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1. A Lexicologia

1.4 Objecto de estudo: o léxico

1.4.3 Mutabilidade do léxico

1.4.3.3 Os empréstimos/estrangeirismos

Os empréstimos/estrangeirismos são, como o nome indica, palavras que provêm de línguas estrangeiras. Na actualidade, com a rápida evolução da ciência e da tecnologia, é constante o aparecimento de novas palavras.

Sobre a noção de empréstimo, encontramos diversas definições e considerações.

Passamos a apresentar, de seguida, algumas dessas definições do conceito de empréstimo que figuram em estudos linguísticos e que salientam o enriquecimento da língua, mais particularmente do seu léxico, ao adquirir palavras novas existentes noutras línguas.

Deste modo, os linguistas Victoria Fromkin e Robert Rodman referem que «[a] maior parte das línguas importa palavras de outras línguas e todo o léxico pode dividir-se em palavras nativas e não nativas (normalmente denominadas

empréstimos). Uma palavra nativa é uma palavra cuja história (ou etimologia)

pode ser reconstituída até à fase mais remota que conhecemos da língua. / O empréstimo pode ser directo ou indirecto. Há empréstimo directo quando a

palavra importada é nativa da língua de que foi trazida.» (Fromkin e Rodman

(1993): 316-317)

Por conseguinte, e de acordo com a definição supra mencionada, segundo a origem da palavra, a mesma pode ser “nativa” ou “não nativa”, com uma etimologia, uma história ou até mesmo um “empréstimo” de outra língua, respectivamente.

No âmbito dos estudos ligados à Lexicologia, o linguista Mário Vilela define o empréstimo como

O empréstimo, ao ser bloqueado, adapta-se, com o tempo, gráfica e fonicamente,

à língua importadora.» (Vilela (1994): 17)

Com o decorrer do tempo, muitos dos estrangeirismos acabam por se integrar completamente na língua portuguesa. Costumam ser designados segundo a língua de origem, citando a título de exemplo, do francês: galicismos ou francesismos, do inglês: anglicismos, do alemão: germanismos, do espanhol: espanholismos e do italiano: italianismos.

Na actualidade, cada vez mais se constata que

«[…] o uso de palavras estrangeiras representa, principalmente na era da globalização, nada mais do que a interpenetração de culturas, em conseqüência da alta velocidade das comunicações, da massificação de algumas culturas em relação a outras, fazendo com que os termos mais facilmente façam parte da comumicação dos indivíduos para que se sintam em sintonia com o mundo.» (Brito (2005): 177)

Pode-se verificar, ainda, que a língua portuguesa conta com empréstimos necessários – os que configuram conceitos a que não corresponde qualquer palavra existente na língua -, como aconteceu com soneto, sesta, blue-jeans que designam objectos desconhecidos na língua e empréstimos de luxo – os que recobrem conteúdos para os quais a língua importadora possui determinados termos, como em palace: palácio; timing: calendarização; pattern: padrão; marketing: comercialização; speech: alocução; speaker: locutor.

Contudo, mesmo para falantes atentos à defesa do património linguístico, há sempre a preferência por termos importados mesmo quando já há um termo proposto como tradução oficial e correcta, por causa de determinadas matizes e do prestígio da palavra importada, como acontece em hardcore e núcleo duro; software e programa.

Levando-se em conta, ainda, as informações de Vilela (Vilela (1994): 17), além dos empréstimos formais e conteudísticos, que designamos por estrangeirismos, temos também empréstimos semânticos em que o conteúdo importado é expresso por meios próprios da língua importada ou traduz o conteúdo, sendo que a forma tradutora não apresenta qualquer afinidade com a forma da língua que forneceu a designação, como, por exemplo, em (ingl.) sky-scraper > arranha-céus; iron curtain (ingl.) > cortina-de-ferro; weekend (ingl.) > fim-de-semana, ou existe alguma afinidade sequencial e informal entre as duas formas: birth control (ingl.) > controle de nascimento, ou ainda, e de modo mais próximo em (ingl.) paper Money > papel moeda; free-thinker > livre pensador; (fr.) haute couture > alta costura.

Para Vilela (Ibidem: 18), o empréstimo semântico propriamente dito surge quando a uma palavra existente se acrescenta um novo sentido, embora conserve o antigo, como podemos ver exemplarmente com as palavras a seguir: a) investir que significava inicialmente apenas “dar investidura”, “empossar” recebe, por influência do francês, depois do séc. XVI, o sentido de “atacar” e modernamente inclui, por influência do inglês to invest, o valor de “aplicar capitais em”; b) computador, existente já na língua como “agente humano que fazia cálculos” e passa, por influência do inglês computer, a designar “agente mecânico ou electrónico que efectua cálculos”. Outro problema é o de se saber – e isso constitui um problema da história da língua - se se trata de um empréstimo directo ou indirecto. Assim, e apenas a título de exemplo, o francês exerceu até há bem pouco tempo o papel de mediação no domínio dos empréstimos do inglês para o português.

Situando-nos já no domínio histórico do português, Vilela (Ibidem) afirma que os empréstimos se enquadram em processos que envolvem todas as línguas europeias: foi o chamado latim bárbaro na Idade Média, o latim clássico na Renascença, dando corpo e espírito ao humanismo; foi o italiano na revolução cultural dos séculos XI- XIV; foram o francês e o inglês na revolução industrial dos séculos XVII e XIX.

Mas, mais concretamente, as influências marcantes do português são os chamados: (a) occitanismos na época da poesia trovadoresca (trovar, pastorela, etc.); (b) os italianismos, tanto na época do português arcaico (como piloto, sentinela, etc.), e, sobretudo no século XVI, abrangendo áreas da vida cultural (humanista, novela, comediante, fachada), da vida militar e marítima (atacar, infantaria, tropa, bússola, etc.), da vida económica (crédito, factura, etc.), e posteriormente, em diferentes épocas, ferrovia, ferroviário, diletante, maestro, piano, balcão, pérola, ribalta, violoncelo, etc.; Relativamente aos italianismos existentes no português, Vilela (Ibidem) observa que ocorrem em quase todas as línguas consideradas cultas, como adágio, alegro, aguarela, ária, arlequim, burlesco, camarim, cantata, concerto, contralto, dueto, fiasco, ópera, polichinelo, prima-dona, quinteto, serenata, solfejo, sonata, soprano, violino, tenor, ou salame, mortadela, macarrão, caricatura, etc., embora denunciem de forma clara a língua fornecedora, patenteiam uma adaptação completa (gráfica e fónica) ao corpo léxico do português. (c) os castelhanismos, como seria de esperar, representam uma influência considerável, relativamente ao

Eis alguns exemplos entre os mais representativos da presença dos castelhanismos no português: airoso, ampulheta, bolero, botija, cedilha, charla, duende, fandango, granizo, hombridade, mandriar, neblina, novilho, pirueta, pundonor, sarabanda, tejadilho, zarzuela, aficionado, ganadeira, salero, etc.; (d) os chamados latinismos são particularmente importantes através de traduções nos séculos XII e XIII, através do Latim Eclesiástico nos séculos XIV e XV, e, sobretudo no século XVI – na época do humanismo - em que se deu a relatinização do português, provocando a formação de formas duplas com conteúdos mais ou menos específicos, tais como: delgado/delicado, corgo/córrego, rezar/recitar, adro/átrio, caule/couve, mascar/mastigar, coalhar/coagular, alhear/ alienar, pesar/pensar, alvedrio/arbítrio, mácula/manchar, cadeira/cátedra, caldo/cálido, cheio/pleno, chorão/florão, catar/captar, ensosso/ insulso, meigo/mágico, solteiro/solitário, traição/tradição, etc.; (e) os internacionalismos como, por exemplo, materialismo, racionalismo, ou fornecendo modelos de formação (em que entram também elementos do grego), cuja presença se verifica, sobretudo nos séculos XIX e XX, como se exemplifica por barómetro, termómetro, agrimensor, autódromo, velódromo, hipódromo, bioquímica, biomassa, telecomando, etc. (Neto (1977): 19) (f) os francesismos têm sido, sobretudo a partir de dado momento, uma presença constante no português. Mesmo vocábulos de outras origens (sobretudo inglesa) chagavam-nos, até há cerca de uma dezena de anos, e em regra, por via francesa. Fazendo uma perspectivação sincrónica do léxico do português, não distinguindo as diferentes épocas de entrada, vemos que a maior parte dos francesismos se integram totalmente no corpo da língua, como se pode verificar em burel, chaminé, chapéu, folia, franco, granja, assembleia, aviação, barricada, boletim, cabaré, cabine, chantagem, comboio, confecção, cupão, envelope, embalagem, etiqueta, gravata, passaporte, solidariedade, altruísmo, abordar, caracterizar, centralizar, emoção, entidade, gestão, bilhete, funcionário, hotel, etc. Outros vocábulos conservam ligeiras marcas grafémicas ou fonéticas da língua de origem, tais como puré, greve, matiné, omelete, bom-tom, bombom, buqué, clichê, creche, flan, suite, esqui, etc. Muitos conservam, contudo, todas as marcas gráficas e fonéticas da língua de origem: toilette, soireé, matineé, chauffeur, chauffage, boudoir, robe-de-chambre, bidon, atelier, beige, soufflé, etc.

Segundo Vilela (Vilela (1994): 20), os francesismos são de tal maneira abundantes que documentam todas as variedades possíveis de empréstimos, as diferentes formas de empréstimos semânticos, como se pode ver por abordar, licor, arranha-céus, etc. Acontece mesmo que palavras do português importadas pelo francês são-nos devolvidas com um valor próprio, como acontece com fétiche: a palavra portuguesa feitiço introduziu-se no francês sob a forma de fétiche e assim modificada voltou ao português, sem fazer desaparecer a forma anterior, e como valor original do termo português feitiço (“o nome dado ao ídolo pelo próprio adorador”), enquanto a palavra portuguesa feitiço tem o valor de “malefício de feiticeiros” ou “bruxaria”. (g) os anglicismos, sobretudo a partir do século XVIII e, a dado momento, os americanismos, directa ou indirectamente, inundaram o léxico português e em quase todos os domínios, os que vão desde os novos conceitos de lazer até às designações da (mais) alta tecnologia. Não podemos dizer que haja um processo preferido pelo português na recepção dos anglicismos (em que incluímos os americanismos): (g1) ou há uma adaptação plena como em tosta, computador, entrevista, legislatura, ultimato, absolutismo, boicotar, radical, plataforma, anglicano, puritano; (g2) ou há uma meia adaptação como em futebol, golo, iate, joquei, júri, líder, lanche, lorde, rosbife, teste, sanduíche, uísque, clube, recorde, cheque; (g3) ou se trata de decalque, como em alta fidelidade, ar condicionado, supermercado, escada rolante (= escalator), contentor (= container); (g4) ou se trata de empréstimos semânticos, como em parlamento (que significava anteriormente apenas “discurso” numa assembleia), investir (no sentido de “aplicar capitais”), agressivo (com valor positivo), sofisticado (que antes significava “alambicado”, “afectado” e agora significa “altamente aperfeiçoado”), audiência (no seu novo valor de “audience”: auditório), abordagem (no sentido de “approach”), significativo (que por força de significative passa a ter o valor de “importante”), sensível (que passou a ter o valor de difícil/delicado), oportunidade (que por contaminação com opportunity passa a ter o valor de “ocasião” ou “possibilidade”), expectativa (que recebe o conteúdo de expectation), convencional (que através de conventional passa a opor-se a “clássico/tradicional/habitual: “armas convencionais/agriculturas convencionais), analistas (no sentido de comentadores), absolutamente (como o valor de absolutely), núcleo duro (para traduzir hardcore),

(g5) ou conservam a sua forma fonética e grafémica como derby, tennis, baby-sitter, bit, call-girl, snob, flirt, bridge, music-hall, copyriht, vatt, pipeline, trolley, average, ferry-boat, rally, score, trust, iceberg, spot (publicitário), etc. em que há mesmo uma aproximação fonética do inglês na realização oral destas palavras. (Ibidem: 21)

Outras influências, embora menos importantes, deixam, contudo algumas marcas, como:

(a) o alemão, visível em termos como Nazi, Ostpolitik, Putsch, Lied, Leitmotiv, Realpolitik, zinco, cobalto, feldspato, ou em empréstimos semânticos como visão do mundo, cosmovisão, jardim de infância, etc.;

(b) os indianismos, como caipira, colibri, tapioca, piroga, pitanga, batata, cacique, milho, tabaco, canoa, condor, pampa, ananás, jaguar, piranha, etc.; (c) os orientalismos como bambú, bonzo, pagode, leque, andor, bazar, bengala,

nanquim, chá, chávena, pires, corja, jangada, brâmane, mandarim, monção, pária, raja, tufão, biombo, soja, gueixa, quimono, samurai;

(d) o hebraico, em termos como hissope, hossana, aleluia, balsamo, sábado, satanás, etc., ou nomes de pessoas como Raquel, Rute, José, Isaías, Daniel, etc.;

(e) o russo, como em soviete, cossaco, estepe, balalaica, vodka, glasnost, perestroika;

(f) as línguas africanas, como em batuque, missanga, berimbau, búzio, cachaça, macaco, moleque, tanga, banana, banjo, zebra, banzé, cachimbo, cacimba, cubata, candonga, carimbo, embondeiro, quitanda, etc.

Aliás, muitos destes termos, segundo Vilela (Ibidem: 22), foram introduzidos nas línguas europeias através do português. Foi precisamente no vocabulário que se deu a maior influência dos descobrimentos na língua portuguesa. Vocábulos africanos, malaios, indianos, etc., entraram no português e nas línguas europeias pelo porto de Lisboa.

Em conclusão, por um lado, podemos considerar que as fontes do vocabulário português são o latim (latim coloquial tardio); o árabe, o provençal e o francês; o latim eclesiástico (por meio das traduções); o latim erudito que influenciou (sintática e vocabularmente), de um modo muito profundo, o português na língua escrita do século XVI; o castelhano, na época de quinhentos como língua da corte e língua de cultura, e, a partir do século XVIII, o francês, nos dois últimos séculos, o inglês.

Por outro lado, a estrutura lexical das línguas europeias está interligada no seu desenvolvimento e o modelo latino de formação facilita a interdependência e interligação. A comunicação internacional possibilita um intercâmbio constante e profundo, como se pode ver, a título de exemplo, pelos seguintes termos:

(a) autênticos internacionalismos: know-how, videotex ou videotexto, aquaparque, ecossistema, movida, lambada, (são bento) gate, must, perestroika, windsurf, hooligans, yuppies, fax, marketing, barman, diskette (ou disquete)

(b) ou processos comuns de formação como electrocução (= electro (exe) cução), petroquímica (= petro (1-)+ quimica), automação (= automa (tic) +ção), transistor (= trans (fer)+(res) istor), fortram (= for (mula)+tran (slation), hi-fi (= high fidelity ou alta velocidade), fan (= fan(ático)), biónica (= bio (logia)+ (electr ) ónica), telemática (= tele (transmissão)+ (in-for) ática), robótica (= robot + (informát) ica),

modem (= modelador+ desmodelador) etc. Esta tendência de generalização de processos e elementos verifica-se, de

acordo com Vilela (Ibidem: 23):

(a) na aceitação aberta à siglação articulada, como becegê (= BCC ou Bacilos Caamette Guérin), Ovni (= Objecto Voador Não Identificado), laser, radar, VIP, etc.; (b) no uso dos afixos comuns a todas as línguas tais como - izar, afixo dotado de grande rendimento e capacidade de adaptação a todas as línguas e lexemas, operando com adjectivos. Em - al (banalizar, nacionalizar, etc.), com nomes em – ico (burocratizar, informatizar, etc.);

(c) com nomes geográficos (balcanizar, africanizar, finlandizar, etc.);

(d) com nomes de diferentes feituras e formas (desratizar, consciencializar, pressurizar, miniaturizar, majorar, optimizar), a que correspondem nomes em – ção (banalização, nacionalização, burocratização, balcanização, pressurização), e muitos destes verbos e nomes podem ser determinados pelo prefixo -des (desnacionalizar, desburocratizar, despressurizar, desalfandegar), ou o afixo – (i) dade (africanidade, ocidentalidade, instrumentalidade, etc.).

Enquanto processos utilizados para a formação de palavras e, consequentemente responsáveis pela mutabilidade do léxico através do alargamento do seu repositório, também destacamos a derivação e a composição estudadas pela Morfologia lexical.