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Privatização das telecomunicações: a consolidação do domínio das transnacionais pela

Tal como as estradas de ferro nos primórdios do capitalismo, as redes telemáticas, transformadas em infra-estrutura capitalista, transportam por suas fibras óticas o mais novo ativo permanente e financeiro do capitalismo contemporâneo: a informação10. Assim fazendo, tornam possível transformar dados em "dinheiro informação", a mais nova moeda das empresas que estão na dianteira do atual estágio de desenvolvimento capitalista (BRANDÃO, 1996, p. 162).

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É preciso esclarecer que não se pretende aqui atestar o fim dos transportes realizados por trens, caminhões ou mesmo aviões. Claro que a infra-estrutura telemática não substitui tais transportes, do mesmo modo que o capitalismo não pode prescindir dos bens materiais para sua reprodução. Os transportes físicos continuam na ordem do dia, já que apenas eles podem efetuar o transporte das mercadorias de cunho material, que serão sempre necessárias aos processos produtivos e reprodutivos do capital. O que se quer aqui é destacar que, na medida em que surge e prepondera a mercadoria-informação, até mesmo como matéria-prima para a produção de futuras mercadorias concretas, é indubitável que telemática assume relevância singular. Afinal, suas redes são o único meio de se conduzir, a longas distâncias, uma mercadoria de natureza imaterial tal como a informação se apresenta nos dias de hoje.

Como postula Bernardo (2000):

[...] no capitalismo contemporâneo, o dinheiro pode definir-se como um elemento de um processo de veiculação de informações. O sistema pecuniário destina-se, em última análise, a regular o caudal de informações mediante o qual as empresas avaliam os seus custos e lucros. (BERNARDO, 2000, p. 44)

É esse o sentido que leva Dantas (1996, p. 112) a falar em "lógica do capital informação" e, dessa forma, definir a presente etapa da economia capitalista como "informacional". Segundo este autor, considerando que "informação não se estoca", a fluidez cada vez maior viabilizada pelas TICs – cuja tecnologia permite cifrar a informação segundo uma lógica binária e contábil – possibilita sua quantificação em termos de medida tempo. Ora, é pelas redes telemáticas que circula o "capital informação". Portanto, a produção e o transporte de informações sobejas significa perda de tempo e dinheiro. Essa é a razão pela qual as transnacionais tendem a se constituir em oligopólios.

É mediante esse arranjo que as grandes corporações conseguem mobilizar e converter os enormes investimentos com P&D, bem como com suas normatizações, em propriedade – os chamados "direitos intelectuais". Logra-se, dessa maneira, uma racionalização na utilização das redes, pois a troca de informações fica mais restrita àquelas relativas à pesquisa e inovação. Afinal, é esse tipo de informação que é passível de se transformar em "capital- informação", porquanto é ela que posteriormente poderá se materializar em novos produtos, serviços e patentes. Logo, em mais receita para as empresas (Cf. DANTAS, 1996).

Convertidas em propriedade, tais informações tornam-se simultaneamente um meio de produção e padronização. Com isso, as empresas não precisam mais despender tempo reinventando a roda, basta adquirir o direito de uso das invenções patenteadas para, então, se chegar a outras inovações. Como nos esclarece Bianchetti (2001, p. 57), a informação, assim manipulada, "pode ser concebida como a matéria-prima a partir da qual é possível chegar ao conhecimento, da mesma forma que os dados se constituem na matéria-prima das informações". O conhecimento, portanto, é resultado de um processo produtivo, tal como qualquer outro fabrico. Porém, com a grande vantagem de poder ser aproveitado de várias formas, sendo que

todas sob o reinado do trabalho morto, no interior da produção, a saber: matéria-prima, capital

fixo e produto final.

Nos dois últimos casos, sua concretização ocorre sobretudo através dos

softwares. Como capital fixo, os softwares servem de base padrão das operações produtivas,

tornando-se produto final quando são vendidos, como um bem ou serviço comercializável, por aquelas empresas que detém sua patente. Como observa Coutinho (1995):

Qualquer tentativa de compreensão do funcionamento das redes de telecomunicações deve reconhecer o papel crucial do software. A capacidade de desenvolvimento e manutenção de software de suporte é o elemento mais caro e complexo para o design e a operação das redes. [...] Ademais, em face da superposição entre as funções relacionadas ao software incorporadas em redes para dar suporte ao transporte de mensagens e aquelas que dão suporte a processamento de dados, conversão de protocolos etc., é praticamente impossível distinguir entre "infra-estrutura" e "serviços" de telecomunicações.

(COUTINHO, 1995, pp. 26-27)

É desse modo que:

[...] o setor de telecomunicações passa a desempenhar um papel-chave no processo de geração e difusão das novas tecnologias de base microeletrônica, dado o seu papel integrador dos diversos sistemas. [...] É correto, portanto, considerar as telecomunicações como o elemento catalisador no processo de difusão da microeletrônica. (COUTINHO, 1995, p. 23)

Infere-se que a formação dos grandes oligopólios não é só um meio de repartir os custos com P&D, mas especialmente de apropriação e racionalização de informações para sua transformação, tanto em matéria-prima como em capital fixo e/ou produto final, dependendo das circunstâncias. Em vista disso:

[...] a internacionalização do "novo paradigma" fragmentário nas comunicações vem-se realizando através de grandes alianças globais, envolvendo as maiores transnacionais e transportadores (ex-) públicos de

informação. São alianças para construir redes continentais e transcontinentais

de comunicação, que passam por cima de fronteiras e restrições políticas nacionais. (DANTAS, 1996, p. 112 – grifo nosso)

Mercadoria versátil, a informação serve igualmente de incremento ao processo de financeirização das corporações por proporcionar o escoamento de sua crescente liquidez, em tempo real e de modo virtual, nas bolsas de valores. Desse modo:

[...] as telecomunicações não se encontram apenas no centro da reestruturação industrial que se opera hoje em nível mundial, como um setor-chave, ao lado de outros, mas são elemento central na definição do conjunto do padrão de desenvolvimento e do modo de regulação do capitalismo. [...] a expansão da comunicação empresarial [...] e, em especial, a internacionalização do setor financeiro, [...] transforma as telecomunicações em um recurso da mais alta prioridade para as empresas . (BOLAÑO, 2003, p. 6)

Assim, na medida em que a informação tornou-se uma mercadoria e recurso de crucial importância aos agentes da mundialização do capital – ou seja, às grandes transnacionais – os serviços de telecomunicações, enquanto um serviço de transporte e de manuseio de informação concomitantes, passam a integrar, com uma centralidade sem precedentes, a atual infra-estrutura produtiva. Por este motivo, de uma concepção de serviço público universal, a

qual prevaleceu até o final da década de 1970, o setor de telecomunicações passa a ser entendido como um fator de produção. Como observa Bianchetti (2001, p. 39):

[...] o papel do telefone, neste novo contexto de internacionalização da economia, passa a ser ressignificado. De um meio de comunicação básico, convencional, limitado ao transporte de voz, passa a desempenhar um papel estratégico, a partir da mixagem à informática, dando origem às novas TICs, cujo espectro de atuação vai tendo seus limites constantemente rompidos. [...] As tecnologias da informação e comunicação, [...] são a espinha dorsal de uma estrutura sócio-econômica global.

Esta metamorfose no conceito de telecomunicações, parece a consolidação, em um grau superior, da discussão de Mandel (1980) sobre o caráter produtivo dos serviços no capitalismo tardio. Segundo este autor, apesar de seu locus encontrar-se na esfera da circulação, os serviços de transporte não deixam de influir sobre a extração da mais-valia. Para Mandel, ainda que os transportes não participem diretamente no processo de criação de valor, exercem "influência indireta" sobre o mesmo, pois "ajuda a aumentar a massa de mais-valia, reduzindo o

tempo de giro do capital circulante” (MANDEL, 1980, p. 280 – grifo nosso). Daí ele considerar os serviços ligados ao transporte como produtivos, uma vez que subsidiam diretamente a produção capitalista.

Dessa forma, quando incorporadas na esfera da circulação do processo capitalista de produção, as telecomunicações funcionam como o meio de transporte por excelência da mais estratégica e versátil mercadoria demandada pelas grandes empresas na atualidade: a mercadoria-informação. Porém, para que os serviços de telecomunicações pudessem se efetivar dessa forma, foi crucial promover sua privatização. Somente produzida dentro de uma dinâmica de produção privada, a circulação da mercadoria-informação pode expandir as fronteiras dos bens e serviços para os exclusivos efeitos da acumulação de capital. Donde o interesse do grande capital privado pelo setor, que cresceu coadjuvante às políticas neoliberais subsidiárias da mundialização e da acumulação flexível do capital.

2. A privatização das telecomunicações como expressão de uma nova hierarquia político-