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2.   Assimilação e integração: panorâmicas transatlânticas sobre um mesmo objeto 53 

2.4. Os descendentes de portugueses na diáspora migratória

Portugal nunca deixou de ser um país de emigrantes. É, neste domínio, o quarto país na União Europeia e o vigésimo segundo a nível mundial, e contabiliza na actualidade cerca de 2,3 milhões de emigrantes que, quando somados aos descendentes, chegam aos 5 milhões (Pires e outros, 2010). Os filhos de portugueses surgem, de forma subjacente, como objeto de análise na produção sociológica de vários países recetores.

Em investigações mais focalizadas ou de tipo comparativo, qualitativas e extensivas, centradas num território ou geograficamente transversais, as condições de integração destes jovens têm sido escrutinadas em países como França (onde a produção é mais alargada, e onde são a prole mais extensa com origem na imigração), Alemanha, Luxemburgo, Holanda, Canadá, Suíça e, mais recentemente, no Reino Unido.53

Os diferentes tempos de permanência, origens geográficas, modos de incorporação e peso da população portuguesa no total da população emigrante em cada um dos países marcam a intensidade e diversidade das análises, tal como o grau de visibilidade desta população heterogénea. Surgem geralmente comparados com os pares de origem autóctone, mas também norte-africana (argelina, marroquina e tunisina) em França; de origem turca, espanhola, italiana e grega na Alemanha; italiana e ex-jugoslava no Luxemburgo e na Suíça; e de origem turca na Holanda.54 Encontram-se por vezes imersos em categorias mais latas como "europeus" e "europeus do sul".

Interessa-nos nesta breve revisão destacar sobretudo aquelas que são as tendências, convergentes e divergentes, segundo os países de observação, encontradas nos percursos dos

53 São muito escassas as referências aos descendentes de portugueses nos EUA. Destacamos no entanto uma reflexão de Almeida sobre a experiência luso-americana, onde é mencionado o acesso crescente à universidade por parte dos filhos de emigrantes (2010), e um artigo de Szalacha e outros, que destaca o sucesso escolar destes jovens, por comparação com os de origem dominicana ou cambojana (2005).

54 Alguns trabalhos convocam, de forma comparativa, dados relativos à realidade portuguesa (Alieva, 2009; Pereira e Tavares, 2000).

jovens lusodescendentes, por domínio de participação: educação, mercado de trabalho, identidade e ligação ao legado étnico. Até porque as mesmas são análogas às tendências encontradas na investigação sobre os filhos de imigrantes em Portugal.

Relativamente às trajetórias e performance escolar, são registados níveis de sucesso escolar progressivos no contexto francês. De um elevado insucesso escolar (entre os anos 70 e 80, acima dos jovens de origem africana), os jovens de origem portuguesa têm vindo a recuperar, e até a ultrapassar os seus pares franceses em todos os níveis de ensino, incluindo o superior, quando as condições sociais são igualadas (Dubet, 1989; Tribalat, 1995). Revelam, no entanto, uma taxa mais elevada de abandono (Brinbaum e Kieffer, 2009; Kirszbaum, Brinbaum e Simon, 2009). Estão sobre-representados nas fileiras vocacionais e de formação profissional, mas estão crescentemente no ensino geral, onde têm sucesso, apesar de serem os que mais abandonam antes do exame final (em parte para integração no mercado de trabalho) e de levarem mais tempo a concluí-lo (Vallet e Caille, 1996). Apresentam mais anos de escolaridade média do que os alunos residentes em Portugal, e revelam uma expansão das qualificações e da entrada no ensino superior (Heckmann, Lederer e Worbs, 2001; Pereira e Tavares, 2000).

Na Alemanha, os lusodescendentes têm um sucesso escolar moderado, mas que supera a performance dos pares alemães quando igualadas as condições sociais (Kristen e Granato, 2007). Na Suíça são referenciados pelo baixo nível de sucesso escolar (Heckmann, Lederer e Worbs, 2001). Os naturalizados tendem, neste país, a convergir com a performance média nacional, ou mesmo superá-la em iguais condições sociais (Fibbi, Lerch e Wanner, 2007). Na matemática, têm performances mais elevadas na Suíça do que no Luxemburgo, apesar do background escolar e social ser menos privilegiado (Alieva, 2009). Na Holanda, são considerados um exemplo de "sucesso silencioso" – demonstrando uma integração estrutural relativamente invisível, considerada de sucesso pela sua rapidez (no espaço de uma geração, os níveis educacionais praticamente igualaram os dos autóctones) e pela forte mobilidade intergeracional (Lindo, 2000).

Existem poucos dados disponíveis sobre a performance dos alunos de origem portuguesa no Reino Unido, mas os existentes mostram um insucesso escolar agudo, mais acentuado do que a maioria dos seus pares (britânicos e de origem estrangeira), sobretudo no final da educação primária e secundária, atribuído a lacunas nas competências linguísticas (falta de domínio e pouca exposição à língua escrita) e às condições socioeconómicas precárias. A língua é considerada uma variável fundamental, já que os alunos fluentes apresentam níveis de sucesso superiores à média nacional em todos os níveis de ensino (Abreu,

Cline e Lambert, 2003; Demie e Lewis, 2008). Em França a questão linguística não é problemática, e indica-se com frequência a elevada utilização da língua portuguesa no contexto familiar, independentemente da geração (Beauchemin, Hamelle e Simon, 2010; Heckmann, Lederer e Worbs, 2001).

No Canadá os dados apontam para um insucesso escolar tendencial, sub-representação nos programas avançados de ensino secundário e maior propensão para o abandono escolar, sobre-representação entre a população que completou apenas a escolaridade elementar (8 anos), baixo nível de qualificação escolar superior, e categorização frequente como portadores de distúrbios de aprendizagem. Mas também é reconhecido o progresso verificado relativamente ao nível de qualificação escolar dos progenitores (Abreu, Cline e Lambert, 2003; Libertucci, 2011; Oliveira e Teixeira, 2004; Ornstein, 2000).

Sobre as orientações escolares salientam-se, em França, o privilegiar das opções vocacionais e profissionalizantes de ciclos curtos (Brinbaum e Cebolla-Boado, 2007; Simon, 2003; Tribalat, 1995), tal como a mobilidade profissional intermédia e uma orientação crescente para o ensino superior (Brinbaum e Kieffer, 2009; Silberman e Fournier, 2006). As orientações de futuro são ambiciosas (cada vez mais) – têm aspirações mais elevadas que os seus pares franceses, quando igualadas as condições sociais, e uma maior capacidade de materialização das aspirações que os alunos de ascendência norte-africana (Brinbaum e Cebolla-Boado, 2007). Visionam profissões mais ligadas ao comércio e à administração que os outros jovens, procurando melhorar as suas condições de existência e rejeitando a condição operária. Existem ligeiras diferenças de orientação segundo o sexo: as raparigas orientam-se mais para o ensino superior, enquanto os rapazes seguem maioritariamente uma via vocacional ou profissionalizante e tendem a abandonar mais o ensino. Os seus projetos de futuro são menos afectados pelas trajetórias escolares que os projetos dos seus pares autóctones (Caille, 2005; Simon, 2003). Cerca de 90% pode ser classificado como de mobilidade ascendente relativamente à posição dos progenitores (Heckmann, Lederer e Worbs, 2001). Na Alemanha foram observadas orientações de futuro flexíveis, marcadamente transnacionais, onde se cruzam os espaços nacional e migratório, da comunidade étnica portuguesa e do país de origem (Fürstenau, 2005).

A valorização da entrada no mercado de trabalho e as baixas taxas de desemprego (relativamente a outros grupos de origem imigrante e aos pares autóctones) são assinaladas em França, na Suíça e no Canadá. Em França apresentam pouca dificuldade em encontrar posições estáveis no mercado de trabalho, sobretudo nos setores onde existem nichos portugueses, como a construção ou o comércio (Tribalat, 1995). Quando igualadas as condições sociais,

familiares, o lugar de residência e o sexo, o risco de desemprego é menor para estes jovens do que para os autóctones. Só metade segue a tendência de ingressar nas profissões manuais dos pais, ocupando sobretudo profissões intermédias (Beauchemin, Hamelle e Simon, 2010). Na Suíça, os rapazes não naturalizados enfrentam menos risco de desemprego (Fibbi, Lerch e Wanner, 2007).

Em termos identitários, as pesquisas mostram que, em França, estes jovens não se autoidentificam como franceses, mas sobretudo como europeus, mostrando uma forte ligação com o país de origem, viagens frequentes ao mesmo, preferências desportivas e culturais portuguesas, e maior intenção de "regresso", sem que tal se reflita na participação nos movimentos/associações de segunda geração (Heckmann, Lederer e Worbs, 2001; Tribalat, 1995). São poucos os que se naturalizam franceses (menos que os descendentes de africanos ou asiáticos); e há uma prática frequente de combinação de nacionalidades (Beauchemin, Hamelle e Simon, 2010).

No Canadá, a ligação à ancestralidade e à comunidade étnica – portugueseness – é encarada como um obstáculo à realização de trajetórias de sucesso; embora seja relatado um segmento emergente de jovens que integram o mainstream canadiano mantendo uma identidade luso-canadiana positiva (Oliveira e Teixeira, 2004).

Os jovens parecem estar inseridos em tecidos comunitários com um controlo social e familiar significativo (Dubet, 1989), valorizado em França, onde os nichos portugueses são observados como redes de capital social (Kirszbaum, Brinbaum e Simon, 2009). Na Holanda, a coesão das comunidades portuguesas não obstaculiza a ligação dos jovens com os pares e contextos holandeses (Lindo, 1995). Mas, no Reino Unido e no Canadá, parecem comportar um risco de isolamento social, por via do fechamento em torno da família. É assinalada uma forte reprodução intergeracional das trajetórias: as novas gerações não revertem o insucesso e a posição marginal das comunidades perpetua-se. As dificuldades de assimilação são atribuídas ao alto nível de funcionalidade, inter-relação e tradicionalismo da comunidade portuguesa, sustentada nos recursos do trabalho manual bem remunerado (Abreu, Cline e Lambert, 2003; Oliveira e Teixeira, 2004).

Às famílias portuguesas é apontado o desconhecimento sobre as especificidades e possibilidades dos sistemas de ensino (quer em França, quer no Reino Unido) (Brinbaum e Kieffer, 2009; Demie e Lewis, 2008); e aspirações fortemente ligadas à utilidade percebida dos diplomas para a integração no mercado de trabalho, numa estratégia de redução da "perda de tempo" (Brinbaum e Cebolla-Boado, 2007; Tribalat, 1995). Quer em França, quer na Holanda, as famílias põem em prática estratégias de escolha de escola, evitando fenómenos de

guetização. Neste segundo país são atribuídos comportamentos tradicionais de reforço do controlo social às famílias portuguesas; e um papel central à figura maternal (de acompanhamento, mediação e ligação com a escola), conducente a uma rápida adoção das orientações escolares da maioria e à progressiva assimilação na sociedade holandesa (Lindo, 1995 e 2000). No Reino Unido e no Canadá parecem subsistir problemas significativos de articulação entre as famílias e as escolas, como falta de comunicação e até um certo grau de hostilidade (Libertucci, 2011).

Em síntese, sobressaem nesta breve revisão ritmos heterogéneos e complexos de integração estrutural e social dos filhos de imigrantes portugueses nos vários contextos de recepção, não necessariamente relacionados com o tempo de permanência, como se pode ver pela diferença existente entre França e o Canadá, por exemplo. Nas situações e/ou dimensões em que estes se encontram em maior desvantagem, as abordagens são de feição mais estruturalista (desvantagem explicada pela condição social e pelos baixos níveis de qualificação escolares na família) ou culturalista (desvantagem explicada pelo tradicionalismo e fechamento da comunidade portuguesa), mas há um consenso relativo à mobilidade geracional existente, tendo em conta o baixo nível de qualificação escolar e profissional das gerações anteriores. Os filhos de portugueses não parecem sujeitos a fenómenos de discriminação significativos. As disposições familiares face à escolaridade são convocadas algumas vezes como um obstáculo à integração dos lusodescendentes.

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Salientaram-se, no capítulo 2, as caraterísticas, trajetórias e experiências que surgem da investigação internacional e nacional, generalista, neste domínio, fortemente assentes numa ideia de especificidade cultural, identitária e étnica dos jovens descendentes. Mas, para além da especificidade, sobressai também a similaridade destes jovens relativamente aos seus pares: tanto quanto descendentes de imigrantes, estes são jovens participantes nas instituições familiares, educativas, sociais e culturais, desafiados por processos de transição para a vida adulta crescentemente complexos e por mercados de trabalho em transformação. Importa, por isso, chamar à reflexão contributos da sociologia da juventude e da educação, entrecruzando- as, expandindo o campo teórico-temático e procurando a articulação com outros eixos analíticos, que possibilitem uma perspectiva circunferente, a 360 graus.

3. Ampliando os planos de focagem: matrizes e contextos de