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1. A Lexicologia

1.4 Objecto de estudo: o léxico

1.4.2 A palavra como unidade lexical

Não é de hoje que a palavra desperta o interesse do ser humano. Ullmann (1977) cita Demócrito como tendo identificado duas espécies diferentes de palavras: aquelas que têm mais de um sentido e aquele sentido que é identificado por mais de uma palavra. Ressalta, também, o nome de Aristóteles que teria sido o primeiro a definir a palavra como a menor unidade significativa da língua. Além disso, o mesmo filósofo, já na sua época, inquieto com a questão do significado, teria chegado a estabelecer distinção entre as palavras que mantêm o seu significado, mesmo quando isoladas, e aquelas que funcionam como simples instrumentos gramaticais. Se tais abordagens sofreram ajustes ou simplesmente foram superadas, não se pode negar que serviram de referências para os modernos estudos no campo da Linguística.

Apesar de o estudo científico da Semântica começar somente a partir da metade do século XIX, época em que as reflexões sobre a linguagem se firmam no campo das ciências, o significado já era assunto de controvérsias dos filósofos gregos antigos. Contudo, a busca pela compreensão acerca do significado era apenas um meio para se atingirem outras metas. Na Grécia Antiga, os filósofos estudavam, não apenas a origem e a natureza da linguagem, mas também a relação entre a linguagem e o mundo que os circundava. O seu objectivo era tentar compreender o conhecimento humano. O estudo da linguagem era um caminho para isso. Nessa busca pela compreensão da relação entre a linguagem e o conhecimento, os filósofos gregos acabaram por realizar importantes reflexões acerca da palavra e do significado.

A especulação sobre a natureza da relação nome/coisa nomeada serve de ponto de partida da Linguística no Ocidente. O saber lógico-filosófico, do qual é tributária a gramática greco-latina, compreendia as línguas como reflexo da realidade, atribuindo importância crucial aos significados. Indaga-se, nesse processo, se os nomes eram associados às coisas de forma natural ou se a relação de sentidos de uma palavra era fruto de convenções sociais.

Entretanto, a visão naturalista do significado, segundo a qual há uma relação natural e intrínseca entre significado e palavra, não se sustenta, apesar de ter seduzido muitas pessoas durante muito tempo. Já a reacção contrária que ela gerou, serviu de estímulo para a busca de uma explicação mais satisfatória sobre a relação entre a

O resultado dessa busca foi a visão convencionalista do significado, segundo a qual o significado de uma palavra é arbitrário, determinado socialmente, isto é, convencionado pela comunidade linguística.

Ullmann (Ullmann (1977): 84) faz um importante alerta a respeito do termo “convencional” no sentido de que ele não seja entendido na sua conotação etimológica, o que implicaria um acordo explícito, ou até mesmo tácito, sobre um valor simbólico: “tudo que ele significa é a ausência de qualquer motivação ou justificativa intrínseca, de qualquer conexão “natural” entre o nome e o sentido”. Assim, do ponto de vista convencionalista, os significados das palavras são determinados pelas convenções da comunidade linguística e não pelos caprichos individuais de cada falante ou pelos caprichos da natureza. Se assim não fosse, a comunicação entre os membros de uma mesma comunidade linguística seria inconcebível.

Uma das tentativas para se definir a palavra deve-se a Bloomfield (1933), citado por Lyons (Lyons (1979): 205). Baseando-se em critérios muito mais formais que semânticos, direcionou a sua atenção para a relação existente entre a palavra e a frase. Distinguiu, assim, as formas linguísticas que não podem ser usadas como frases daquelas que têm possibilidade de operar como tal. É o que ele denominou respectivamente de “formas presas” e “formas livres”. As palavras que se distinguem das outras, por não poderem ser divididas em formas menores, são formas livres, já que podem operar isoladamente, aparecendo em elocuções consideradas completas.

Vejamos outras abordagens.

Vários são os sentidos que encontramos para o termo palavra. Temos as palavras fonológicas ou ortográficas e as palavras gramaticais. No caso de /kwartu/ e “quarto”, podemos identificar respectivamente uma palavra fonológica e sua correspondente ortográfica que, por sua vez, representa uma palavra gramatical específica a que tradicionalmente nos referimos como uma das dependências de uma casa, onde seus moradores costumam dormir. Já a palavra fonológica /mãga/ e sua correspondente ortográfica “manga” representam diferentes palavras gramaticais: o fruto ou a parte de uma blusa. A maioria dos linguistas usa o termo palavra para indicar unidades fonológicas ou ortográficas e unidades gramaticais.

Um outro uso encontrado para o termo palavra é aquele considerado em sentido mais “abstracto”, emprego que, por sinal, alguns linguistas desprezam ou condenam.

Trata-se do uso da palavra no sentido de lexema, que, segundo Lyons (Ibidem), reflete o verdadeiro sentido em que o termo é visto na gramática clássica, tendo sido mal interpretado pelos linguistas modernos: é o termo lexema indicando as unidades mais abstractas que aparecem em diferentes formas flexivas, de acordo com as regras da sintaxe implicadas na geração de frases. De acordo com esta designação, podemos dizer que a palavra ortográfica “manga” representa duas formas flexivas diferentes, ou seja, o lexema MANGA tem duas palavras gramaticais diferentes.

A importância assumida pelo desempenho da palavra na estrutura da língua justificou a criação de um ramo da Linguística para se dedicar ao seu estudo. Referimo-nos à Lexicologia que tem por objectivo tratar das unidades significativas da língua ou do léxico. A propósito, antes de prosseguirmos, é necessário assinalarmos que entendemos por léxico todo o conjunto das unidades lexicais ou dos itens lexicais, aqui incluídas as formas efectivas e virtuais.

A partir desta explicação técnica, é notável que a noção de “palavra” é central no estudo da Lexicologia, uma vez que estas unidades devem ser analisadas em relação tanto à sua forma, como ao seu significado.

Se, no início, o estudo lexicológico se restringia à análise das unidades linguísticas na sua forma isolada, o que depois se configuraria numa visão inadequada da complexidade da língua, verificou-se, em seguida, que uma análise realizada estritamente dentro desses limites era insuficiente. Houve, então, a necessidade de se propor novos rumos à problemática lexicológica, ampliando-se esse raio de acção que passou a considerar o léxico e suas actualizações no contexto intra e extralinguístico, já que ele é produto de um todo social. Diferente não poderia ser, pois, à medida que se considerasse o estudo das unidades lexicais como algo isolado, estar-se-ia a deixar de levar em conta que a análise do vocabulário é apenas uma parte da análise do discurso e que, portanto, não poderia ser isolado do seu contexto.

No que diz respeito ao significado próprio, inerente a cada palavra, importa ressalvar até que ponto se pode dizer que uma palavra, no que se refere ao seu significado, subsiste sem o suporte contextual e, em decorrência disso, os limites possíveis de significado das palavras quando dicionarizadas.

Essa questão leva a uma distinção que vem de Aristóteles e que foi retomada por Ullmann (Ullmann (1977): 208-210).

Embora não traga respostas concretas para as indagações, a dicotomia entre as chamadas “palavras plenas” e “palavras formas” pode representar um interessante disparador de reflexão que dará abertura ao encaminhamento do assunto. Baseado em critérios estritamente semânticos, a distinção estabelece que palavras como “mesa”, “carro”, “trabalhador”, por terem algum significado mesmo quando isoladas de qualquer contexto, são “palavras plenas”, enquanto os artigos (o, a, um, uma), os pronomes demonstrativos (isso, essa), as preposições (de, para), as conjunções (e, todavia), por não terem significado próprio, quando distanciadas de um contexto, são “palavras formas”, isto é, são elementos que contribuem com o significado dos enunciados, se usados em conjunção com outras, tendo, portanto, função muito mais sintática que lexical.

Definimos, anteriormente, a palavra no sentido de lexema como unidade mínima de significação da língua. Considerando-se, pois, a distinção feita acima, poder-se-ia então dizer que as “palavras formas’ são consideradas como palavras.

Poderíamos aqui recorrer mais uma vez a Bloomfield (1933), citado por Lyons (Lyons (1979): 205), para quem a palavra é a forma livre mínima e verificar se as “palavras formas” se enquadram dentro desta definição, isto é, se elas representam formas livres, capazes de, semanticamente, subsistir por si só ou actuar como elocuções completas.

Dentre as chamadas “palavras formas”, podemos salientar o caso dos pronomes e advérbios que, algumas vezes, aparecem isolados, sem comprometer, entretanto, o seu significado individual. Tal facto não é constatado com as preposições, artigos e conjunções, a não ser quando temos orações que apresentam casos extremos de elipse. Mesmo assim, evocam total auxílio de um contexto ou de uma situação prévia, o que anula a sua independência como palavra. Assim, acreditamos poder considerar, dentro do que vimos postulando, que as “palavras formas” têm, acima de tudo, função sintáctica, estando mais para instrumentos gramaticais do que para termos independentes, sendo, portanto, inadequada a sua identificação como palavra. Isso põe de lado o estudo desses elementos, posto que o nosso interesse aqui estará concentrado nas “palavras plenas” ou simplesmente palavras, aqui, recordamos mais uma vez, como unidades mínimas significativas da língua.

Essa posição por nós assumida deixa transparecer a crença de que, apesar de se considerar evidente, as palavras aparecerem sempre envolvidas em contextos específicos. Há casos em que elas subsistem por si só, sem o resguardo de qualquer contexto. Têm, por conseguinte, autonomia necessária para fazer sentido. A propósito, caso as palavras não subsistissem sem o suporte dos contextos, certamente não poderiam falar em prática lexicográfica, o que significaria ser impossível a compilação de um dicionário.

Podemos aceitar que existe nas palavras uma constância de significado, uma espécie de núcleo convencional, ou mesmo um significado de base. Isso impede, inclusive, que as palavras sejam empregadas arbitrariamente, isto é, fugindo ao núcleo convencional cuja construção é resultante da práxis social, por sua vez consequência das mais diversas associações anteriores que, na realidade, constituem a experiência individual. Assim, o significado fundamental ou básico contém a noção genérica, formando um campo dentro do qual se pode empregar a palavra “alto”, por exemplo. É uma palavra que denota a ideia de grande extensão vertical, levantado, erguido.

Tal ideia constitui a base do seu agrupamento semântico que, de uma certa forma, vai dirigir a partir dela o sentido de outras palavras derivadas ou mesmo dos seus significados colaterais.

Os diversos matizes assumidos a partir do núcleo fundamental da palavra, mesmo aqueles diametralmente opostos, estarão, entretanto, indirectamente relacionados com o núcleo. Assim é que “alto”, numa extensão do seu núcleo, pode ser encontrado no sentido de “ilustre”, “superior” – O alto imperador – ou mesmo no sentido de “excelente”, insigne”, “nobre” – homem de altas qualidades de espírito. O núcleo, como podemos observar, actua como verdadeiro guia da palavra, permitindo que ela cumpra uma função na expressão e constitua o elemento fundamental na criação de constelações semânticas cujos significados são perfeitamente captáveis, mesmo quando as palavras se encontram isoladas.

Nessa direcção, é pertinente afirmarmos que qualquer palavra, por mais variada que seja a gama de matizes por ela assumida, pode ter sempre os seus significados reduzidos ao seu significado de base. A ausência do significado de base, como se pode supor, criaria na língua um verdadeiro caos, pois teríamos, a todo o instante, significados novos.

Assim, a base do significado, além de ser a linha mestra permanente das palavras, visto que se relaciona com as suas características essenciais que sofrem pouquíssimas alterações, actua, igualmente, como importante factor que impõe um limite de tolerância necessária ao processo de interacção.

É bom registrarmos que, apesar das diversas modificações de uma palavra estarem circunscritas aos limites do seu significado de base, o ambiente em que a palavra se encontra também lhe pode impor uma total transformação em relação ao significado primário, resultando num sentido completamente novo. O significado de uma palavra, sendo uma categoria histórica, acompanha todo o evoluir do comportamento e dos modos de vida de uma sociedade, embora esse evoluir seja lento, mas ininterrupto e constante, mas paradoxalmente estável.

Finalmente, para o que vimos postulando acerca do problema do significado, é essencial esclarecermos que, ao nos referirmos à palavra como tendo um significado de base, cujas variações gravitam em redor, comprovamos a compreensão de que a palavra é, acima de tudo, a experiência cristalizada dos conhecimentos que uma pessoa pode associar a uma palavra.

Tambem é o resultado da sua experiência adquirida como membro participante de uma comunidade que lhe solicita toda uma prática social, determinante maior da microestrutura e da sua gama de variações periféricas.

É importante salientar que a questão do conceito de significado é um tema central para toda a teoria semântica. Uma teoria linguística da Semântica deve, antes de tudo, explicitar o que são propriamente os significados linguísticos. O conceito de significado constitui, portanto, sempre o ponto de partida e, ao mesmo tempo, o objectivo a ser analisado numa pesquisa sobre teoria semântica.

As dificuldades inerentes a uma definição de significado são patentes ao considerarmos as numerosas e contraditórias propostas já apresentadas no esforço de delimitar o conceito. Apesar de todo o avanço nas pesquisas sobre Semântica, estamos ainda muito longe de uma definição de significado que seja exacta e abrangente.

No entanto, será útil para o desenvolvimento deste trabalho introduzirmos o termo “significado”. A maioria dos linguistas concorda que o significado permeia-se na língua toda. Todavia, no conjunto de concepções e divergências, eles não são sempre unânimes em termos usados na discussão sobre a Semântica.

Tal gama de concepções acentua-se em virtude do significado ser também de interesse de outras áreas do conhecimento humano, como a Filosofia, a Lógica, a Psicologia, a Antropologia, etc. Para esclarecer a natureza do significado, ao falarmos sobre Semântica, torna-se necessário identificarmos os vários tipos de Semântica: a Semântica Pragmática que estuda o significado de enunciados no contexto; a Semântica da sentença que lida com o significado de sentenças bem como a relação dos significados entre as sentenças; a Semântica Lexical que lida com o significado de palavras e as relações do significado que estão internas no vocabulário de uma língua.

A língua é um sistema organizável segundo a vontade dos falantes, dependendo unicamente de um princípio racional. Não é livre porque o tempo permitirá o desenvolvimento dos efeitos das forças sociais que se exercem sobre ela e, assim, chegamos ao princípio da continuidade que anula a liberdade.

As alterações incidem sobre um ou outro elemento e nunca sobre o sistema em bloco. Cada alteração deixa a sua marca no sistema.

Face ao exposto, concluímos que a mudança é uma das características universais da linguagem humana.

Ao longo da sua existência, a língua caracteriza-se pela mudança e inovação. Todas sofrem uma evolução. As que carecem dessa evolução tendem a desaparecer.

Como organismos vivos, as línguas alteram-se porque são faladas. Não há vida sem alteração. As línguas vivas contêm em si próprias a ideia de mudança. Faz parte a ideia de mobilidade e mudança.