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Lexicografia Teórica e Lexicologia: relações e fronteiras

1. A Lexicologia

1.1 Lexicografia Teórica e Lexicologia: relações e fronteiras

Sob o ponto de vista da prática científica actual e da história das disciplinas, no sentido restrito, a Lexicografia preocupa-se com a elaboração e compilação de dicionários no sentido mais amplo. Para Mortureux,

«[...] la première étant cantonnée à la fabrication des dictionnaires, la seconde est vouée à explorer, de façon aussi approfondie que possible, les vocables et les lexèmes. / La description des vocables s’intègre à l’analyse des discours, sous toutes les formes qu’elle peut prendre (stylistique classique, linguistique textuelle ou autre...). La description scientifique des lexèmes aboutit à élaborer le lexique, considéré comme la partie de la description linguistique, de la grammaire,

consacrée aux unités lexicales; [...].» (Mortureux (2004): 17)

Aferimos, então, que, enquanto a Lexicografia remete para a fabricação de dicionários, a Lexicologia estuda e explora, de forma mais aprofundada, os vocábulos e lexemas. A descrição de vocábulos integra-se na análise de discursos sob diferentes formas, nomeadamente: a estilística clássica, linguística textual, entre outras. A descrição cientifica de lexemas abrange a elaboração do léxico vista como parte da descrição linguística e da sua gramática destinada às unidades lexicais.

A Lexicografia pode também referir-se aos princípios que sustentam o processo de compilação e editação de dicionários. Alguns desses princípios são claramente lexicais ou de natureza lexicológica, ao passo que outros brotam no domínio específico da produção e comercialização de livros.

A Lexicologia, por sua vez, pode ser definida como o estudo científico do léxico, entendido como o estoque de palavras de uma dada língua, ou seja, seu vocabulário ou léxico (do grego lexis, “palavra”, léxicos, “de/para palavras”). Esta ciência lida não apenas com palavras simples em todos os seus aspectos, mas também com palavras complexas e compostas, as unidades significativas da língua.

Nesse sentido, não devemos confundir a Lexicologia com a Lexicografia. Esta é uma das técnicas da ciência do léxico e não um campo de estudo da língua.

Procurando estabelecer um paralelo entre a Lexicografia e Lexicologia, pode- se argumentar que, inicialmente, a Lexicografia desenvolveu os seus próprios princípios e tradição independentemente da Linguística em geral. Contudo, este não é mais o caso.

De facto, uma vez que os actuais dicionários são compilados principalmente por lexicógrafos que são treinados em Linguística, poder-se-ia esperar um input mais directo e mais substancial da Lexicologia. Todavia, deve-se ressaltar que a Lexicologia não é apenas um ramo da Linguística que fornece um input para a Lexicografia. Claramente, a Morfologia, a Sintaxe e a Fonologia também o fazem e a Sociolinguística também contribui, não apenas com o estudo e selecção da variedade da língua a ser usada no dicionário, mas também na inclusão da informação sobre estilos e registros. Segundo Sanromán,

«os limites entre uma e outra disciplina foram ficando cada vez mais diluídos, especialmente a partir do momento em que, por um lado, a lexicologia tenta dar resposta a muitas questões da esfera da fala ou do discurso, ultrapassando portanto os limites da língua como sistema, e, por outro, a partir do momento em que se entende a lexicografia não só como prática lexicográfica, mas também como teoria ou ciência lexicográfica (metalexicografia), que se ocupará, não só da história da lexicografia, da investigação sobre o uso que os utentes fazem dos dicionários ou da crítica aos dicionários, mas também da elaboração de uma teoria geral da lexicografia, que deverá incluir para além dos necessários aspectos práticos, questões teórico - metodológicas de tipo linguístico.» (Sanromán (2001): 90)

Ainda, para o mesmo autor (Ibidem: 79), nas duas últimas décadas, o desenvolvimento dos estudos lexicográficos foi tal, nomeadamente nas línguas inglesa, francesa e alemã, que se passou a falar numa nova disciplina: a Metalexicografia ou Lexicografia Teórica, uma especialidade da Linguística aplicada que ultrapassa a mera extrapolação dos princípios teóricos das diferentes áreas da Linguística para o estudo dos dicionários.

Segundo este autor, a Lexicografia é concebida como técnica ou prática, não atingindo a categoria de ciência, porque não há investigação teórica no campo da Lexicografia e não há investigação metalexicográfica porque não se concebe a Lexicografia como ciência, mas só como mera prática.

Entretanto, chama-nos a atenção para o facto de que, embora a Metalexicografia ou Lexicografia Teórica seja uma disciplina recente a acompanhar a elaboração dos dicionários, existiu sempre uma certa tradição teórica, mais em forma de análise ou apreciação crítica de um produto determinado do que propriamente em forma de princípios teórico-metodológicos sistematizados sobre a elaboração dos

Assim, o autor entende por Metalexicografia a disciplina que estuda, não só os princípios teóricos e metodológicos sobre a elaboração de dicionários, mas também as características que regulam a estrutura e o comportamento linguísticos na medida em que orientam e condicionam o trabalho do lexicógrafo.

Neste sentido, entendemos que, dentro da competência de um estudo lexicológico, está a análise qualitativa e quantitativa dos dados lexicais, o estabelecimento de uma rede semântica e de uma rede léxica e a definição da estrutura vocabular.

Ao estudo lexicográfico, caberia, mais especificamente, um trabalho de classificação manifestado através, por exemplo, de dicionários monolingues, dicionários bilingues, dicionários de antónimos e sinónimos, dicionários enciclopédicos, glossários, vocabulários específicos, etc., tendo todos como princípio comum a organização e compilação de unidades do léxico.

O Professor Mário Vilela, em 1994, diferencia a Lexicologia da Lexicografia, nomeadamente a redacção de dicionários ou reflexões sobre os mesmos, a partir dos resultados dos estudos lexicológicos, distinguindo as interpretações da língua e das suas normas como “langue” e a utilização da língua em contexto pelos falantes, a “parole”.

«A lexicologia não pode ser confundida também com a lexicografia, o estudo da descrição da língua feita pelos dicionários, a elaboração de dicionários como aplicação dos dados da lexicologia: redacção de dicionários ou reflexão sobre eles. / A lexicologia tem como objecto a semântica (lexical) e morfologia (lexical): o primeiro aspecto, o que aqui nos ocupa, compreende o estudo do conteúdo dos lexemas e grupos de palavras equivalentes de lexemas. Mas a semântica lexical pode situar-se no nível da “langue”, da “norma” e no da “parole”: mas é apenas ao nível da “langue” que se situa a sistematicidade das unidades lexicais, o nível em que as unidades se configuram como unidades funcionais; no nível da norma situa-se o que não é necessariamente funcional ou distintivo, mas o que é fixado socialmente e usado pela comunidade linguística respectiva; no nível da “parole” situa-se o que pertence ao discurso concreto, a designação ou a relação com o extralinguístico (ou a própria realidade

extralinguística).» (Vilela (1994): 11)

Também Igor A. Mel’cuk, André Clas e Alain Polguère, em 1995, distinguem Lexicologia de Lexicografia, em Introduction à la Lexicologie Explicative et Combinatoire.

Explicam que a Lexicologia é uma disciplina mais teórica que tem como objecto o estudo geral do léxico ao nível formal e abstracto e a sua descrição experimental, enquanto a Lexicografia é uma disciplina prática que trata da elaboração dos dicionários, retomando a alegação de Mário Vilela segundo a qual a Lexicografia trabalha com base nos resultados teóricos da Lexicologia. (Cfr. Mel’cuk et alii (1995): 26-27)

A Lexicologia baseia-se também em informações derivadas da Morfologia (o estudo das formas das palavras e dos seus componentes) e da Semântica (o estudo do seu significado).

Um outro campo de particular interesse nos estudos lexicológicos é a Etimologia, o estudo das origens das palavras.

Assemelhamos a Lexicologia, enquanto ciência do léxico, a demais ciências do campo da Linguística, destacando uma relação estreita da Lexicologia com a Morfologia e Semântica lexicais, na medida em que todas estas ciências têm como objecto de estudo o léxico.

«Entender a lexicologia como ciência do léxico implica, pois, ter em consideração a sua relação estreita com outras áreas da linguística em particular com a morfologia (lexical) e a semântica (lexical), disciplinas que com ela partilham o léxico como objecto de conhecimento. Esta é uma condição necessária para

ultrapassar uma concepção restrita de lexicologia […].» (Pereira (2003): 33)

A semântica lexical «[a] pour objet l’étude du sens des unités lexicales. Elle se sert des concepts fondamentaux liés au signe linguistique et hérité, en tant que discipline du sens, d’une terminologie souvent foisonnante, parfois confuse.» (Lehman e Martin-Berthet (1998): 09)

Jacqueline Picoche aborda também essa ligação entre as ciências supra citadas ao considerar, outrora, a semântica mais lexical e a Lexicologia mais semântica. Todavia, refere que hoje em dia identifica ainda a face morfológica do léxico e o sentido que é omnipresente na língua, ao dizer que

«[l]a sémantique était jadis, à mes yeux, surtout lexicale et la lexicologie surtout sémantique. Aujourd’hui, je vois plus clairement d’une part que le lexique a aussi une face morphologique (marques du genre et du nombre, inventaire des affixes, règles de leur utilisation, règles de troncation et de siglaison, correspondances et faits de supplétisme entre bases populaires et bases savantes à l’intérieur d’une famille de mots, choses arbitraires qu’il faut mémoriser comme on apprend des

Bâti de phonèmes et de morphèmes, porté par des structures de phrases, le lexique qui n’est, en langue, qu’une somme de virtualités contenues dans certaines limites, entre en discours dans une grande machinerie linguistique qui, par l’interaction de ces divers éléments, et selon les situations d’énonciation, fait évoluer le sens jusqu’à ce que soit atteint le point final ou l’intonation définitivement descendante d’une grande structure sémantique unitaire, le texte.» (Picoche (1989): 90)

Aïno Niklas-Salminem define a Lexicologia, que estuda as unidades lexicais, como uma ciência relativamente recente. Considera

«[l]a lexicologie, qui étudie les unités lexicales d’une langue, est une science relativement récente. Ses méthodes sont l’objet de constantes discussions et les résultats encore partiels. Dans un sens restreint, la lexicologie est considérée comme une branche de la sémantique qui a pour objet l’étude du sens des unités lexicales. Selon cette perspective, elle se confond en grande partie, avec la sémantique structurale. Dans un sens plus large et plus généralement accepté, la lexicologie s’intéresse également à la forme des unités lexicales et même aux relations qui existent entre le lexique et la syntaxe. Menée dans une perspective historique, la lexicologie étudie l’apparition de nouvelles unités lexicales et l’évolution du sens des mots. / Le lexique est situe au carrefour des autres secteurs de la linguistique, la phonologie et la morphologie pour la forme des mots, la sémantique pour leur signification et la syntaxe pour leurs propriétés

combinatoires.» (Niklas-Salminem (1997) : 05)

Segundo a acepção deste linguista, a Lexicologia é vista como uma ciência da Linguística que se inter-relaciona com as restantes áreas, nomeadamente a Semântica, no que se prende com a significação das unidades lexicais; a Sintaxe, no que respeita às características combinatórias entre palavras; a Fonologia e Morfologia, no que concerne à formação de “lexies”.

Ao nível do objecto de conhecimento, a Lexicologia

«[…], analisa o léxico tendo conta a sua dupla face: a formal e a semântica e integra na sua análise o plano da língua, ou da competência, e o plano do discurso ou da performance. O objecto da lexicologia situa-se, pois, entre o lexema e o vocabulário e engloba, por conseguinte, o estudo do léxico e do vocabulário,

[…].» (Pereira (2003): 53)

A análise, tratamento e estudo da Lexicologia engloba, portanto, duas realidades: o léxico e o vocabulário.

Será realizada, posteriormente, no presente trabalho, a diferenciação entre estes dois conceitos.

O aspecto a considerar, neste caso, é que a Lexicologia tem como objecto de estudo o relacionamento do léxico com os restantes subsistemas da língua, incidindo, sobretudo, na análise da estrutura interna do léxico, nas suas relações e inter-relações. Mas, como já foi referido, devemos entender que a Lexicologia é apenas um possível campo de análise da língua. Os outros são a Fonologia, a Morfologia, a Sintaxe e a Semântica.

Embora uma tentativa possa ser feita ao tratar qualquer destes campos de forma isolada, deve-se dizer que nenhum deles pode ser estudado com sucesso sem referência aos outros. Todos estes diferentes campos de análise interagem um com o outro de várias formas. Quando usamos a língua, abordamos a todos simultânea e inconscientemente.

À luz dessas reflexões, é preciso dizer que a Lexicologia estuda as palavras de uma língua em todos os seus aspectos: pode incluir a Etimologia (a formação de palavras/importação de palavras), a Morfologia, a Fonologia, a Sintaxe e tem uma ligação com a Semântica.