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CONTRA LEG EM

JURISPRUDÊNCIA SENTIMENTAL

87 - Uma form a original do Direito Livre, anterior aliás, ao prim eiro surto desta doutrina, encontra-se nos julgam entos do Tribunal de prim eira instância, de C hâteau-Thierry, presidido e dom inado pelo bom ju iz M agnaud (1889-1904). Im ­ buído de ideias hum anitárias avançadas, o m agistrado francês redigiu sentenças em estilo escorreito, lapidar, porém afastadas dos m oldes com uns. M ostrava-se clem ente e atencioso para com os fracos e hum ildes, enérgico e severo com opu­ lentos e poderosos. N as suas m ãos a lei variava segundo a classe m entalidade reli­ giosa ou inclinações políticas das pessoas subm etidas à sua jurisdição.

N a esfera criminal e correcional, e em parte na civil, sobressaiu o Bom Juiz, com exculpar os pequenos furtos, am parar a m ulher e os m enores, profligar erros adm i­ nistrativos atacar privilégios, proteger o plebeu contra o potentado. N ão jogava com a Hermenêutica, em que nem falava sequer. Tomava atitudes de tribuno; usava de linguagem de orador ou panfletário; em pregava apenas argumentos hum anos sociais, e concluía do alto, dando razão a este ou àquele sem se preocupar com os textos.

Era um vidente, apóstolo, evangelizador tem erário, deslocado no pretório. A chou depois o seu lugar - a C âm ara dos D eputados; teve a natural corte de adm i­ radores incondicionais - os teóricos da anarquia. Os socialistas não iam tão longe; seguiam -no a distância, com as necessárias reservas expressas.

88 - O fenôm eno M agnaud foi apenas “retum bante m anifestação de ideolo­ gia pessoal”; atravessou o firm am ento ju ríd ico da Europa com o um m eteoro; da sua trajetória curta e brilhante não ficaram vestígios. Q uando o m agistrado se deixa guiar pelo sentim ento, a lide degenera em loteria ninguém sabe com o cum prir a lei a coberto de condenações forenses84 (1).

84 88 - (1) João Cruet - A Vida do Direito, ed. portuguesa, p. 82-83; Geny, v o l. I, advertência, p. IX; vol., II. p. 289-293.

(2) Gareis, op. cit., p. 33.

(3) O proceder do juiz deve ser o adotado e assim exposto pelo vienense Unger: "Quando se me apresenta um caso forense para decidir, eu tiro a sentença, primeira e imediatamente, do próprio senso ou consciência jurídica; e procuro a princípio a base legal e a justificação teórica do meu prejulgamento; porém, se verifico, enfim, que um preceito positivo se contrapõe àquela decisão provisória, considero um dever profissional subordinar à lei a minha convicção espontânea de jurista, (Deutsche Juristen-Zeitung, 1906, ns 14. p. 789). De pleno acordo: Gareis, op. cit., p. 33. (4) Berolzheimer - Die Gefahren einer Gefühlsjurisprudenz, p. 17.

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Ao invés do movíiiteiilo iiili|eli\o deve prevalecer o instinto social: o pn m ciro levaria a absolvei o pequeno, louliadoi de m ilionário; o segundo, a puni Io com o indivíduo perigoso puni u com unidade (2). O papel d aju d ica tu ra não é guiar se pelo sentim entalism o; e sim , m anter o equilíbrio dos interesses, e dentre esles distinguir os legítim os dos ilegítim os (3). Longe de atender só ao lado m aterial, ou só ao m oral, funde os dados econôm icos e os em inentem ente sociais a lim tle asse­ gurar o progresso dentro da ordem, a m archa evolutiva da coletividade, m antidas as condições jurídicas da coexistência hum ana. Jam ais poderá o ju iz transpor os limites estabelecidos pelo C ódigo - ultra quos citraque nequit consisterc rcchnn (“além e aquém dos quais não pode o ju sto existir”) (4). N ão considera a lei com o rígida, sem lacunas e sem elastério, inadaptável às circunstâncias; com pleta o (ex to; porém não lhe corrige a essência, nem o substitui jam ais.

FRUTO S D A CR ÍTIC A

89 - D esde 1885 Bülow profligara, com veem ência e grande cópia de atgu

m entos colhidos na prática forense, as estreitezas da exegese m eram ente lógica, silogística; chegou a ser tom ado com o precursor, a princípio partidário depois, da

Livre-Pesquisa do D ireito, o que ele contestou85 (1). Perm aneceu onde estivei a

sem pre: entre os que pretendiam preencher as lacunas dos C ódigos por meio de uma interpretação larga, orientada pelos fatores sociológicos e p ela finalidade Im mana, e m anejada por ju izes instruídos à m oderna e investidos de am pla auloiio mia para aplicar o Direito dentro das norm as positivas (2).

A L ivre-Indagação m oderada aclim ou-se em algum as regiões, e possui ele­ m entos de vitalidade apreciável; parece destinada a brilhante futuro. Os extrem a dos tiveram a rutilância fugaz de estrelas cadentes.

Entretanto, um a e outra corrente prestaram às letras ju ríd icas inestim áveis serviços. O furacão revolucionário, ou leva por diante as instituições vigentes, ou passa, deixando sem pre, entre os m ales transitórios que suscita, algum a sem ente

85 89 - (1) Geny, vol. II, p. 376.

Unger trilhou a mesma senda e foi a lv o da mesma suspeita; apressou-se também a dem oir. trar que não pretendera adm itir o julgamento contra legem {Deutsche Juristen-Zeitum i, I ')()(., ns 14, p. 784-787). Klein. M inistro da Justiça da Áustria, ficou impressionado com a onda <|iie se avolumava, e julgou necessário protestarem nome do Direito e do Estado em um artigo de revisti (1906), contra a ideia de arrastar os juizes a emanciparem-se do legislador (Geny, vol II, p. 377).

(2) Bülow - Gesetz und Richteram t, 1885, p. 2-40. (3) Gmelin - Q uoisque?, p. 38-39.

(4) Vede nas 38-40 e IHO 182. (5) O ertm ann, op. e II., p. 4ti (6) Gareis, op. cit., p H 11

7 0 IleimeiW'ull< ,i e Apllí ,i(,i1o do Dlielto | Carlos Maxlmlllano

útil, para germ inar depois. O próprio vencedor não volta às práticas viciosas e, retrógradas. O visionário de talento não derriba o edifício; porém obriga os de­ fensores deste a tirar as teias de aranha, reparar as brechas, preencher as falhas reveladas com estrépito.

Sim , o dem olidor im pressiona, granjeia sim patia e abala o prestígio da teoria dom inante, com escalpelizar erros, cobrir de ridículo os preconceitos, esvurm ar chagas sociais m ais ou m enos ocultas ou toleradas; porque ele descobre os m ales; engana-se apenas quanto aos rem édios: parte da verdade clam orosa e irritante para o devaneio doido, ou plano sinistro. Por isso, em bora não triunfe, obriga os fiéis à doutrina atacada a prestarem m aior atenção às lacunas do catecism o com um , às fraquezas, exageros ou incongruências dos apóstolos, e à estreiteza de vista dos chefes. Lutero não solapou o edifício m aravilhoso do catolicism o; porém pôs a nu abusos deploráveis. O s Papas extirparam -nos, e ficaram vigilantes para que não abrolhassem de novo. N o cam po da aplicação do Direito se verificou fenôm eno sem elhante: os revolucionários pelo m enos precipitaram a consolidação da vitória do grupo m ais liberal entre os dom inadores intelectuais dos pretórios.

Já a escola histórico-evolutiva levara os tradicionalistas a adm itirem e obser­ varem não só o que o legislador quis, mas tam bém o que ele quereria, se vivesse na atualidade e tom asse conhecim ento do caso em apreço; a da Livre-Indagação com pletou essa obra e forçou os conservadores a irem além . C onseguiu: A) gene­ ralizar o m étodo teleológico, a preocupação com os fins sociais nos trabalhos de H erm enêutica, e conciliar com aquele processo a rígida dogm ática (3); B) matar, de vez, a preferência pelo m étodo gram atical, ou filológico, de interpretação, já com batida por Jhering e seus discípulos; c ) selar o túm ulo do - ln claris cessat

interpretatio; D) acabar com o - Fiat justitia, p erea t mundus (4); E) reduzir aos li­

m ites do razoável o uso das Pandectas, das Institutas e do C ódigo de Justiniano, em todos os pretórios, e valorizar o m oderno D ireito C om parado; F) com bater, vanta­ josam ente, o excesso de erudição clássica e o desprezo pelos fatos econôm icos, na

educação profissional dos juristas (5); G) deixar clara a necessidade, reconhecida, aliás, por vários povos cultos, de atribuir algum p o d er discricionário ao ju iz, tan­ tos nos feitos civis, com o ao aplicar a pena dentro dos limites m áxim o e m ínim o fixados pelo C ódigo (6); H) dar o golpe de graça, definitivo, na E scola de Exegese em D ireito Privado Positivo, já abalada, em França, pelos trabalhos sistem áticos de B ufnoir e A ubry & Rau, e na A lem anha, por Jo se f K ohler e C arl C rom e (7).