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1. A Lexicologia

1.4 Objecto de estudo: o léxico

1.4.3 Mutabilidade do léxico

1.4.3.5 Variações e subdivisões do léxico

demonstrámos que é relevante considerar que o mesmo tem um carácter mutável e não tem limites definidos, já que se trata de um campo aberto. De acordo com três factores principais, o léxico varia. Varia no tempo, no espaço e no registo.

1.4.3.5 Variações e subdivisões do léxico

A língua portuguesa cuja difusão se foi operando ao longo dos séculos nas mais diversas partes do mundo, apresenta, necessariamente, variações verificadas a todos os níveis: fonético, morfológico, sintáctico, semântico e também lexical.

De acordo com a variação ocorrida no tempo, no espaço ou no registo, denominamo-la de variação diacrónica, diatópica ou diastrática, respectivamente.

Sobre estas variações, as autoras Alise Lehman e Françoise Martin-Berthet expõem que

«[l]a variation diachronique est la variation dans le temps. […], certains mots anciens ne sont plus utilisés ni compris […] ; des mots nouveaux, ou néologismes, apparaissent […]. / La variation diatopique est la variation dans l’espace. / La variation diastratique est liée aux registres, qui découpent dans le lexique des «strates» horizontales : familier, littéraire, argotique, etc.» (Lehman e Martin- Berthet (1998): 04)

Desta forma, reencontramos os conceitos anteriormente explanados, no que concerne à variação diacrónica, ao considerar os arcaísmos e neologismos recorrentes no léxico que contribuem para o seu enriquecimento e mutabilidade.

A variação diatópica tem a ver com o espaço, quer no âmbito das línguas que são diferentes conforme o país, quer também dos regionalismos, dialectos e, em alguns casos, crioulos existentes no mesmo espaço. Os dialectos são as subdivisões da língua que apresentam características próprias consoante a região do país onde é falada. São essas características, verificadas tanto a nível da pronúncia como de vocabulário, que nos permitem identificar a região de origem de um falante.

A variação diastrática prende-se, quanto a ela, com a variação de registo de acordo com o contexto do acto de comunicação (língua padrão, coloquial, popular, literária, gíria, etc.), mas também com o nível social e cultural do falante, a idade e o sexo, que implicam variações linguísticas.

Sobre a variação linguística, Celso Cunha e Lindley Cintra resguardam que «[…] uma língua apresenta, pelo menos, três tipos de diferenças internas, que podem ser mais ou menos profundas: / 1.º) diferenças no espaço geográfico, ou VARIAÇÕES DIATÓPICAS (falares locais, variantes regionais e, até, intercontinentais); / 2.º) diferenças entre as camadas socioculturais, ou VARIAÇÕES DIASTRÁTICAS (nível culto, língua padrão, nível popular, etc.); / 3.º) diferenças entre os tipos de modalidade expressiva, ou VARIAÇÕES DIAFÁSICAS (língua falada, língua escrita, língua literária, linguagens especiais,

linguagem dos homens, linguagem das mulheres, etc.)» (Cunha e Cintra

(1994): 03)

O léxico geral é comum a todos os locutores, mas também existem léxicos de especialidade ligados a um domínio específico, como indicam as supra citadas autoras: «[…] les lexiques de spécialité sont liés à un domaine: science […], science et technique […], métier […], activité […]. L’étude des lexiques de spécialité est la terminologie.» (Lehman e Martin-Berthet (1998): 03)

A esse propósito, Inger Rosengren explica que

«[a]o usar-se uma língua de intercâmbio numa determinada classe de situações apela-se para o léxico específico que contenha os lexemas necessários à expressão adequada dum determinado assunto nesta classe situacional. É evidente que não existe um falante ideal que disponha de todos os léxicos específicos duma língua. Há, no entanto, falantes que dominam partes de diversos léxicos específicos. Há ainda falantes que dominam pelo menos um léxico especial. Estes léxicos específicos são frequentemente designados por léxicos técnicos. Mas pensa-se então sobretudo nos léxicos específicos da ciência, da técnica, da economia, etc. Existem também léxicos específicos da vida corrente, embora se evite ligar a

palavra específica com o conceito da vida corrente.» (Rosengren (1979):

295)

De salientar que a noção de registos de língua é fundamental e remete para o contacto do locutor com a diversidade dos vocabulários. Existem várias formas de expressão, desde a mais grosseira à mais distinta.

«Le contact le plus précoce et le plus répandu de tout locuteur avec la diversité des vocabulaires concerne l’apprentissage des registres de langue. / Cette notion correspond à l’expérience commune qu’il y a différentes façons de s’exprimer, de la plus grossière à la plus «distinguée». Les différentes composantes de la langue concourent à définir les registres: qualité de la prononciation, de la syntaxe et

Os enunciados, orais ou escritos, dependem, pois, das situações de comunicação. Para transmitir a mesma informação, o mesmo indivíduo poderá utilizar registos de língua diferentes em função do seu interlocutor, do local e das circunstâncias em que se encontra e da natureza da mensagem.

André Martinet explana que

«[c]onforme o sexo, o grau de cultura, a variedade dos interesses, a profissão, o sujeito empregará este ou aquele termo, distinguindo-o de forma precisa de um outro, ou então poderá usá-lo de uma forma relaxada, ou ainda conhecê-lo de forma passiva e poderá identificá-lo como pertencendo a este ou àquele domínio,

ou, por fim, poderá desconhecê-lo totalmente.» (Martinet (1995): 267)

Da necessidade desta adequação decorrem registos de língua que se distinguem tanto a nível da gramática como do vocabulário.

Embora não havendo uma demarcação rígida entre eles, os registos de língua podem ser reunidos em três grandes grupos: o registo corrente, o registo cuidado e o registo familiar.

Por registo corrente, identifica-se a língua padrão, a norma, utilizada pela maioria dos falantes de uma língua e que se caracteriza pela utilização de palavras, expressões e construções gramaticais simples.

O registo cuidado é pouco utilizado na oralidade, excepto em ocasiões solenes como discursos políticos, conferências, sermões. Caracteriza-se por um vocabulário rebuscado, por uma construção gramatical complexa.

O registo familiar, quanto a ele, é utilizado em situações caracterizadas pela informalidade, em família, entre amigos. Emprega um vocabulário muito simples e pouco variado. A frase também é muito simplificada gramaticalmente.

Existem, ainda, outros registos mais específicos como o registo de língua popular, a gíria, o calão e a linguagem técnico-científica.

As camadas menos alfabetizadas da população utilizam o registo de língua popular que é caracterizado pelo emprego de uma linguagem mais simples, tanto a nível do vocabulário como da sintaxe. O vocabulário inclui muitas vezes expressões pitorescas, variáveis de região para região.

A gíria é um conjunto de vocábulos e expressões adoptadas em certas profissões ou actividades. Existe, por exemplo, a gíria dos jornalistas, dos tipógrafos, dos pescadores, dos estudantes, dos automobilistas.

O calão é um registo de língua que abrange dois tipos de palavras: as palavras que são usadas por quase todos os falantes e as que são usadas por um número restrito de falantes, os marginais.

A cada um dos domínios do conhecimento, quer das ciências humanas, quer das ciências exactas, quer dos vários ramos técnicos, corresponde uma terminologia especializada, exacta e rigorosa que não é do conhecimento da maior parte dos falantes. Os dicionários, glossários e enciclopédias especializados, assim como os livros técnicos, utilizam esta linguagem.

Para além dos registos de língua existentes e das situações enunciativas, importa realçar, nesse caso, que cada falante possui o seu próprio léxico, o léxico dito “específico” de acordo com a aquisição do mesmo, da classe social onde está inserido, da sua cultura, da(s) profissão(ões) exercida(s) na fase adulta, etc.

Por “léxico específico” entendemos o léxico

«[...] que contenha os lexemas necessários à expressão adequada dum determinado assunto nesta classe situacional. É evidente que não existe um falante ideal que disponha de todos os léxicos específicos duma língua. Há, no entanto, falantes que dominam partes de diversos léxicos específicos. Há ainda falantes que dominam pelo menos um léxico especial. Estes léxicos específicos são frequentemente designados por léxicos técnicos. Mas pensa-se então sobretudo nos léxicos específicos da ciência, da técnica, da economia, etc. existem também léxicos específicos da vida corrente, embora se evite ligar a palavra específico

com o conceito da vida corrente.» (Rosengren (1979): 295)

Niklas-Salminem, no seu livro sobre Lexicologia, apresenta uma definição dos quatro tipos de sub-léxicos referindo que «[c]ertains linguistes ont coutume d’envisager à l’intérieur du lexique total quatre types de sous-lexiques : / 1) ceux des langues régionales ; / 2) ceux des langues sociales ; / 3) ceux des langues thématiques ; / 4) ceux des langues de générations.» (Niklas-Salminem (1997): 30)

No que diz respeito ao sub-léxico regional, «[i]l faut veiller à ne pas confondre les parlers régionaux avec les dialectes et les patois, dont l’étude fait l’objet de la dialectologie, ainsi que les langues indépendantes parlées sur le territoire d’un pays.» (Ibidem)

O léxico social determina-se de acordo com a própria estruturação social e acaba por romper a sociedade em função das classes sociais. Com efeito, o léxico de um falante também advém da sua classe e variação social.

A título de exemplo,

«[…]: on peut remarquer qu’un ouvrier ne s’exprime pas comme un agriculteur, qui lui-même ne parle pas comme un professeur d’université. Cette variation sociale, qui se manifeste dans la langue, découpe la société en fonction des classes sociales. / En général, les langues sociales ont tendance à refléter, dans nos civilisations surtout, l’opposition de la classe dirigeante, qui est, le plus souvent, la classe cultivée, aux autres classes.» (Ibidem : 30-31)

O léxico temático remete para os sectores de interesse do falante, quer a nível dos seus desempenhos profissionais, quer das suas ocupações, quer dos seus lazeres. Distingue-se dos restantes sub-grupos dado que

«le thème qui le définit est extérieur à la fois au système de la langue et à la situation de ses usagers. C’est le domaine de la connaissance, quasiment inépuisable, qui rassemble toutes sortes de terminologies aux limites incertaines ou un nombre considérable de noms propres qui s’y trouvent liés. Les langues thématiques, en rapport direct avec le monde, fournissent les éléments du lexique les plus nombreux et les plus instables, généralement consignés dans les

encyclopédies et les dictionnaires spéciaux.» (Ibidem : 31-32)

No léxico geracional, e como é do conhecimento geral, todas as línguas são mutáveis e alteram-se de forma permanente, de acordo com os períodos.

Essas mudanças ocorrem na língua e mais particularmente no léxico. Algumas palavras nascem, outras morrem: sendo menos usadas pelos falantes, acabam por desaparecer com eles. A língua está em constante evolução e desenvolvimento, ao longo dos séculos, existindo, portanto, uma língua de geração. Tem a ver com a geração em que nasceu, cresceu e viveu. Este tipo de variação no léxico prende-se com o seu carácter mutável. Como já foi acima mencionado,

«[t]outes les langues naturelles changent de façon permanente, selon les périodes, soit brutalement, soit imperceptiblement. Ces changements dans le temps touchent tous les domaines de la langue, mais ils sont particulièrement sensibles en ce qui concerne le lexique. Certains mots naissent et d’autres meurent «faute de combattants» : un mot à la mode à un moment donné est de moins en moins employé au fur et à mesure que ses usagers vieillissent et disparaissent. […] / Si la langue se développe au cours des siècles, c’est qu’elle se développe d’une génération à l’autre et pour un même sujet parlant de sa naissance à sa mort. Par les langues de générations, on entend les langues lexicalement différentes qui sont parlées à un moment donné par les individus d’âges divers vivant ensemble dans

O sistema léxico de uma língua traduz ainda a experiência cultural acumulada por uma sociedade através do tempo, ou seja, pode ser considerado como o património vocabular de uma comunidade linguística através de sua história, um acervo que é transmitido de geração em geração.

A existência desta multiplicidade de variações da língua portuguesa não é suficiente, no entanto, para impedir a sua unidade. Na realidade, a unidade é garantida por uma das suas realizações: a língua padrão. A mesma, actuando como modelo, como norma, desempenha uma função unificadora. Por língua padrão, entende-se o registo corrente que é utilizado pela maioria dos membros da comunidade linguística.

Caracteriza-se pelo emprego de palavras, expressões e construções gramaticais simples.

Para além do carácter mutável do léxico que se prende essencialmente com a Morfologia lexical, na medida em que abordamos a criação/formação de palavras, procuramos ressalvar, de seguida, que a análise do sentido lexical das unidades lexicais, isto é a relação com a Semântica, permite ainda a extracção de relações entre acervos mais importantes de palavras.

Consideramos que nas línguas onde «[...] le mot constitue incontestablement le signe de base [...], la morphologie lexicale se double d’une branche proprement sémantique qui définit et classe les mots en vertu de leur sens.» (Riegel et alii (1996): 558)

Essas relações entre palavras são vistas como estruturais uma vez que contribuem para a organização do léxico, como explana Marie-Françoise Mortureux. Para a linguista,

«[l]’analyse du sens lexical en unités plus petites permet de dégager des relations qui s’observent entre des ensembles importants de mots. Ces relations, régulières du fait de leur application très large, sont dites structurelles parce qu’elles

contribuent à organiser le lexique.» (Mortureux (2004): 80)

De entre estas relações que se prendem com o sentido das palavras, destacamos como estudos possíveis a realizar com o léxico, as relações de hierarquia (hiperonímia/hiponímia), de semelhança (sinonímia/antonímia), a polissemia, a paronímia, a homonímia e o protótipo.