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O Sertão Publicitário em “Segue o Seco”, de Marisa Monte

CAPÍTULO 2 – A GÊNESE DA CULTURA DO VIDEOCLIPE

2.7 Yes, nós fazemos clipes: “América do Sul”, de Ney Matogrosso

2.7.3 O Sertão Publicitário em “Segue o Seco”, de Marisa Monte

Esse quadro mais panorâmico nos permite enxergar as formas de valorização dos videoclipes nacionais, a partir de um padrão instaurado, a partir dos anos 90, pela produtora Conspiração. Possivelmente, o mais emblemático videoclipe que revele estes contornos seja “Segue o Seco”, protagonizado por Marisa Monte e sob a direção de Cláudio Torres e Luís Henrique Fonseca, com direção de fotografia de Breno Silveira, que ganhou cinco prêmios no Vídeo Music Brasil de 1995, incluindo melhor videoclipe do ano, lançando luz sobre uma série de procedimentos expressivos que seriam consagrados na produção audiovisual do País. Em “Segue o Seco”, vemos a cantora Marisa Monte interpretando a personagem de uma mulher que observa as mazelas sociais causadas pela Seca. A canção, de autoria de Carlinhos Brown, apela para uma produção em que é possível reconhecer sonoridades de instrumentos como berimbau e vozes que evocam cânticos regionalistas, acentuando uma texturização sonora que a situa marcadamente na MPB, com temática e melodia com apelo regional. Temática e referências melódicas serão os principais artefatos de tradução visual, utilizados pelos diretores Cláudio Torres e Luís Henrique Fonseca na concepção do videoclipe.

É particularmente curioso notar como o clipe “Segue o Seco” é construído a partir de um ponto de partida cinematográfico: a personagem de Marisa Monte, por exemplo, nos traços de seu figurino, parece ser a evocação da personagem Scarlett O’Hara, do clássico filme “E o Vento Levou”. As imagens do Nordeste e do Sertão, presentes no clipe, são todas captadas em estúdio, acentuando um caráter de artificialismo e “controle” cinematográfico sobre a obra. “Segue o Seco” tem letreiros, como em filmes, e foi captado em película, legando uma forma de produzir videoclipes no Brasil que ficaria

107 marcada por esta e outras experiências da produtora Conspiração. A partir do momento em que insinua compor uma matriz de imagem tão deliberadamente artificial para o Sertão e, conseqüentemente, para o Nordeste, “Segue o Seco” pode ser visto como distante das matrizes cinematográficas brasileiras, notadamente o Cinema Novo - em suas concepções de um cinema de autor, evocando uma “Estética da Fome”, como proporia Glauber Rocha, diante de procedimentos que levassem o cinema a retratar a miséria de forma crua, “feia” até. O clipe estaria próximo das matrizes de imagens legadas pelo cinema clássico hollywoodiano, a partir das lógicas instauradas pelos estúdios cinematográficos. São essas filiações que fazem de “Segue o Seco”, um videoclipe alinhado a um olhar utópico e idealizante sobre o Nordeste e o Sertão: a terra rachada em estúdio, a chuva artificial, as ossadas de boi planejadamente organizadas numa cenografia, os figurantes com rostos enrugados e marcados. Este olhar utópico a que nos referimos soa como uma convocação não só no terreno do videoclipe, mas também o cinema: filmes como “Eu, Tu, Eles”, de Andrucha Waddington, e “Abril Despedaçado”, de Walter Salles, são emblemáticos do que se pode reconhecer como idealização do espaço regional, a partir da acentuação de cores e da construção de um cenário utópico e universal para o Nordeste. Obviamente que estes dispositivos retóricos presentes no videoclipe “Segue o Seco” obedeciam a uma lógica maior, no seu momento de produção, que era a necessidade de se instaurar um padrão para este tipo de produção audiovisual brasileira. O padrão adotado, a partir de uma premissa claramente publicitária, foi o de aproximar este videoclipe dos produtos cinematográficos hollywoodianos.

A despeito de todas essas elaborações discursivas, “Segue o Seco” foi um videoclipe que não só posicionou a cantora Marisa Monte no cenário musical brasileiro, como reforçou um caráter distintivo desta artista dentro da gravadora EMI. Neste sentido, pode-se reconhecer o caráter de gradiloqüência que cerca este produto. Trata-se de um videoclipe em que se encena como cinematográfico e que acaba emprestando um estigma de personagem feminina forte e definida para Marisa Monte. O clipe reforça alguns aspectos performáticos da cantora, sobretudo, a ênfase na movimentação corporal e delibera a convocação para o fato de que: estamos diante de uma diva. A referência ao universo da diva – encaramos a diva como a imagem estática feminina típica do cinema e evocada por Edgar Morin (1989) - no clipe “Segue o Seco” se constrói a partir do

108 cruzamento da imagem da cantora com as referências a personagens claramente inspirados no universo cinematográfico. Algumas dessas referências nos fazem compreender como “Segue o Seco” situa Marisa Monte também numa zona de posicionamento no terreno da música entre a alta estirpe da MPB, filiada a artistas como Maria Bethânia, Caetano Veloso e Chico Buarque, sem perder o elo com a cultura jovem, da MTV, alçando-a, mais uma vez, a um lugar privilegiado, entre o universo artístico de escolhas e a emblemática acentuação mercadológica de seu trabalho. A referência expressiva instaurada por “Segue o Seco” passou a habitar as premiações do Vídeo Music Brasil, legando, assim, uma forma instaurada pela Conspiração para se reconhecer um bom videoclipe nacional. Em 1996, um outro videoclipe da produtora, “Lourinha Bombril”, dos Paralamas do Sucesso, com direção de Andrucha Waddington, Breno Silveira e Toni Vanzolini, sagrou-se vencedor do VMB, com três prêmios, incluindo melhor videoclipe do ano. O feito, de vencer o prêmio de melhor videoclipe, para integrantes da Conspiração, se repetiria em 1997, com o vídeo “Busca Vida”, novamente dos Paralamas do Sucesso, com direção de Andrucha Waddington e Breno Silveira; e em 1998, com “Ela Disse Adeus”, também dos Paralamas do Sucesso e com os diretores, Andrucha Waddington, Breno Silveira e Toni Vanzolini.