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informação na empresa estudada.

[...] enquanto vão fabricando a segunda entrega de trezentos e preparando a produção dos restantes seiscentos, quer o façam em duas entregas, como no presente caso, quer de uma só vez, iremos nós observando o acolhimento do público comprador, as reações ao novo produto, os comentários explícitos e implícitos, dar-nos-á até tempo para promovermos uns inquéritos, orientados segundo duas vertentes, em primeiro lugar a situação prévia à compra, isto é, o interesse, a apetência, a vontade espontânea ou motivada do cliente, em segundo lugar, a situação decorrente do uso, isto é, o prazer obtido, a utilidade reconhecida, a satisfação do amor-próprio, tanto de um ponto de vista pessoal como de um ponto de vista grupal, seja ele familiar, profissional ou qualquer outro. (Saramago, 2002)

1. A lógica das redes na constituição de um novo perfil de empresa no setor de telecomunicações.

Recapitulando, o atual contexto da mundialização do capital ensejou uma reestruturação produtiva de caráter abrangente e profundo. Profunda porque atinge e afeta todos os ramos da economia capitalista e não apenas aqueles diretamente ligados às atividades fabris. Abrangente porquanto se estende a todos os países que dela participam – ainda que de forma diferenciada e mesmo desigual, como no caso das nações subdesenvolvidas, onde o Brasil se insere. Para além de seu caráter global, portanto, a presente reestruturação produtiva do capital é

um complexo que igualmente abarca e interliga várias dimensões sócio-econômicas – financeira, industrial e de serviços – as quais tornam-se cada vez mais interdependentes e determinantes entre si. Um contexto, pois, que leva a uma crescente inter-relação das atividades empresariais e financeiras, tornando indefinidas as barreiras entre a produção material e a informacional (relativas às transações financeiras e de P&D das grandes empresas).

Vimos também que a complexidade e o encadeamento dessa reestruturação produtiva só foi e é possível de ser estabelecida pela lógica das redes telemáticas, as quais permitem conectar em tempo real,todo o ampliado conjunto das novas atividades empresariais que surgem e cingem esse quadro. De acordo com Fazzi (1996, p. 136), "a telemática adquire uma característica multidimensional, pois esta infra-estrutura se amplia para todos os campos da atividade humana". Esta característica da telemática evoca-nos, novamente, as reflexões de Mandel (1982, p. 270) sobre as metamorfoses que o "processo de capitalização, e, conseqüentemente, da divisão do trabalho" passam no que ele chama de "capitalismo tardio". Para esse autor, à medida que o capitalismo se desenvolve e expande-se, ocorre uma proporcional "separação entre atividades produtivas anteriormente unificadas", que torna "indispensável a ampliação das funções intermediárias" (MANDEL, 1982, p. 269).

São estas funções que possibilitam ao capital promover a devida interconexão dos processos produtivos, sem a qual não há como ocorrer a integração da crescente divisão do trabalho resultante desse desenvolvimento, necessária para fins de capitalização. Em outras palavras, no "capitalismo tardio" a centralização passa a ser fator-chave para o processo de capitalização, o qual congrega, ao mesmo tempo, o processo de produção e o processo de valorização do capital. Em termos técnicos, para efetuar esta centralização, é imprescindível investir na otimização do que Mandel chama de "esfera de mediação", ou seja, aquela que se refere aos meios de reprodução e circulação dos insumos e mercadorias pertinentes ao processo de capitalização: "daí a expansão sem precedentes dos setores de comércio, transporte e serviços em geral" (MANDEL, 1982, p. 269).

Essa tendência fica tanto mais flagrante quanto mais elevados forem os custos para se construir e expandir a infra-estrutura responsável pelo nexo destes serviços. Por isso, especialmente no que concerne à estruturação dos serviços de transporte, é fundamental fomentar uma funcional racionalização entre seus vários usuários. Por estar diretamente

vinculada à esfera da circulação, uma mesma infra-estrutura de integralização pode servir ao tráfego de uma multiplicidade de empreendimentos produtivos, o que possibilita uma significativa redução dos custos de produção. Essa dilatação da "esfera da mediação" para fins de capitalização, que levou Mandel afirmar que:

[...] o capitalismo tardio constitui uma industrialização generalizada universal pela primeira vez na história. A mecanização, a padronização, a super- especialização e a fragmentação do trabalho, que no passado determinaram apenas o reino da produção de mercadorias na indústria propriamente dita, penetram agora em todos os setores da vida social. Uma das características do capitalismo tardio é que [...] a esfera da circulação [se torna] tão industrializada quanto a esfera da produção. (MANDEL, 1982, pp. 271-272 – grifo do autor)

Como foi visto no capítulo passado, foram as Novas Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) que, pela junção da informática com o sistema de telefonia – a telemática ou teleinformática – proporcionou uma das mais poderosas ferramentas de conexão e, portanto, maximização da riqueza do capitalismo contemporâneo; marcado que é pela predominância do capital financeiro e pela exigência de constantes inovações no âmbito da produção. Um contexto em que as empresas passaram a demandar um arsenal de informações muito mais abundante, assim como meios mais eficientes de apropriar-se e gerir estas informações de modo produtivo. Essa é a única maneira de manterem sua competitividade em tempos de mundialização do capital. Conforme Brandão (1996), é por conta do desenvolvimento das TICs que o:

[...] dinheiro-informação trafega velozmente nas redes de telecomunicações, cada vez mais confiáveis e a baixo custo. A exacerbação de complexas conjecturas que requer rapidez de decisões, mutações instantâneas de portfólios, exige apoio teleinformático. (BRANDÃO, 1996, p. 162)

Logo, no capitalismo atual, o mais novo elemento a perfazer a "função intermediária", e, por conseguinte, a sofrer o processo de industrialização apontado por Mandel, são as Novas Tecnologias da Informação e Comunicação – TICs. Por sua vez, são as TICs que possibilitaram alçar as redes telemáticas à categoria de serviço de transporte do capitalismo

mundializado, concretizando-se, assim, como a nova infra-estrutura teleinformática designada por Brandão (1996). Pela sua particular versatilidade, as TICs extrapolam o chão das indústrias de transformação, penetrando nas mais diversas áreas do terciário, também nelas operando profundas transformações nas maneiras de conceber, produzir e vender seus serviços. É assim que as empresas do setor de serviços passam, cada vez mais, a se utilizar dos métodos tecno- organizacionais empregados nas indústrias de transformação, o que igualmente concorre para atestar as concepções de Mandel (1982) sobre o processo de "industrialização generalizada universal" característico do "capitalismo tardio".

No que se refere especificamente ao setor de telecomunicações, cabe às empresas prestadoras desse serviço efetuar o transporte e a operação da “gestão informatizada da riqueza”, própria dessa fase eminentemente financial do capitalismo. Além de realizarem o processamento das informações estratégicas para a rentabilidade dos grandes complexos empresariais, as telecomunicações também oferecem a infra-estrutura teleinformática necessária para proceder sua circulação em escala planetária. Como ressalta Fazzi (1996, p. 137), o serviço das empresas de telecomunicações é "especial porque trabalha com a venda do espaço de tempo, através do aprisionamento e geração das microondas, transportando as informações que valem ouro". Sendo assim, possibilita acelerar o "tempo de giro do capital", isto é, o "tempo de produção e de execução de serviços, associado ao tempo de circulação" das mercadorias; expediente de suma relevância para a manutenção da lucratividade empresarial (FAZZI, 1996, p. 137).

Em vista disso, são nas empresas de telecomunicações que se faz mais premente uma devida reestruturação administrativa e produtiva que, bem mais que assegurar sua competitividade, permita realizar essa sua nova "função intermediária" dentro da economia contemporânea. Com efeito, a construção de uma infra-estrutura teleinformática, como o próprio nome diz, pressupõe a completa digitalização das plantas dessas empresas, de modo a poder transformá-las em redes telemáticas. Essa mudança ocasionou uma verdadeira substituição de tecnologia no interior dessas empresas, uma vez que o princípio digital, de base microeletrônica, próprio da tecnologia informática, determina a radical substituição da tecnologia analógica, vinculada aos antigos equipamentos de comutação de base eletromecânica.

A tecnologia digital trouxe uma profunda transformação na base de operação do processo produtivo das companhias de teles43 na medida em que impôs modificações substanciais na forma de proceder a organização do trabalho. Essas transformações, por seu turno, incidiram na estrutura organizacional dessas firmas conformando um novo perfil de empresa. O antigo perfil operava sob uma tecnologia rígida e um mercado monopólico, que determinavam uma produção e consumo homogêneos, marcando uma estrutura organizacional inchada e extremamente compartimentada que, ademais, abarcava uma enormidade de atividades periféricas.

O atual perfil de empresa, ao contrário, distingue-se por operar sob uma tecnologia versátil e um mercado competitivo, porquanto, sua ênfase incidir na inovação e diversificação de seus produtos, a flexibilidade na oferta de seus serviços, bem como uma estrutura fluida, pois intensiva de informação, e enxuta, isto é, voltada exclusivamente para a produção e venda de seus produtos e serviços, descartando as atividades que não estejam diretamente ligadas a estes. Desse modo, as funções periféricas tais como limpeza, instalação de cabos externos, envelopamento de faturas e mesmo algumas atividades de programação e automação de procedimentos burocráticos internos, passam a atuar na empresa sob terceirização e/ou contratação.

Assim nos explica um gestor da empresa estudada:

Tem até um dado curioso: a maioria das empresas hoje está

trabalhando com um altíssimo grau de terceirização, altíssimo. Por quê? Porque elas estão fazendo exatamente o que eu comentei com você: focando no negócio da empresa, então o que eu tenho percebido das empresas de telecom, as empresas de telecomunicações, é o seguinte: elas têm pessoas que fazem parte do quadro de funcionários, pessoas que conhecem o negócio da empresa, têm conhecimento aprofundado no negócio da empresa, ou seja, ele conhece a empresa onde ele trabalha. Já para uma atividade mais operacional, ele tem

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As transformações de cunho mais técnico-operacional trazidas pela substituição da base eletromecânica pela microeletrônica no processo produtivo dessas empresas são mais profundamente apresentadas no próximo capítulo deste estudo, em que também é feita a análise dos efeitos dessa mudança sobre o trabalho daqueles que operam sob esta nova tecnologia. Por ora, serão analisadas apenas as transformações relativas à estrutura organizacional que o contexto das privatizações impôs para as empresas do setor de telecomunicações. Nesta reestruturação, a introdução da tecnologia digital é um aspecto integrante e um determinante fundamental para a conformação do novo perfil de empresa demandado pela atual conjuntura política-econômica.

uma empresa contratada que presta esse serviço para ele. Por exemplo, impressão de contas é um caso.

Sendo assim, esse novo modelo de empresa, embora mais enxuto e objetivado, é mais complexo, pois exige um alto grau de coordenação e integração, tendo em vista que sua estrutura está mais dispersa e fragmentada e, posto a preponderância na inovação, muito mais requerente de informações portanto, de um ambiente comunicativo. É justamente para que todos seus processos possam se realizar de forma ordenada e combinada, que estas empresas passaram a se constituir segundo o modelo-rede, que tem sua efetivação ótima através da telemática. Estabelece-se, dessa maneira, um perfil de empresa mais condizente, não só com as novas tecnologias de produção, mas com o contexto mercadológico que surgiu desde a privatização do setor de telecomunicações.

2. As redes e a prevalência da perspectiva mercadológica sobre a de serviço de utilidade