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4. SERCOMTEL: trajetória histórica

4.1 Sercomtel: uma história de embate entre política municipal e política federal

A grande popularidade da Sercomtel diante da comunidade em que atua deve- se ao caráter eminentemente rural que sempre caracterizou a região de Londrina, principalmente nos seus primórdios, o que tornava imprescindível um meio de conexão com os grandes centros. Além disso, o sonho da industrialização nunca deixou de estar presente nesta cidade, uma vez que a colonização dessa região ocorreu na década de 1930, período em que a burguesia industrial encontrava-se em franca ascensão e, com isso, toda uma ideologia desenvolvimentista de expansão empresarial. Atualmente, sua grande atuação advém sobretudo do cunho comercial que as atividades econômicas desta cidade assumiram, e vem vertiginosamente desenvolvendo, em função das demandas próprias de uma região agrária, carente de indústrias de transformação e relativamente distante das regiões com esse perfil.

Desde o seu início, portanto, foram estas as demandas que definiram, de modo fundamental, a necessidade do município desenvolver meios mais eficientes de conexão com o restante do país. Assim, logo que os problemas mais básicos de infra-estrutura foram resolvidos, a administração municipal volta-se para a telefonia como política pública, prioritária aos seus projetos de desenvolvimento33.

Em 1964, não coincidentemente o ano em que os militares tomam o poder com um projeto de desenvolvimento bastante especial para o setor de telecomunicações, a Prefeitura cria o Departamento de Serviços Telefônicos do município de Londrina. Em 1965, este é transformado em autarquia, sob o nome SERCOMTEL – Serviços de Comunicações Telefônicas de Londrina. No dia 6 de julho de 1968, é ativada sua primeira central telefônica automática,

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Daí para frente, de um modo ou de outro, todas as administrações públicas desta cidade mantiveram-se coerentes e persistentes com relação a este objetivo.

com 7.280 linhas. Em 1973, Londrina conquista sua primeira vanguarda no setor quando passa a ser a única cidade do país a ter todos seus distritos atendidos por telefone; sendo que este chega ao campo antes mesmo que o asfalto (Cf. FELDMAN, 1998). Após este primado vários outros: menos de sete anos depois de sua inauguração, a Sercomtel já havia feito duas expansões, superando o padrão de metas estabelecidas pela Telebrás, ocorrendo o mesmo, no final de 1976, relativamente à oferta de telefones públicos. Neste ano também é ativado seu serviço DDI.

No final da década de 1970 e início da de 1980, a Sercomtel consegue mitigar, em alguma medida, a ingerência da ditadura militar em suas estratégias. Vale lembrar que, com o advento da ditadura militar, é forjada toda uma política fundamentada na ideologia de “segurança nacional” como forma de legitimar as forças armadas no poder. A administração das telecomunicações pelo regime militar era, portanto, parte integrante das suas estratégias "nacionalistas". Como vimos, nesse contexto o setor de telecomunicações sobressai como fator- chave para a proclamada proteção da "soberania nacional". O governo federal passa a investir sistematicamente nesse setor, o que implicou melhorias técnicas e estruturais significativas, tais como a criação da Embratel e Telebrás, respectivamente (Cf. DANTAS, 1996). Tais feitos

resultaram em um boom de desenvolvimento no setor até então sem precedentes no sistema de telefonia do país.

No entanto, a característica totalitária e centralizadora do regime militar levou o governo a tomar medidas inconstitucionais para alcançar esse resultado. A lei prevista na Constituição de 1945, que outorgava aos municípios o poder de gestão da telefonia local, é revogada em outubro 1962 quando entra em vigor o Código Brasileiro de Telecomunicações – CBT. Na verdade, essa nova jurisdição representou o "marco regulatório da política nacionalista praticada no setor" na medida em que possibilita uma "forte presença do Poder Executivo exercendo o papel do órgão controlador do setor e a determinação de regras de moralização e de incentivos para se estabelecer um modelo institucional público (estatal)" (LEAL, 2000, p. 58). Em

suma, com o CBT, a administração dos sistemas de telefonia do país passa, legalmente, a ser da competência da União.34

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Ainda segundo Leal (Idem), esta lei restringiu, entretanto não conseguiu acabar com a tendência presente no modelo brasileiro de telecomunicações, que "oscilava, desde finais do século XIX, entre o radicalismo nacionalista do monopólio estatal rígido e o favoritismo de caráter liberalizante no sistema de concessões que beneficiava o

Diante da impossibilidade de alterar-se uma situação legitimada na Carta anterior, o governo federal exercia fortes pressões no sentido de transformar a Sercomtel de autarquia em Sociedade Anônima. A S/A, na verdade, era mais um artifício no sentido de promover a “centralização para o desenvolvimento", principal pilar do projeto político da ditadura militar. Tal como foi determinada pelo governo, essa centralização tendia a concentrar nas mãos do Executivo as decisões relativas à expansão da telefonia em nível estadual e municipal. Como vimos, este feito foi conseguido pela constituição da Telebrás como uma

[...] empresa holding de um sistema nacional de empresas-pólo estaduais (as 'teles'). À Telebrás e suas 'teles' caberia absorver a miríade de companhias telefônicas municipais, ao mesmo tempo em que se investia na expansão e modernização das redes telefônicas urbanas. (DANTAS, 1996, p. 105)

Foi, portanto, através da Telebrás que o governo estruturou o financiamento dos investimentos no setor, o qual veio a viabilizar seu acelerado crescimento. Cada expansão que viesse a ser autorizada implicava na emissão, pela S/A., de ações que eram transferidas à Telebrás à qual, por sua vez, encarregava-se de emitir as ações dos assinantes. O dinheiro arrecadado com a venda dessas ações era aplicado em planos de expansão, que garantiam linhas telefônicas aos acionistas no prazo máximo de dois anos. Para a Telebrás, essa estratégia significou "um modo de se financiar a custo baixo, através da abertura e pulverização do seu capital social"; já para os usuários, foi "uma maneira prática de comprar um telefone por cerca de mil dólares, pagando antecipadamente em suaves prestações" (DANTAS, 1996, p. 105).

Considerando que, enquanto autarquia, a Sercomtel não podia emitir nem lançar ações, a mudança para a S/A representava uma significativa perda do controle municipal sobre esse serviço. Sua resistência em abrir mão de sua autonomia leva a empresa a sofrer outros tipos de pressões por parte do governo: enquanto outras operadoras recebiam em torno de 70% do valor dos interurbanos que geravam, a Sercomtel recebia apenas 10%; e mais, foram vetadas expansões com base em auto-financiamento. Diante desse quadro, a Sercomtel criou uma

interesse privado, representado por empresas, sobretudo estrangeiras, abrindo o mercado de telecomunicações para essas firmas". Uma tendência que atinge seu apogeu com a Lei Geral de Telecomunicações – LGT, aprovada por FHC com vistas a sintonizar a regulamentação do setor com os pressupostos neoliberais que nortearam de seu governo.

proposta alternativa: implementou um sistema em empresas de sociedade anônima davam ações em troca do valor das linhas vendidas. Concomitante a isto, a Sercomtel começa uma longa batalha jurídica que vai culminar com o entendimento de que não havia forma de se contestar legalmente a posição de uma autarquia como exploradora do serviço telefônico municipal. Contudo, para preservar esse direito, a Sercomtel tinha de realizar novas expansões (Cf. FELDMAN, 1998). E assim ocorreu.

Em 1984, através de um sistema de auto-financiamento, a Sercomtel enfrenta mais uma vez o governo federal e lança nova expansão sem sua autorização. Durante todo esse período, a empresa vive uma situação inusitada: incorpora duas empresas que funcionam em paralelo – a autarquia e a sociedade anônima, como um artifício para driblar as determinações do governo e proceder sua expansão (Cf. FELDMAN, 1998). Entretanto, esse foi o último confronto

da Sercomtel com relação às diretrizes do setor de telecomunicações do país. A partir do início da década de 1990, com a liberalização da economia brasileira e o princípio da inserção relacional do Brasil na dinâmica da mundialização do capital, a história de oposição da Sercomtel frente às políticas públicas federal e estadual estava prestes a terminar; não obstante a manutenção de sua condição de empresa pública.

Em 1986, Antônio Carlos Magalhães, então Ministro das Comunicações, vem a Londrina para, entre outras coisas, anunciar a autorização oficial de uma nova expansão pela autarquia. Os ventos da mundialização começavam a soprar por aqui. Pouco tempo depois, a Sercomtel inaugura novas e modernas instalações35. Embora projetada considerando os antigos equipamentos, foi estabelecida praticamente no mesmo período em que acabara a construção da obra, uma parceria com a Ericsson que permitiu a adoção e disposição de equipamento digital CPA-T AXE 10 – uma nova e avançada tecnologia que fez da empresa a pioneira do país na disposição de centrais digitais de grande porte. O novo equipamento também viabilizou a

descentralização de seus serviços para áreas periféricas da cidade sem grandes custos e com a

mesma qualidade dos sistemas centrais.

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Segundo Feldman (1998, p. 49), com essas novas instalações: “o futuro telefônico de Londrina ficou assegurado em pelo menos trinta anos, sem necessidade de novas construções para instalação de equipamentos de comutação no centro da cidade. As centrais periféricas, também projetadas por funcionários da autarquia, obedeceram o mesmo padrão”.

Em abril de 1990, mais uma vez mediante contrato com a Ericsson, a Sercomtel expande mais 25 mil terminais. Para tanto, troca seu CPU (unidade central de processamento) 211 (com capacidade de cursar 150 mil chamadas/hora), por uma CPU 212 (capacidade de 750 mil chamadas/hora) na central, além da troca da CPU 210 pela CPU 211 em um ponto estratégico da periferia (Cf. FELDMAN, 1998). Essa modernização tecnológica em sua

planta permitiu à empresa passar por um veloz processo de expansão, que se torna quase ininterrupto no período que vai de 1990 a 1995.

Foi assim que a Sercomtel iniciou seu caminho rumo à adoção dos novos parâmetros gerenciais e tecnológicos em conformidade com a reestruturação produtiva oriunda da crise do fordismo e da crise estrutural do capitalismo que veio a seu reboque (CF. BIHR, 1998). Uma reestruturação que, conforme análise apresentada no capítulo a seguir, se tornou mais contundente na empresa a partir do início dos anos 1990; prosseguindo veemente até os dias de hoje.

4.2. O caso Sercomtel: diretrizes diante da privatização e reestruturação do setor de