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3.   Ampliando os planos de focagem: matrizes e contextos de socialização e de participação 85 

3.1. Juventudes e processos de transição

"O mundo social do adolescente americano é uma cornucópia de escolhas" (Schneider e Stevenson, 1999:264). Ser portador de um legado étnico é uma das diversas condições sociais que distinguem os descendentes de imigrantes. O ser jovem será porventura uma das condições mais determinantes na estruturação da sua vivência. A juventude é atravessada por diferenciações sociais, caraterizada pela – e caraterizadora da – relação, em experimentação e através de aproximações sucessivas e ensaios, com um conjunto específico de instituições (Galland, 1985). Assenta na partilha de condições, matrizes e contextos como a transição entre a infância e a adultez, a pressão para um conjunto de percursos institucionais, alguns deles compulsivos, a proteção do estado e família, ou a experiência em redes de sociabilidade, num duplo padrão de autonomia e dependência. Partilham-se ainda constrangimentos de classe, género e origem étnico-nacional, bem como a gestão dos recursos materiais, sociais e culturais herdados (MacDonald e outros, 2005).

O conceito de juventude define-se, não sem debate, por um conjunto de caraterísticas e relações, em articulação com as condições socio-históricas e políticas que as enquadram. Na sua teorização, interpretação e observação cruzam-se, em bricolage teórico, novos e velhos contributos, configurando um quadro de instabilidade operativa e concetual já identificado por Machado Pais nos anos 90 (1990), e que se deslocou, nos últimos anos, do debate entre as correntes geracionais e as correntes classistas, para uma tentativa permanente de lançamento e reinvenção de teorias de médio alcance que cruzem estrutura e agência (Woodman, 2009). Se as explicações de caráter etário são atualmente mais refutáveis que nunca, devido ao contexto reversível e prolongado onde ocorre a transição para a vida adulta; as de pendor mais estruturalista, por seu turno, não explicam as semelhanças de valores e atitudes que pautam

jovens de classes diferentes e ignoram as lógicas de participação ao nível dos microssistemas de interação local e dos processos de mobilidade social.55

O termo procura conjugar, na actualidade, uma população caraterizada por uma grande diversidade de condições socioeconómicas e culturais (a juventude no plural), "socialmente dividida em função dos seus interesses, das suas origens sociais, das suas perspectivas e aspirações" (Pais, 1990: 149) e o contexto incerto, imprevisível e em transformação em que esta constrói as suas transições. João Teixeira Lopes afirma, neste sentido, que o processo de procura de identidade e de autonomia:

"ocorre hoje em espaços – tempos precários e instáveis, favorecendo a multiplicação de estatutos híbridos e reversíveis (impossibilitando unificações arbitrárias) vividos e experimentados diferentemente consoante as hierarquias sociais e os cenários de interação onde diariamente se actualizam" (1996:11).

Os jovens vivenciam, então, uma encruzilhada de destinos sociais num "cenário de acentuada singularização de trajetórias, atitudes e comportamentos juvenis" (Pais, Cairns e Pappámikail, 2005: 112), que implica uma diversificação das terminologias e abordagens. Os percursos juvenis, metaforizados como rotas e padrões nos anos 70 do século passado, focando as estruturas de possibilidade e constrangimento, passaram a ser observados como trajetórias nos anos 80, sob a influência do funcionalismo, remetendo para os destinos no espaço social; e mais tarde, com a crescente complexidade e dilatação das fases, nos anos 90, são referidos através da "navegação" como metáfora, remetendo para a abertura das possibilidades de ação e destacando a agência individual (Evans e Furlong, 2000; Furlong, 2009, Pais, Bendit e Ferreira, 2011).

As abordagens sociológicas seguem perspectivas sobre a posição dos jovens na relação com as estruturas sociais, evidenciando ora a sua agencialidade e a construção activa da autonomia e independência, ora a sua vulnerabilidade e falta de poder. As estruturas sociais não perderam o seu impacto (Evans, 2002; Furlong e Cartmel, 1997), mas tendem, em certas correntes dos estudos de juventude, a ser desvalorizadas em prol do destaque da agencialidade individual e da subjetividade, centrados nos meios, recursos e pressão para a resposta às diferenciações, e na construção de percursos de forma cada vez mais individualizada (Rudd e

55 Sabemos, hoje, que as correntes geracionais e classistas não se opõem necessariamente, já que às descontinuidades intergeracionais se somam as descontinuidades sociais, e existem desajustamentos entre as práticas e valores do conjunto de indivíduos que a categoria social recobre. Grácio (1990), Pais (1990, 1993 e 1996) e Silva (1999) debatem amplamente estas correntes, remetendo para os trabalhos fundadores na sociologia portuguesa de Sedas Nunes ou Braga da Cruz.

Evans, 1998) e no quadro de uma responsabilidade acrescida, em consequência do enfraquecimento dos quadros de referência coletivos (Walther e outros, 2002).

O prolongamento da condição jovem é umas das caraterísticas mais assinaladas nas gerações contemporâneas, afetadas por extensas transformações sociais, onde se incluem: do lado da educação, a preponderância e extensão do processo escolarizador, a diversificação das ofertas formativas e programas de preparação para o emprego, a expansão das ofertas de ensino avançado; e do lado da economia, a flexibilização, precarização e compressão da estrutura do mercado de trabalho e a emergência do desemprego juvenil. Mas inclui ainda a redução dos mecanismos estatais de proteção, tal como a pluralização dos estilos de vida e a sua expressão mais convivial, hedonista, assente em valores como a autonomia e a experimentação (Grácio, 1990; Pais, Cairns e Pappámikail, 2005; Shildrick e MacDonald, 2007). Estas mudanças provocam uma extensão do período de dependência (Ferreira e Nunes, 2010) e uma desritualização dos cursos de vida (Pais, 2001), reforçando os processos de singularização biográfica e agencialidade, pulverizando as opções e possibilidades (Pais, Cairns e Pappámikail, 2005).56 Nesta perspectiva pós-linear, as transições revestem-se de um conjunto de caraterísticas – complexidade, reflexividade, contradição, fragmentação, metamorfose, variedade, reversibilidade e alterações na própria definição de adultez, mais fáceis de enunciar retoricamente do que de comprovar empiricamente.57 Inserem-se neste paradigma conceitos como "yoyogenização" (Biggart e Walther, 2006; Pais, 1996 e 2003) ou a proposta de uma sociologia da pós-linearidade (Pais, 2001).

Na discussão destas caraterísticas, sobretudo no campo da análise biográfica, vamos encontrar a influência das teorias da individualização, reflexividade e risco (Bauman, 2001; Beck, 2003; Beck e Beck-Gernsheim, 2003; Giddens, 2001), e uma forte retórica de autenticidade e singularidade. Considerando-se que a biografia é uma história contada e interpretada no presente sobre as experiências no passado e as expetativas para o futuro, as biografias contemporâneas são menos caraterizadas pelo sentido de continuidade, ocorrendo uma desconexão entre trajetórias de vida, papéis sociais e a ligação com as instituições, com impacto nas orientações temporais (Leccardi, 2005a).58 Nesta corrente, a ideia de biografia

56 Leccardi utiliza, em vez de resritualização, e mais radicalmente (na nossa opinião, excessivamente) a expressão "processo de desinstitucionalização" (Leccardi, 2005a).

57 Designativos que surgem em Pais (2003), Walther e outros (2002) e Walther (2006).

58 Machado Pais refere uma "desfuturização" do futuro, através da "utopização" ou "atopização" do

mesmo, em função da dificuldade em compatibilizar os desejos e as possibilidades de realização dos mesmos (2003: 124), enquanto Leccardi assinala uma "presentificação" decorrente das dificuldades

estandardizada é desconstruída e as construções biográficas são observadas como desvinculadas das formas de projeto tradicionalmente entendidas. Nas novas biografias, os jovens "avançam/exploram envoltos pelo provisório", em vez de perseguirem uma meta, tornando a continuidade biográfica o "fruto da capacidade individual de construir e reconstruir, sempre de novo, molduras de sentido, narrativas sempre novas, a despeito da moldura temporal presentificada" (Leccardi, 2005a: 47). Inscrevem-se no mesmo sentido noções como "biografias de eleição", de interpretação reflexiva e negociação constante, marcadas pela tensão entre opção/liberdade e legitimação/coerção, por mudanças na estrutura/sequência das passagens e no seu conteúdo (Bois Reymond, 1998); ou "biografias de escolha", referindo trajetórias abertas, fragmentadas, de construção individual (Brannen e Nilsen, 2007). A forte individualização que estas biografias comportam acentua, simultaneamente, os traços de risco. Furlong e Cartmel (1997) chegam a designá-las como "biografias de risco", e colocam a própria potencialidade heurística da noção de transição em causa (MacDonald e outros, 2005; Furlong, 2009; Roberts, 1997).59

A sociologia da juventude não esquece, porém, o poder das estruturas. O enfoque na escolha é, segundo Brannen e Nilsen (2002), proeminente nos grupos mais privilegiados, mas não noutros, com menos recursos, onde a ordem coletivista prevalece. As orientações temporais não deixam de ser influenciadas por múltiplos factores como a estrutura de oportunidades, a influência do género e da etnicidade, ou pelos estilos de vida e consumo juvenil, que redefinem os mapas de classe social, entre outros. Assim, outras propostas, de que nos consideramos mais próximos, continuam a salientar o agravamento das hierarquias, desigualdades e processos de diferenciação, alegando que as oportunidades e cursos de vida se mantêm estruturadas e previsíveis (Furlong e Cartmel, 1997). As abordagens biográficas podem ser usadas para compreender como os indivíduos dão sentido às suas trajetórias nos processos dinâmicos de transição e mudança, num quadro de constrangimentos que não controlam (Furlong, 2009). Mas a incidência no argumento da diversificação extrema das trajetórias e o caráter eletivo das mesmas são consideradas exageradas, pouco fundamentadas na realidade, e de uma dicotomia simplista (Brannen e Nilsen, 2002).

sentidas pelos jovens em projetar-se num futuro de médio-longo prazo, remetido para um plano meramente imaginário (2005b).

59 O conceito de transição é, de resto profusamente adjetivado: as transições surgem na literatura como longas, quebradas, estendidas, prolongadas, interrompidas, fraturadas, fragmentadas, entre outros; crescentemente polarizadas em trajetórias rápidas (fast-track) ou lentas (slow-track) para a adultez (Shildrick e MacDonald, 2007).

Encarar a complexidade transacional como sintomática de biografias de escolha pode mascarar e ocultar estruturas de desvantagem, como alertam Furlong, Cartmel e Biggart (2006), reforçando que a "desordenação" das transições se encontra sobretudo nos jovens em situação de desvantagem social; tal como não dá conta dos constrangimentos à agencialidade que marcam as suas vivências (Evans, 2002; Brannen e Nilsen, 2005). Os autores alegam que este agencialismo "excessivo", desenvolvido à luz do conceito de individualização, pode espelhar o refreamento do determinismo estrutural que marcou a década de 80, mas que não é possível desvalorizar a importância das limitações, recursos e oportunidades que continuam a estruturar as transições. Estruturas e resposta individualizada, circunstância e acaso formam cenários que superam a determinação e a previsibilidade nas suas versões mais simplistas.

Nas concepções mais tradicionais, e muitas vezes sob a designação de trajetórias, as transições referem, normativamente, o movimento entre a educação e o emprego (Ball, Maguire e Macrae, 2000), no sentido do percurso para a independência, ou o conjunto de percursos institucionais e estatutos de passagem com temporalidades definidas estruturalmente. Bourdieu, por exemplo, definiu as trajetórias como "a série das posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente (ou um mesmo grupo) num espaço ele próprio em devir e submetido a transformações incessantes" (1997: 58). Atualmente, a sua concepção está mais próxima das "estruturas existentes de possibilidade (…) que são ativadas pela agência individual" (Walther e outros, 2002: 126), incluindo assim os momentos de mudança biográfica, e apontando os momentos de interseção e escolha, caraterizados crescentemente pela sincronicidade (coincidência dos eventos) e pela reversibilidade (Bois-Reymond, 1998; EGRIS, 2001). Os percursos erguem-se na tensão entre, por um lado, a expressão e escolha subjectivas, o respeito pelas construções biográficas individuais, a manutenção das aspirações, o garantir de uma abertura biográfica e, por outro, o restringir das aspirações, o "arrefecimento" (cooling-out) a que são sujeitas estruturalmente (Walther, 2006: 122).

As transições estão localizadas e são estruturadas por arranjos institucionais nacionais específicos, ou seja, as trajetórias também são criadas pelos sistemas (Ferreira e Nunes, 2010). Os "regimes de transição", noção desenvolvida por Walther e outros (2002), colocam-se para além das orientações individuais e biográficas, e das estruturas institucionais e sistémicas

objetivas.60 Nos cursos de vida contemporâneos, as transições e pontos de viragem ainda reflectem a origem social, o género ou a classe social, tal como os regimes institucionais, mas exigem, mais do que no passado, a responsabilização individual pelas escolhas realizadas e uma gestão de recursos apoiada em cenários incertos. A noção generalizada de livre arbítrio cria uma falsa realidade, e uma décalage entre as representações e sensação de controlo dos jovens e as suas oportunidades reais, no que Furlong e Cartmel designam como "falácia epistemológica" (1997).

As tentativas de convergência e conciliação entre agência e estrutura fazem emergir no debate em torno das transições juvenis conceitos como "individualização estruturada", salientando quer a individualização do processo, quer a sua dependência dos posicionamentos estruturais (Furlong e Cartmel, 1997; Roberts, 1997; Rudd e Evans, 1998), ou "agência limitada" (bounded agency), através do qual se alega que os jovens são indivíduos com uma agencialidade incorporada e delimitada. Enfrentam barreiras e limites que mudam ao longo do tempo, mas que têm "fundações estruturais em caraterísticas adstritas como o género e a herança social/ educativa, e em caraterísticas adquiridas de educação e qualificação" (Evans e outros, 2001: 24). Holland e Thomson (2009) reorientam a abordagem biográfica para a análise dos pontos de viragem nas transições, designados como "momentos críticos", definidos como os eventos e circunstâncias que têm consequências importantes para as vidas e identidades dos jovens, e que deverão ser escolhidos e narrados pelos próprios jovens, proporcionando a ligação com processos sociais mais amplos, e conciliando as condições estruturais, as respostas individuais, a temporalidade e a oportunidade.

Como afirma Woodman (2009), a maioria dos jovens tem aspirações e expetativas tradicionais. A incerteza não está nas formulações, mas nos resultados. Próxima a esta abordagem está o conceito de destritmia proposto recentemente por Pais e Ferreira, expressando a valorização e a não rejeição subjectiva dos padrões de vida tradicionalmente organizados, mas desajustadas face à realidade experienciada (2010). Os estudos no domínio

60 Destacando as especificidades regionais destes processos e as vantagens das abordagens comparativas, os autores identificam a diversidade de sistemas nacionais de transição: permitindo uma maior linearidade (Irlanda e Reino Unido), escolha activa e autenticidade (Alemanha), flexibilização (Holanda), individualização (Dinamarca), ou restringindo as oportunidades e reforçando a dependência da família (Portugal, Espanha e Itália) (Walther e outros, 2002). Por regimes de transição designam as "diferentes realidades em que as biografias dos jovens estão embebidas e [que se] tornam visíveis nos seus relatos de experiências com actores institucionais nos sistemas de transição" (Walther, 2006: 136).

das transições estão centrados na mudança social, mas alguns autores, como Shildrick e MacDonald (2007), reafirmam a existência de ordem e continuidades no âmbito da educação, formação e emprego. A pluralização das opções na educação e formação coloca uma maior ênfase, ilusória, no planeamento e escolha individuais, na autenticidade e unicidade das aspirações individuais, mas "a intensidade, alcance e qualidade da individualização serão mediados por formas incorporadas de estratificação" (Mythen, 2005: 138). No mesmo sentido, Goodwin e O'Connor (2005) alegam que o caráter linear e menos complexo atribuído de forma geral às transições nos anos 60 e 70, pode ser questionado através da análise de dados históricos.61

São inúmeras as tentativas de tipologização dos processos de transição, incluindo escalas de amplitude variável (podem comparar indivíduos ou mesmo países), observações diacrónicas e sincrónicas, metodologias quantitativas, qualitativas, transnacionais e uma grande diversidade de dimensões base, que podem incluir trajetórias reais ou projetadas, orientações atitudinais e perfis sociais.62

Algumas delas são ensaiadas na sociologia da juventude em Portugal (Guerreiro e Abrantes, 2004; Guerreiro, Cantante e Barroso, 2009). Trata-se de um campo, de resto, maduro e consolidado.63 Também na produção nacional encontramos, atualmente, a tensão agencialista/estruturalista, a primeira mais claramente associada aos estudos sobre autonomia, lazeres, sociabilidades e práticas culturais, a segunda mais dominante na análise de trajetórias

61 Os dados relativos à década de 60, (re)analisados por Goodwin e O'Connor (2005), apontam para

mudanças frequentes de emprego, sobreposição de várias actividades laborais, ansiedade e desilusão face ao futuro e sentimento de pouca preparação e risco de desemprego nesse período aparentemente linear. A principal mudança, segundo os autores, não serão as transições em si mesmas, mas os modos como são observadas, antes a partir de uma perspectiva macroinstitucional, agora à procura de individualização e subjetividade.

62 Ver, por exemplo, as propostas de Brannen e Nilsen (2002), Furlong, Cartmel e Biggart (2006), Pais, Cairns e Pappámikail (2005) ou Walther e outros (2002).

63 Neste incluem-se, por exemplo e de forma não exaustiva, estudos sobre os processos de transição (Pais, 1996 e 2003); as transições entre escola e trabalho (Alves, 1998; Guerreiro e Abrantes, 2004 e 2005; Guerreiro e outros, 2006; Pais, 2003), nomeadamente em situação de desqualificação e precariedade (Alves e outros, 2011; Guerreiro, Cantante e Barroso, 2009); as decisões vocacionais e os projetos de futuro (Ferreira, 1989; Vieira, 2007; Vieira, Pappámikail e Nunes, 2012). Mas, também, sobre o perfil social dos jovens portugueses (Almeida e outros, 1996; Braga da Cruz e outros, 1984; Cabral e Pais, 1998; Pais e Cabral, 2003; Figueiredo, Silva e Ferreira, 1999); as culturas juvenis (Pais, 1990 e 1993); os processos de autonomização (Cairns, 2011; Nico, 2011; Pappámikail, 2009); ou os lazeres, sociabilidades, a imagem e as atitudes perante o corpo (Pais, 1990a, Pais e Cabral, 2003; Ferreira, 2008).

entre escola e trabalho, nas orientações de futuro e na análise de percursos dos jovens mais desqualificados. Há áreas de sobreposição e consenso, como as tendências de diversificação e não-linearidade, transformação social e cultural nos processos de individuação e emancipação da família, descoincidência entre as fases transicionais, ou a precariedade, a incerteza e risco como caraterizadoras do contexto. Áreas que não parecem contradizer, ainda assim, que as transições "obedece[m] a um número finito de padrões, lógicas ou referenciais" (Guerreiro e Abrantes, 2004: 149).

Os descendentes de imigrantes não marcam presença clara nesta sociologia, onde a classe social ou o género são mais frequentemente levados em conta. Como afirmam Machado e Matias (2006: 11),

"tudo se passa como se para a sociologia das migrações os jovens descendentes de migrantes fossem, sobretudo, descendentes de migrantes e só marginalmente jovens, e como se entre os jovens de que a sociologia da juventude se ocupa não estivessem filhos de imigrantes".

Na produção nacional, podemos inscrever neste âmbito alguns dos trabalhos já mencionados no capítulo 2, centrados nas culturas materiais e consumos juvenis, nas expressões culturais e identitárias e até na participação cívica. Mas, ao contrário do que acontece no âmbito dos estudos sobre culturas juvenis, não há uma ligação directa entre as teorias mais recentes relativas aos processos de transição e as investigações referidas, ou seja, não são convocadas as mesmas problemáticas e eixos concetuais para a interpretação das trajetórias e experiências dos jovens descendentes.

Mesmo do ponto de vista internacional, as pontes entre a sociologia da juventude e a sociologia da etnicidade ou das migrações são parcas e parciais, com a excepção da matriz cultura/relações de poder, espetacularidade e resistência, que pautam os estudos culturalistas de Feixa (2006) ou Gilroy (2004), entre outros. Os descendentes de imigrantes são considerados tendencialmente nos estudos sobre marginalidade, exclusão social e a diversidade de experiências dos jovens, ao lado do género e da classe social. Raça e etnicidade são, vulgarmente, observadas como condições de desvantagem na transição; embora também possam assumir o papel de recurso individual e coletivo para responder aos constrangimentos estruturais (Wright, Standen e Patel, 2010). Mas são convocadas sobretudo para provar, confirmar e sustentar as teses diferencialistas. Contudo, no quadro da sociologia da juventude, estas teses também salientam que, independentemente da partilha de uma condição de desvantagem, os jovens apresentam trajetórias que são diversificadas (Shildrick e MacDonald, 2007). Um campo relativamente periférico, designado como estudos multiculturalistas de juventude, aborda as representações e experiências dos jovens em contextos urbanos de

acentuada diversidade e analisa as subculturas racistas bem como as dinâmicas de construção identitária entre os jovens minoritários. Nestes, os jovens descendentes surgem ora como representantes das novas formas de cidadania e coesão social, ora como redutos de fundamentalismo e nacionalismo (Harris, 2009). Será sobretudo no estudo das subculturas urbanas marginais que as suas expressividades, consumos e estilos de vida são observados.

As transições dos jovens filhos de imigrantes são, tais como as transições dos jovens em geral, marcadas por conjuntos de processos de escolha e de projecção atravessados por lógicas e retóricas individualistas, coletivistas e delimitadas por constrangimentos e horizontes variáveis de oportunidades (Devadason, 2006). Devadason afirma que estes estão mais conscientes dos constrangimentos estruturais e do peso do contexto social nas suas oportunidades, redes e aspirações, sobretudo se fizeram uma trajetória de mobilidade ascendente. Lindgren (2010), por seu turno, encontra nos descendentes de imigrantes na Suécia biografias configuradas por múltiplas formas de exclusão social, mas não destemporalizadas, ou centradas no presente.

No quadro dos estudos sobre exclusão social, desvantagem e marginalidade, os jovens descendentes surgem em condição de dificuldade, desvantagem e discriminação. Ensaiam-se, no entanto, através de diferentes perspectivas, aproximações a condições de agencialidade neste domínio. Mørch e outros (2008) protagonizam uma delas no relatório conclusivo do projeto Up2Youth, onde percorrem um conjunto de indicadores estruturais e de estudos de caso centrados nas práticas culturais e estilos de vida. Segundo estes autores, os jovens descendentes têm uma dificuldade dupla no protagonismo de processos de transição despadronizados, quer pela orientação mais tradicionalista familiar (a orientação familiar é, neste tipo de estudos, perspetivada de forma algo cristalizada), quer pela pressão dos pares. O contexto de individualização da modernidade tardia pode ser um terreno propício quer para os fenómenos de etnicização, quer para a produção de novas formas culturais e práticas integradoras. Os resultados do projeto transnacional mostram que este potencial, agencial e integrador, não é realizado facilmente nem frequentemente, com constrangimentos visíveis especialmente nos percursos escolares. Por outro lado, na microescala dos espaços intersticiais de desenvolvimento de subculturas, assentes em redes informais, são identificadas formas de proteção identitária, pertença, reconhecimento e integração, e também de ação e intervenção.