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A megalomania de um astro em “Thriller”, de Michael Jackson

CAPÍTULO 2 – A GÊNESE DA CULTURA DO VIDEOCLIPE

2.2 Clipe como itinerário da cultura midiática

2.2.4 A megalomania de um astro em “Thriller”, de Michael Jackson

No mesmo ano em que David Bowie tirava a maquiagem de Ziggy Stardust e aparecia galã e loiro em “China Girl”, um outro artista do mercado de música, ao contrário, se maquiava e imergia no universo ficcional dos filmes de terror. Era Michael Jackson, que entrava em cena para divulgar o álbum “Thriller”, lançado pela gravadora Epic, em dezembro de 1982. A revista Billboard publica o seguinte texto sobre o disco: “’Thriller’ traz uma série de músicas que fazem dele um forte candidato a repetir o mesmo sucesso de ‘Off The Wall’, um dos álbuns mais aclamados dos últimos anos. Desde a letra macabra da faixa-título ao ritmo corajoso de "Wanna Be Startin' Somethin'", as faixas são pulsantes e transmitem uma energia incrível”. A chamada “letra macabra” da faixa-título, “Thriller”, seria o principal alicerce para a concepção do videoclipe homônimo – até hoje, uma das obras que levaram o clipe para além das fronteiras da televisão musical, do rock e da cultura jovem. Antes de lançar o vídeo de “Thriller”, no entanto, Michael Jackson havia lançado dois outros singles: "Billie Jean" e "Beat It", que geraram videoclipes considerados “inovadores”, sobretudo pelo apelo

73 narrativo de “contar uma história” imbuído em cada um deles. O clipe de “Billie Jean”23 estreou na MTV fazendo de Michael Jackson o primeiro negro cuja música ganhou espaço na emissora.

A impressão que se tem é que a complexidade e a grandiloqüência eram substantivos que vinham acompanhando o álbum “Thriller” desde o seu lançamento. E a produção de videoclipes cada vez mais caros e “maiores” parecia uma espécie de obrigatoriedade para “tamanho” disco24. Em 1983, Michael Jackson filmaria, talvez, o videoclipe que, assim como o álbum “Thriller”, pudesse revelar toda a grandiloqüência do astro. E grandiloqüência, no terreno do videoclipe, parece ser sinônimo de cinema. No clipe de “Thriller”, vemos um curta-metragem de 14 minutos, gravado em película, com letreiros iniciais de cinema e orçamento de US$ 600 mil – inimaginável para os padrões da época. O vídeo apresenta uma situação dramática típica dos filmes de terror adolescente: um casal de namorados pára o carro em local escuro e abandonado, a garota não sabe que seu namorado, na verdade, é um lobisomem (Michael Jackson). Há algumas aparentes “subversões” da forma “padrão” de se produzir videoclipes: “Thriller” contém diálogos, música incidental além da canção-título e tempo excessivamente dilatado - inimaginável para um videoclipe àquela época. Tem-se a impressão de que, se aproximando da linguagem cinematográfica, o videoclipe encontraria a grandiloqüência necessária para justificar a dimensão de um astro da música como Michael Jackson.

O diretor de “Thriller” tinha vindo do cinema: era John Landis, que havia produzido filmes como “Os Irmãos Cara-de-Pau” e “Um Lobisomem Americano em Londres” (ambos de forte apelo comercial). O autor Dave Marsh (1991) revela que “Michael Jackson propôs um roteiro para John Landis dirigir. Segundo ele, a concepção do clipe contou com uma equipe digna de um filme. Tais regalias só foram possíveis

23 A canção "Billie Jean" relata a história de um homem acusado falsamente de ser o pai de uma criança. A

faixa parece relatar a história real vivida por Jackson, em 1981, quando uma fanática passou a persegui-lo clamando que ele assumisse a paternidade do filho dela.

24 Para se ter uma idéia da grandiloqüência de “Thriller”, até 2007, 136 milhões de unidades do álbum

tinham sido vendidas. Sete das nove faixas do disco chegaram às lojas norte-americanas como single, um compacto contendo a faixa-título e mais algumas sobras de estúdio ou versões remixadas. Três músicas conquistaram o topo das paradas nos Estados Unidos: "The Girl Is Mine", "Billie Jean" e "Beat It". O álbum subiu à primeira posição entre os mais vendidos dos Estados Unidos no dia 21 de fevereiro de 1983 e permaneceu lá por 37 semanas. “Thriller” foi o primeiro a se estender por mais de um ano entre os mais vendidos nos Estados Unidos e o disco contou com contribuições do cantor Paul McCartney, do guitarrista Eddie Van Halen, e do ator norte-americano Vincent Price (1911-1993).

74 graças ao fato de Landis ser um diretor vinculado aos estúdios Universal. ‘Thriller’ acabou se transformando no mais rentável clipe lançado como VHS para consumo e contou, inclusive, com making of” (MARSH, 1991: p. 213)

A parceria entre John Landis e Michael Jackson acabou formatando um princípio basilar no universo de práticas do videoclipe: o uso da linguagem cinematográfica como estratégia de distinção. Tendo em vista que este vídeo foi concebido dois anos depois do início das exibições da MTV norte-americana e que a emissora, mesmo no seu início de atividades, já era classificada como “povoada por uma mesmice nos seus vídeos” (DURÁ-GRIMALT, 1988), “Thriller”, ao se diferenciar de outras obras através de recursos que o deixavam “parecido” com um filme, acabou transcendendo certas fronteiras de exibição: o vídeo foi exibido não só na MTV, mas nas emissoras de TV abertas nos Estados Unidos, na Inglaterra e ao redor do planeta, transformando-se na referência de bem-fazer um videoclipe25. “Thriller”, portanto, funcionou não só como tradutor visual do senso de grandiloqüência e megalomania de um artista como Michael Jackson, mas legitimou a conquista de um lugar de reconhecimento na indústria fonográfica de obras que articulassem constituintes da linguagem cinematográfica. Foi a partir do videoclipe que temos abertos aos acessos e as rearticulações da dinâmica dos profissionais do cinema com relação ao videoclipe, na medida em que, no terreno do videoclipe, poderia se partir para a constituição de matrizes experimentais dos suportes cinematográficos utilizados pela indústria. Neste sentido, a partir de “Thriller”, podemos inferir que o cinema se aproximou do videoclipe, na medida em que estratégias de lançamentos de produtos (clipes) passaram a operar e serem “atravessadas” por profissionais, suportes e linguagens oriundos do cinema. Esta particularidade “ensaiada” em “Thriller” viria a servir como parâmetro para experiências até mesmo contemporâneas de uso do suporte e da linguagem cinematográfica neste audiovisual.

25 Mais tarde, artistas como Madonna, realizariam videoclipes com as mesmas referências cinematográficas

– como exemplo, podemos citar o vídeo da canção “Material Girl”, em que a cantora loira “interpreta” a clássica personagem de Marilyn Monroe no número musical “Diamonds are Girl’s Best Friend”, do filme “Os Homens Preferem as Loiras”.

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