• Nenhum resultado encontrado

4. SERCOMTEL: trajetória histórica

4.3. Porém, alguma coisa (ainda) está fora da nova ordem mundial

Não obstante todas essas transformações rumo a uma perspectiva mercadológica, e as várias cogitações e especulações que desde meados da década de 1990 surgiram sobre sua privatização, a Sercomtel persevera-se como empresa estatal. A grande popularidade que a esta possui na comunidade em que está inserida, grandemente cultivada por todo um marketing por ela própria desenvolvido e cultivado36, é, talvez, uma das principais explicações para a manutenção da sua condição como instituição pública37. Por conta disto já ocorreram duas tentativas efetivas de se privatizar a Sercomtel, sob dois governos municipais diferentes e, naquele momento, antagônicos, no âmbito da administração municipal – Partido Liberal (PL) e Partido dos Trabalhadores (PT) – ambas sem sucesso.

36

Essa ênfase no marketing ficou tanto mais premente a partir do processo de reengenharia que a Sercomtel passou com a implementação do "Projeto de Transformação Empresarial", em 1996, o qual será descrito no próximo capítulo. Como veremos, este projeto marca a definitiva prevalência da área de Marketing da empresa sobre a da área de Engenharia e Operações, até então tradicionalmente prioritária dentro de seu organograma. A preeminência que a área de marketing conquistou desde essa época vem gerando polêmica e antipatia entre os funcionários das outras áreas causando, inclusive, mais recentemente, dissenso entre a administração do município e a da empresa. 37

O exemplo mais recente desse tipo de marketing foi por ocasião da sua liberação, pela ANATEL, para realização de interurbano para todo o Brasil. Em comemoração dentro da empresa, todos os funcionários receberam e tiveram de vestir para o evento camisetas com a logo da Sercomtel para a campanha "43 Nacional". O evento contou ainda com a presença do prefeito, que em discurso conjunto com o presidente da empresa, ressaltou que "esse é um momento histórico para a empresa e que os enche de orgulho, assim como aos cidadãos de Londrina e a todos os

funcionários que tanto se empenharam nos trabalhos de antecipação das metas" (Jornal Mural, 20/02/2002–grifo

A mais recente ocorreu em forma de plebiscito. Foi em agosto de 2001, quando da troca da administração municipal. Após a nova administração petista assumir uma prefeitura profundamente desfalcada por todo um processo de corrupção da administração anterior38, a venda de uma parte do atual complexo empresarial Sercomtel – a Sercomtel Celular – foi vista como uma alternativa para ajudar a sanear a economia municipal. A justificativa foi de que 90% dos recursos obtidos com a venda da Sercomtel Celular poderiam ser destinados para obras de infra-estrutura para o desenvolvimento da cidade, sobrando ainda 10% para a melhoria da telefonia fixa. A concretização de tal venda, contudo, estava vinculada a uma lei municipal, aprovada por decreto lei pela Câmara de Vereadores, que determina o aval da população mediante a realização de consulta popular. No dia 19 de agosto de 2001, a prefeitura promoveu um plebiscito cujo resultado coibiu a alienação da Sercomtel Celular. Dos 299.207 eleitores de Londrina, 31.616 compareceram às urnas. Apesar do número pouco significativo, em relação à população da cidade em torno de 800.000 habitantes, mais de 50% dos votos válidos (16.505) disseram "Não" à privatização. A Sercomtel conserva-se, pois, integralmente estatal (CF. JORNAL MURAL, 19/08/2001).

Quanto à primeira tentativa de privatização, ocorreu deu em 1998, ou seja, por ocasião das primeiras investidas práticas das políticas privatistas de FHC para o setor. A presidência da Sercomtel, cuja indicação é dada pela prefeitura municipal, na época em fina sintonia com a política federal, começou a especular sobre a possibilidade de privatização da Sercomtel. No final de 1997, após processo licitatório, é contratada uma empresa de consultoria com vistas à "avaliar o patrimônio e o potencial competitivo da Sercomtel" no quadro de abertura de mercado que se anunciava (CF. JORNAL MURAL, 10/12/1997.) Segundo o Presidente da Sercomtel na ocasião, o objetivo desta contratação seria traçar os “rumos

38

O caso de corrupção na prefeitura de Londrina, sob a gestão de Antonio Belinati (PL), foi amplamente noticiado pela imprensa escrita e televisiva não só em âmbito municipal como estadual e nacional. A descoberta de um poderoso esquema de corrupção encabeçado pelo então prefeito, resultou em seu impeachment em 2000. Especula- se, com grande aceitação entre a população de Londrina e mesmo do Estado do Paraná, que a administração executiva da Sercomtel, na época extremamente afinada com a prefeitura, bem como o governo do Paraná, participaram de tal esquema. Conforme a fala de uma funcionária quando questionada sobre esse caso:

"A Sercomtel sempre cobriu déficits da prefeitura. Hoje, como tá provado, houve muito desvio, mas a Sercomtel tem dinheiro pra [...] porque telefone é assim, não existe nada a crédito, se você deixou de pagar a conta você tem o telefone cortado. Então é dinheiro ali, no caixa, toda hora". Esta, inclusive, seria uma das explicações para o inédito "modelo" de privatização efetivado na Sercomtel, e que será apresentado logo mais.

apropriados para enfrentar a nova fase do capitalismo”, sendo que a “escolha de um sócio, e o sucesso dessa parceria no cotidiano, são os novos desafios” a serem enfrentados pela empresa39.

Tal procedimento seguiu as mesmas diretrizes efetuadas pelo governo federal com relação às operadoras do sistema Telebrás que seriam privatizadas. A idéia era obter, como resultado da consultoria, um modelo de privatização para a Sercomtel, cuja decisão oscilava entre sua venda total ou parcial. Nesse segundo caso, cogitava-se em um "parceiro estratégico" de modo a conseguir investimentos que pudessem garantir a competitividade da empresa, porém sem a perda total do controle de suas ações pelo município. Essa segunda alternativa era a que o prefeito mais simpatizava40.

Em 1998, a empresa começa a ser assistida por uma Consultoria estabelecida em licitação internacional. Subjacente a tal Consultoria estava a preocupação da administração da empresa na época com os rumos que esta tomaria dentro da iminente reestruturação do setor, a qual abriria uma concreta possibilidade de privatização da Sercomtel41.

É muito evidente a parcialidade da administração municipal da época e de seu representante na empresa, no sentido da privatização, seja em qualquer versão apresentada. O projeto de lei que autorizou a Prefeitura de Londrina a preparar a Sercomtel para uma privatização nos moldes recomendados pela consultoria, foi aprovado pela Câmara Municipal em caráter de urgência, no final de março de 1998. Em abril deste ano, novamente em regime de urgência, a prefeitura obtém total aval da Câmara para decidir sobre a forma como a privatização da companhia aconteceria. O motivo alegado para tamanha urgência foi a iminência da promulgação do Plano Geral de Outorgas a ser implementado pelo Governo Federal, o qual viria a restringir a venda das ações das teles apenas ao grupo que adquirisse a operadora federal, o que

39

Fonte: Relatório de Desempenho e Finanças’ 97. Nota-se aqui que o discurso municipalista, que sempre foi um dos carros-chefe do marketing dessa empresa vai, aos poucos, perdendo o vigor. Em seu lugar começa a despontar o ideário da privatização que vem ao encontro dos preceitos neoliberais, política-econômica responsável pela viabilização da mundialização.

40

Conforme depoimento do Presidente da Sercomtel ao Jornal Mural de 01/04/1998: "Há uma intenção do Prefeito [...] de que, se possível, encontremos um parceiro estratégico e evitemos a transferência do controle acionário para fora de Londrina. [...] estaríamos preservando não só o emprego dos funcionários como também manteríamos o controle e a operação da Sercomtel em Londrina".

41

Uma preocupação que, de certa forma, permanece até os dias de hoje, uma vez que esta empresa jamais parou de se transformar, enfrentar e subsistir ao contexto mercadológico que daí emergiu. Mesmo que, para tanto, tivesse de

poderia desvalorizar as ações da Sercomtel. Em 15 de maio de 1998, o Município de Londrina promulga a venda de 45% das ações da Sercomtel, no valor de R$ 186 milhões à COPEL, empresa de energia elétrica do Estado do Paraná. Outra originalidade dessa empresa: ser parcialmente privatizada por outra estatal, permanecendo, ainda assim, totalmente estatal.42

É nesse período que começa a se delinear uma situação diferenciada em relação à oferta básica de seus serviços, a qual possibilitou-lhe aumentar seu campo de ação em um grau sem precedentes, em comparação com o resto do país. A Sercomtel passa a readquirir, através de compra, as linhas dos próprios usuários com o intuito de disponibilizá-las à população de baixa renda. Era uma forma de acabar com a excessiva especulação vigente no setor, característica do período de inflação galopante que marcou a pós-ditadura. A proposta era equiparar o serviço de telefonia aos serviços de infra-estrutura básica, como água e eletricidade, de modo que aquele, tal como estes, pudesse ser acessível mediante pagamento de uma taxa mensal. Atualmente, essa idéia já é uma realidade. Tal fato permitiu que a empresa estabelecesse uma espécie de monopólio comercial de telefonia no município e região. Uma estratégia que lhe garantiu previamente uma considerável vantagem competitiva, frente à abertura de mercado no

seguir de um modo ainda mais obstinado e fidedigno as determinações das novas estratégias empresarias que sobressaíram para atender a atual fase da economia capitalista.

42

A privatização parcial da Sercomtel pela COPEL é, para muitos, juntamente com o fato de a vice-governadora ser esposa do prefeito de Londrina na época, a comprovação mais cabal do envolvimento do governo do Estado do Paraná no caso de corrupção em que a empresa esteve envolvida. Isto fica muito evidente no depoimento da assessora de imprensa da Sercomtel, nessa função desde tal período:

A política [de imprensa] da Sercomtel era [sob a gestão em questão] assim: ela comprava o espaço para o ano inteiro, pagava a vista, antecipado e se pagava um valor muito mais alto do que os veículos [de comunicação da cidade] cobrariam de qualquer outra empresa. A Sercomtel aceitava isso. [...] a Sercomtel sempre agiu assim, nesse ano [2001, sob a administração municipal do PT] que mudou, ela sempre pagou mais caro, tanto em espaço em rádio, quanto em jornal, e outra coisa, você há de convir que quando você compra um espaço antecipado, recebe-se um desconto ótimo. Pelo contrário, a gente não recebia desconto algum, pagava mais caro e antecipado. De certa forma, você está dando dinheiro pros jornais e não sei se de certa forma isso acabava interferindo na parte editorial, apesar de que tudo o que saia na mídia era de interesse da coletividade. Hoje também, as nossas notícias que saem, algumas delas não saem mesmo sendo de interesse. Eu não posso dizer se tem um reflexo ou não nisso, mas nessa administração agora [da Sercomtel, indicada pelo PT], assim que ele assumiu ele começou a renegociar tudo isso e pechinchar e essa filosofia tem refletido em todos os setores da empresa. [...] a gente não compra mais nada adiantado. [...] Então não se dá mais assim dinheiro pra mídia, se paga, você até compra o espaço e se pagar adiantado a gente quer o preço justo, de mercado e ainda com desconto. (ASSESSORA DE IMPRENSA NA ÉPOCA)

setor, efetivada em 1998 sob a batuta política-econômica neoliberal consolidada pelo governo FHC, e, ainda, relativamente às prescrições da ANATEL.

É assim que a Sercomtel se mantém não só pública, mas competitiva, além de uma das empresas mais eficientes dentro do cenário nacional de telecomunicações, contrariando todo um discurso depreciativo das empresas estatais. Discurso que emergiu e proliferou-se por todos os anos de 1990, e que ressalta a inabilidade da administração pública para enfrentar os desafios colocados pela liberalização da economia capitalista, para, assim, justificar suas privatizações. Enfim, a Sercomtel conforma-se como estatal, local e lucrativa, em contestação direta com as tendências privatistas da economia capitalista contemporânea. Contudo, se formos no âmago do modo de produção capitalista, isto é, naquilo que nele permanece independente das flutuações conjunturais que o revestem, notamos que, paradoxalmente, no momento em que a Sercomtel mais se distingue formalmente da nova ordem mundial imposta para as empresas, especialmente do ramo de telecomunicações, mais esta se harmoniza com o que há de mais essencial na maneira como as relações capitalistas de produção se estruturam: a exploração da força de trabalho visando primordialmente ao lucro.

Como constatamos em nossa pesquisa, nunca a Sercomtel privilegiou tanto a lógica mercadológica em detrimento da sua compreensão de empresa fornecedora de serviços voltados para a melhoria da qualidade de vida da coletividade, incluindo nesta não só seus consumidores, mas igualmente aqueles que participam diretamente do processo produtivo desses serviços. Nunca a lógica da produção capitalista esteve tão presente na Sercomtel, que, embora ainda pública, só consegue assim se manter na medida em que está seguindo intensamente os ditames mercadológicos próprios da mundialização do capital.

Como tal, de uma produção que cada vez mais prescinde do trabalho vivo ao mesmo tempo em que, por isso mesmo, aprofunda qualitativamente a reificação daquela força de trabalho que continua necessária neste processo. É essa reificação, bem como as metamorfoses que este fenômeno sofreu com as mudanças operadas pelas novas Tecnologias da Informação e Comunicação no interior de seu processo produtivo, que procuramos delimitar, caracterizar e analisar na ulterior evolução de nosso trabalho.

O questionamento que norteia esta análise é o seguinte: diante de todas as profundas mudanças aqui apresentadas, como os funcionários que trabalham nessa empresa – ou

seus “colaboradores” como passaram a ser chamados desde a implementação dos Programas de

Qualidade Total – estão percebendo e participando desse processo?

Ingressaremos, pois, no próximo capítulo, considerando que tais mudanças não poderiam alcançar plenamente seus objetivos de aumento de produtividade e lucratividade sem a devida articulação entre as novas formas de gestão da força de trabalho e uma gestão

empresarial informatizada, da mesma forma, tendo em vista que estas instâncias requerem uma

refinada modelagem da subjetividade operária. É, doravante, desde esta perspectiva, que adentraremos no interior dessa peculiar empresa para proceder a análise das estratégias tecnológicas e organizacionais adotadas para enfrentar a acirrada competitividade derivada da reestruturação neoliberal do setor de telecomunicações. Ou, em outras palavras: para verificar sua transformação em empresa-rede, bem como os efeitos precarizantes dessas mudanças para seu quadro de pessoal.

II . Sercomtel frente às recentes mudanças no setor de