulatório”, acaba por reforçar o seu caráter de importância e centralidade na dinâmica midiática.

Fig.10 Fig.11