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1. A Lexicologia

1.3 Léxico e Gramática

Para tratarmos da relação entre léxico e gramática, utilizaremos como suporte teórico os seguintes autores: Vilela (1995), Jackson e Amvela (2004) e Carvalho (1984).

Para Vilela (Vilela (1995): 14-15), uma das disciplinas linguísticas que mais confina com o léxico é a gramática. A delimitação tradicional entre estas duas disciplinas é que o léxico constitui um sistema aberto mais ou menos imprevisível e quase infinito e a gramática forma um sistema fechado.

As estruturas fonológicas, morfológicas (morfemas, artigos, conjunções, preposições, pronomes, sufixos, desinências nominais e verbais) e estruturas sintácticas (como modelo de construção) fazem parte de um conjunto finito.

Segundo Vilela (Ibidem: 15), os limites léxico-gramática, mesmo a nível de inventariação de unidades, são desde logo postos em causa por fenómenos que podemos designar por “lexicalização” de elementos gramaticais e “gramaticalização” de elementos lexicais, o que acontece sobretudo no plano diacrónico.

Assim, há lexicalização de elementos gramaticais em (estar) de permeio, atempadamente (= a tempo e horas), inconclusivo (= isto não é conclusivo) e a verbalização de nomes (normalmente, nomes deverbais) por meio de verbos de valor genérico, designados em linguística como verbos “suporte” como, por exemplo, fazer (fazer uso de = usar, fazer alarde de = alardear, fazer perguntas = perguntar, etc.), ter (ter em consideração = considerar, ter em mente, ter aplicação em, etc.), pôr (pôr a questão = questionar, pôs entraves a = entravar, etc.).

Há também a gramaticalização de elementos lexicais como, por exemplo, em mediante (“que medeia”, antigo particípio de mediar: mediante o amigo), excepto (particípio do verbo latino excipere), durante (“que dura”), mente (duramente), e, como vimos, deslexicalização ou gramaticalização de plenos como ter, ser, fazer, pôr, dar (dar para a rua, dar no vinte), etc.

No entanto, Vilela (Ibidem) observa que, por outro lado, há muitos factos linguísticos que se encontram entre as duas disciplinas. Por exemplo, onde tratar e colocar casos do género de: modo e moda, folho e folha, lenho e lenha, covo e cova, limo e lima, o rádio (elemento) e a rádio (aparelho), o capital (o metal sonante que nos dá o pão de cada dia) e a capital (que tanto capital custa ao país), o fruto e a fruta, o gesto e gesta, o dito e dita, ou ainda boi e vaca, rei e rainha, pai e mãe, etc.

Para Carvalho (Carvalho (1984): 505), a análise lexicológica exige, como condição preliminar, que se encontre realizada a identificação e delimitação dos seus objectos próprios, isto é, que se saiba quais são nessa língua os significantes que devem considerar-se como palavras, separando-os daqueles outros a que chamamos sintagmas.

Ora sucede que essa condição preliminar, de acordo com o autor, nem sempre é fácil de cumprir, constituindo um problema simultaneamente prático e teórico por vezes bastante complexo.

Essa complexidade resulta essencialmente de que o limite entre sintagma e a palavra (por conseguinte - noutra perspectiva – entre significantes presos e dependentes) e mais precisamente entre sintagmas e palavra composta, é um limite impreciso, o que se traduz em que, se em certos casos concretos (e podem ser a maioria, como no português) não temos dúvida em classificar um dado significante quer numa quer noutra classe. Noutros casos não é possível uma afirmação categórica porque temos razões para hesitar sobre a inclusão dos significantes em causa na classe dos sintagmas ou no das palavras.

Nesse sentido, o autor exemplifica da seguinte forma: se casa é indubitavelmente uma palavra e vou para casa é indubitavelmente um sintagma, não podemos afirmar com igual certeza, sem uma mais demorada reflexão, a qual dessas classes pertencem significantes como mal-me-quer, amor-perfeito, aguardente (ou água-ardente), abaixo-assinado e muitos outros de estrutura análoga.

Para dar conta desse facto, Carvalho (Ibidem) observa que parece imprescindível admitir a existência de uma verdadeira gradação entre o sintagma e a palavra - gradação válida tanto diacrónica como sincronicamente, em que distinguimos desde logo três termos ou graus: sintagma livre, sintagma fixo e palavra (composta).

De acordo com Carvalho (Ibidem), diacronicamente entende-se essa gradação no sentido de que os termos do que era inicialmente um sintagma livre se imobilizaram, com o decorrer dos tempos, numa combinação cristalizada que constitui um sintagma fixo, do qual resultou, posteriormente, uma soldagem mais íntima desses termos, uma nova entidade já não analisável em entidades menores sucessivas, isto é, uma palavra.

Na perspectiva sincrónica (aquela que de momento nos importa), a referida distinção equivale, por sua vez, à afirmação da existência contemporânea num idioma dos mesmos três graus - do sintagma livre, em “ficar de boca aberta” ou do sintagma fixo, em (um ramo de) bocas-de-lobo e, por fim, da palavra (composta) em (ficar) boquiaberto e, por conseguinte, de uma nova categoria de significantes - a segunda - que participa das propriedades simultaneamente da palavra e do verdadeiro sintagma e que, por falta de termo talvez mais adequado, designamos pela expressão proposta.

Dessa forma, sintagma fixo e sintagma livre opõem-se, semanticamente, em que, se o segundo significa um conceito complexo, o primeiro, do mesmo modo que a palavra, significa um conceito simples.

O sintagma fixo nas palavras de Carvalho (Ibidem: 514) apresenta-se como uma unidade morfo-sintáctica análoga à da palavra que se manifesta nas seguintes propriedades:

(a) a ordem de sucessão dos termos do sintagma fixo é inteiramente rígido - não sendo suscetível de se inverter - e entre eles não pode introduzir-se qualquer outro termo. Se rapaz bom pode transformar-se em bom rapaz, (quase) sem alterar a significação, amor-perfeito não pode transformar-se em perfeito-amor.

(b) Se em “sempre tenho dito”, entre os termos do sintagma tendo dito se pode intercalar o advérbio sempre (que ali precedia o sintagma), transformando- o em “tenho sempre dito”, em “um formoso amor-perfeito”, o adjectivo formoso não pode colocar-se entre os dois termos do sintagma amor- perfeito, transformando-o em “um amor formoso [e] perfeito”;

(c) O sintagma fixo não é susceptível de derivação, quer por substituição, quer por supressão, quer por expansão. Ou seja, o sintagma fixo é uma associação de palavras em sequência fixa, que constitui uma unidade sintáctica perfeita e também muitas vezes semântica (significando um conceito simples) e morfológica.

No processo histórico em que se encontra aquela segunda classe de significantes – como cristalização da primeira - está a palavra composta, a qual pode porém sincronicamente coexistir com ela. No número das palavras compostas contamos em português significantes tais como: pernalta, barbirruivo, boquiaberto, cabisbaixo, altifalante, agridoce, multicor, etc.

O autor chama de significação básica ou primária a essa significação mais simples e constante, comum a todos os termos de cada uma das séries examinadas e de outras análogas e dá o nome de núcleo ou monema nuclear ao significante mínimo que se apresenta mais ou menos invariável em cada um desses termos.

O núcleo ou monema nuclear será, por conseguinte, o monema comum a toda uma série de palavras que nelas manifesta uma mesma significação básica. Aos restantes monemas, acrescidos aos primeiros e portadores de outras significações secundárias que, agregadas à significação primária, a determinam modificando – o autor denomina-os de fixos ou monemas marginais. (Ibidem: 522)

De acordo com Carvalho (Ibidem), os Sufixos resultam de uma propriedade universal ou quase universal das línguas conhecidas: o papel predominante que nelas desempenha, em qualquer das funções mencionadas, o morfema sufixal – exceptuando-se as línguas isolantes. Talvez não haja língua ou família linguística em que não existam sufixos, mesmo aquelas em que outra classe (a dos prefixos) prepondera; mas há muitas que não possuem prefixos e muitas mais as que não têm infixos. Há, porém, ainda outras circunstâncias em que se afirma o papel relevante desempenhado pela primeira classe de afixos.

Os infixos são dessas três classes a menos frequente, embora ocorram nos mais variados grupos linguísticos do Mundo: nas línguas semíticas, onde, por exemplo, no árabe, existe - t - como morfema infixado na 8ª forma verbal – “intasara”, “ser ajudado”, da 1ª forma nasara “ajudar”, ou “igitamaera” “reunir-se”, de gamaea “reunir”; no soque do Médico – onde temos, por exemplo, um infixo –y- (incluído no núcleo ken “olhar, ver”) em kynhaayu, ou nos ilocanos das Felipinas - onde a palavra kinita “thing seen”, comparada com KITA “a sight”, vemos o moferma - in - intercalado no núcleo. (cfr. Ibidem: 542)

Os prefixos, por sua vez, não só na nossa língua mas em todos os idiomas românicos e ainda no inglês e em muitíssimas outras línguas europeias e extraeuropeias, são muito menos numerosos que os sufixos (e menos frequentes que eles nos textos) além de desempenharem meramente função derivativa: exemplarmente como refazer, desfazer, perfazer, derivados de fazer. Já os prefixoides têm carácter sintagmático e, portanto, a independência relativa do derivativo revela-se não apenas no aspecto fónico, mas também significativamente, no ponto de vista lexicológico, morfológico e até sintático. (cfr. Ibidem: 547-551)

Lexicologicamente, os sufixos em questão aparecem aí anexos, não a um tema primário puro, mas ao tema acrescido de um actualizador que é de facto um dos actualizadores léxicos da palavra primitiva. O autor exemplifica da seguinte forma (Ibidem: 551): Súbit-o, súbit-a – subit-a-mente; Corp-o – corp-o-z-inho; Amig-o, amig-a – amig-o-z-inho, amig-a-z-inha.

Sintetizando acerca da constituição monemática das palavras, Carvalho (Ibidem: 570) apresenta as propriedades específicas das três classes léxicas a que habitualmente nos referimos como as das palavras simples, derivadas e compostas.

A primeira classe opõe-se simultaneamente às duas restantes: ela constitui a mais “simples”, a fundamental das classes lexicológicas em qualquer língua e a que é comum a todas as línguas, onde as outras podem existir ou não existir. Por isso, as palavras que a integram chamam-se simples ou primitivas: aquelas cujo tema é constituído só pelo núcleo, isto é, por um único monema, semantema como em barco, grande, cantar, morfema como em todo este, determinado ou não por afixos gramaticais “strictu sensu”. (cfr. Ibidem)

As duas restantes classes têm entre si de comum precisamente o que as opõe à anterior: o factor de o seu tema não se identificar com o núcleo, de ser formado pela associação de dois ou mais monemas, diferindo entre si na natureza desta associação.

Dizem-se derivadas as palavras cujo tema resulta da combinação de um núcleo (semantema) com um ou mais fixos derivativos ou de uma alteração introduzida no tema primitivo, como barqueiro, embarcação, grandeza, seca.

São palavras compostas aquelas que têm como tema uma combinação monemática equivalente a um sintagma, de que pode pois fazer parte mais de um semantema. Assim sucede em pontiagudo - tema [pont + agud-], com dois semantemas, equivalente ao sintagma ponta aguda ou em sensabor - tema [sem+sabor] composto de um morfema e um semantema equivalente ao sintagma sem sabor. Por vezes, pode suceder que esse sintagma correspondente exista como sintagma fixo, a par da palavra composta: é o que se dá com perna-longa s.m e pernilongo adj. e s.m. (cfr. Ibidem: 571)

O único objecto da Lexicologia é a “lexie”, ou seja uma formalização e, simultaneamente, uma generalização da noção de palavra. «La lexie est l’unité de base de la lexicologie – en fait, son objet central et même, en schématisant un peu, son seul et unique objet. Le concept de lexie est une formalisation et, simultanément, une généralisation de la notion de MOT.» (Mel’cuk et alii (1995): 15)

Concentraremo-nos, de seguida, no conceito de léxico enquanto objecto de estudo por parte da Lexicologia.