• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 4 POR UMA ANÁLISE MIDIÁTICA DO VIDEOCLIPE

4.1 Videoclipe e canção popular massiva: percursos

4.1.2 Partindo dos “versos ganchos”

Ao propormos a identificação por parte do analista das estratégias de produção de sentido nos videoclipes, dois autores nos parecem fundamentais de serem convocados: Andrew Goodwin (1992) e Carol Vernallis (2004). Ambos localizam a relevância de

147 partir do exame da canção e da sonoridade empreendida para entender a dinâmica do videoclipe. Primeiramente, se faz necessário situar o pontos de partida da investigagação da estrutura da canção para, em seguida, verificar como se presentificam aspectos plásticos nos clipes. É preciso não só localizar as referências de aberturas-pontes- estrofes-refrões e as correlações com as imagens do clipe que “cobrem” tal estruturação, mas também identificar o que seria o “gancho” existente na canção popular massiva. Assim, poderemos vislumbrar de que forma este “gancho” sinaliza aspectos das marcas visuais nos vídeos.

Carol Vernallis parte sua análise na identificação dos “ganchos” existentes nas letras das canções. Para a autora, além do exame do conteúdo da letra da canção, é preciso identificar o que ela chama de “verso gancho” desta letra, ou seja, “o trecho que mais evidentemente se projeta como imagem ou que cristaliza um ponto de vista sobre a letra, que, na maioria das vezes, está relacionada ao título do canção” (VERNALLIS, 2004: p. 145). O “verso gancho” está localizado, de maneira geral, no refrão da canção, e pode ser compreendido como uma espécie de síntese deste momento de convocação do ouvinte. Para Vernallis,

“porque o ‘verso gancho’ é colocado em destaque – tanto verbalmente quanto musicalmente – sua importância é, de antemão, indiscutível. O registro visual deste gancho musical se transforma numa maneira simples de fazer com que, ambos, canção e clipe, se tornem de fácil memorização e, por isso, marcantes” (VERNALLIS, 2004: p. 145)

“Versos ganchos” descrevem ações físicas (“Everybody Dance Now”60, “Vamos Pular”61, “Scream”62); complexos pensamentos, sentimentos (“You Don’t Know How It

Feels To Be Real”63, “Vou Tirar do Dicionário a Palavra Você”64, “Devil’s Haircut in My

60 Trecho de canção do grupo dance Snap! em que a vocalista praticamente grita o referido verso, fazendo

com que tenhamos uma projeção vocal excessiva e, portanto, destacada deste verso gancho.

61 Pode se caracterizar como verso gancho em função tanto da projeção vocal da frase por Sandy & Júnior

quanto pela relação extensiva com o título da canção.

62 Verso gancho da canção de Michael Jackson e Janet Jackson entoado como um grito.

63 Verso gancho de clássica canção da disco music que articula o vocal feminino e sensual com a atmosfera

onírica do gênero musical.

64 Trecho da canção de Zélia Duncan em que podemos caracterizar de verso gancho a partir da elaboração

148 Mind”65) ou estados humanos (“I’m Hung up in You”66, “Deixa Eu Brincar de Ser Feliz”67, “I’m Not That Innocent”68), entre outros aspectos. Alguns são visualmente bastante complexos e metafóricos. Cabe ao analista identificar “versos ganchos” das canções com o intuito de perceber variáveis de complexidades envolvendo a síntese visual do videoclipe. Neste sentido, o “verso gancho” da canção pode ser um interessante indicativo para a verificação de escolhas estéticas e temáticas dos vídeos, com o intuito de construir noções estratégicas que perpassem indicativos dos artistas protagonistas dos clipes, dos diretores audiovisuais e dos diretores de gravadoras69. É relevante que o analista perceba que os “versos ganchos” podem se presentificar no vídeo tanto através de escolhas temáticas (a partir de um indicativo “Vamos Pular”, por exemplo, ter-se a imagem de pessoas ou dos protagonistas do clipe pulando), mas sobretudo, da presença através dos suportes de registro e de edição: o “pular” não só das pessoas em cena, mas da câmera ou da edição; o “gritar” da imagem de um rosto com a boca aberta ou da câmera que se aproxima ou se afasta velozmente de um objeto, e assim por diante. A localização dos “versos ganchos” pode se dar a partir da perspectiva de que: 1) na maioria das vezes, o “verso gancho” está em consonância com o título da canção; 2) há uma ênfase na entonação do cantor ao registrar vocalmente esta frase na canção, sinalizando modos de projeção e acentos de determinado verso; 3) é possível haver momentos em que o arranjo da canção ora projete-se numa ênfase direcionada ao “verso gancho”, ora se estanque, promovendo tal estratégia enfática galgada na abundância ou ausência sonora; 4) o “verso gancho” é sintomático que seja repetido ao longo da canção e, algumas vezes, até o final desta. A repetição, por sinal, é uma das características mais prementes desta expressão musical.

De acordo com Carol Vernallis, tais repetições “direcionam a nossa atenção para as repetições na própria música ou na imagem” (VERNALLIS, 2004: p. 147). A autora

65 Verso gancho da canção do cantor Beck, com sua particular forma de cantar. 66 Verso gancho da canção de Madonna, remetendo-se ao título do canção, “Hung Up”.

67 Verso gancho da canção “Todo Carnaval tem seu Fim”, do grupo Los Hermanos, contido no refrão e

cantado de maneira a projetar a convocação do ouvinte.

68 Verso gancho da canção de Britney Spears que aponta tanto para uma projeção da voz da cantora no

refrão quanto para uma estratégia de construção de sua persona midiática.

69 Para o entendimento do processo e das etapas que envolvem a produção de videoclipes, ver:

FEINEMAN, Neil; REISS, Steve. Thirty Frames Per Second: The Visionary Art of the Music Video. New York: Abrams, 2000.

149 lembra, como exemplar referência do uso do “verso gancho” na análise do audiovisual, do videoclipe “Freedom”, do cantor George Michael. Cada vez que que o cantor pronunciava a frase-título (“Freedom”), tem-se a referência da imagem de instrumentos ligados à música (uma radiola de ficha, uma guitarra) explodindo. Como a tradução de “freedom” seria “liberdade”, a referência imagética dos instrumentos explodindo complexifica a dinâmica do videoclipe (onde tem-se inúmeras top models dublando a canção e George Michael não aparece em cena). A análise partindo deste “verso gancho” para a referência imagética direciona o conceito de “liberdade” para o terreno das contestações na música popular massiva, reverberando numa funcional estratégia de autenticidade: tem-se um clipe em que o artista não aparece, é dublado por top models e os instrumentos explodem ao se pronunciar a palavra “liberdade”.

A identificação do “verso gancho” demanda o entendimento sobre a temática da canção e sua relação com a imagética do pop. Ou seja, temos a perspectiva de localização da disposição, do “estado de espírito” desta canção, seu mood e, conseqüentemente, nos situamos na perspectiva de encontrar “pistas” das canções que podem ser colhidas e relacionadas às opções imagéticas empreendidas nos videoclipes. É importante refletir que o processo analítico que parte da localização de “versos ganchos” para entender sobre a temática da canção precisa ser entendido através do uso de metáforas do pop e do rock que são historicizadas nos gêneros musicais. “Muitas canções trabalham com uma operação metafórica ou metonímica que se prefigura em articulação com as rotulações genéricas do pop, por exemplo, as referências do sexo no âmbito do rock’n roll ou a paixão e a espiritualidade da soul music, entre outros”. (GOODWIN, 1992: p. 66)

Os direcionamentos de Andrew Goodwin sinalizam recorrer ao “gancho” para apreensão do videoclipe – não a partir do “verso gancho”, como Vernallis, mas de uma forma mais ampliada de desenvolver a idéia sobre a convocação do ouvinte-espectador para os produtos (canção-clipe). Goodwin considera que a resolução estrutural dos vídeos estão intimamente ligadas à estratégias promocionais da música. Dessa forma, o videoclipe, em sua grande maioria, a partir de referências e imagens que se repetem, que se sobrepõem a outras e formando um todo que desafia o entendimento a partir da apreensão da lógica cinematográfica, deve ser entendido a partir da perspectiva da canção popular massiva e de suas “amarrações” feitas diante de versos e refrões, bem como

150 frente a uma repetição estrutural. O autor explica que os singles (ou as “faixas de trabalho”) ainda são o veículo designado para “capturar” o ouvinte. Sobre estas faixas, de maneira geral, elas possuem certas propriedades:

“O título estará freqüentemente contido no refrão, a ponte serve como um momento de antecipação da ‘pegada’ do ouvinte; os versos conduzem o ouvinte em direção ao refrão e este refrão, ou ‘gancho’, é uma espécie de clamor pelo nome do produto e se dá na perspectiva da repetição” (GOODWIN, 1992: p. 82)

Ao contrário de Carol Vernallis que prevê uma localização mais pontual do “verso gancho”, Andrew Goodwin empreende a atenção do analista para o refrão da canção que ele chama também de “gancho”. Relevante apontar que nosso destaque e atenção seja do “verso gancho” ou do “gancho” não se configura em mero preciosismo estrutural. Nos meandros conceituais da música popular massiva, os “ganchos” são freqüentemente empreendidos a partir da noção de valor-uso, ou seja, como estratégias de atos performáticos, turnês, festas, entrevistas, sites, entre outros artefatos que servem de “suporte” da divulgação do álbum e da canção.