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O trabalho proposto por Laís Pontes (1981, Fortaleza/CE) denominado Born Nowhere (2011-2012) que, traduzido para o português quer dizer “Nascido(a) em lugar nenhum”, é um projeto artístico de identidade on-line que utiliza plataformas de mídias sociais como base de interação para a construção de personas virtuais. Através de autorretratos compostos fisicamente com adereços a artista transformou seus traços fisionômicos e construiu novas identidades. Após a produção, as fotografias foram transferidas para o computador e modificadas digitalmente com tratamento e edição disponíveis em programas. A proposta está na página original do projeto no Facebook

(à esquerda) Ana Cristina Born Nowhere, 2011

Disponível em www.laispontes.com/born-nowhere/characters/Born_Nowhere_Ana_Cristina_web/

(à direita) Neide Born Nowhere, 2011

Disponível em www.laispontes.com/born-nowhere/characters/Born_Nowhere_Neide_web/

Após fazer os retratos, Laís faz a postagem das fotos na página do projeto no Facebook e convida os usuários a comentarem com suas respostas às mais variadas perguntas formuladas por ela. No post de outubro de 2012, são lançadas as indagações: Quem é ela? Qual o nome dela, seu trabalho, sua idade, sua personalidade, seus passatempos? O que ela está pensando? Poste seu comentário e participe da nossa conversa de mídia social! Vamos criá-la em lugar nenhum!

Disponível em

https://www.facebook.com/Project.Born.Nowhere/photos/a.267787206572540.71764.267781766573084/494640 797220512/?type=3&theater

Por meio da estratégia interativa com os usuários, a composição desta série envolve a construção de identidades on-line que são fundamentadas nas publicações dos autorretratos no

Facebook, junto aos comentários solicitados aos usuários nos posts. As questões instigam os espectadores a pensar quem seria aquela pessoa retratada, qual o seu contexto, local de origem, idade e hábitos. Assim, compilando os comentários de usuárias e usuários como interatores e espectadores, a artista construiu uma biografia para as imagens virtuais. As informações publicadas na mídia social serviram para compor a descrição final de cada uma das imagens. É intrigante observar que as descrições são influenciadas pelo tipo de cabelo, vestuário e expressão facial, o que os psicoanalistas conceituam como projeção; o observador da imagem tende a projetar o próprio ambiente onde está inserido, aliado a suas vivências, desejos, realidades e memórias incorporando seus pensamentos e interpretações como uma espécie de banco de dados.

Neste ponto, Grau (2014) destaca que “os receptores passivos de antigamente que refletiam sobre obras de arte distintas e distantes, mesmo que de maneira ativa intelectualmente, tornaram-se usuários interativos com níveis consideráveis de liberdade” [...] “mais ainda, tornaram-se mediadores ativos e facilitadores de universos de imagens, além de seus produtores, uma vez que reúnem, modificam, distribuem e situam as imagens seletiva e estrategicamente. Novas informações visuais surgem não apenas pelo diálogo em que uma ou mais redes estão envolvidas” (GRAU In BEIGUELMAN & MAGALHÃES, 2014, p.105).

Trecho dos comentários no post de Claudia Born Nowhere Disponível em

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10150350697491774&set=a.463136386773&type=3&theater

Numa perspectiva de leitura, as personas de Laís poderiam ser apreendidas como heterônimos, à semelhança do trabalho de Andressa Ce., pois os padrões de personalidade e

atributos próprios de cada personagem ficam evidenciados também nessa proposição. A diferença surge no momento em que os perfis ganham ‘vida própria’ e suas ações passam a ter certa limitação, uma vez que estariam condicionados a corresponder às características fixadas na descrição de cada um deles.

O trabalho pode ser visto como uma ação fotográfica performativa on-line onde cria um ambiente flexível de interação entre os seus participantes, possibilitando o desenvolvimento da concepção de trabalho a partir do compartilhamento de experiências interativas sem limitações sociais ou culturais. Convém ressaltar que os termos ‘fotografia performativa’ ou ‘performatividade na fotografia’ são empregados, nesta perspectiva, como similares e têm a intenção de salientar a diferença desse tipo de prática em relação à performance, como é conhecida na linguagem da arte. Na performance, a fotografia inicialmente possui o status de registro da ação, e não a situação ou objeto que atesta essa efemeridade propriamente dita. Por isso mesmo, adquiriu uma linguagem própria até chegar ao estatuto de obra de arte. Ao contrário, na performatividade, existe a ideia de construir a imagem e posar para a câmera a partir de determinadas regras, à semelhança de um jogo com protocolos estabelecidos pelas artistas.

Tela de abertura do perfil do projeto Born Nowhere Disponível em https://www.facebook.com/Project.Born.Nowhere/

Utilizando o mesmo processo, as 26 personas receberam suas identidades permanecendo vinculadas ao projeto Born Nowhere. Através do Facebook surgem Lucia, Courtney, Neide, Stacy, Amber, Sarah, Julia e dezenas de imagens de mulheres inventadas.

Print do perfil com todas as personas do projeto Disponível em

https://www.facebook.com/pg/Project.Born.Nowhere/photos/?tab=album&album_id=267787206572540

Um exemplo é o post de Claudia, em 6 de setembro de 2011, ao apresentar os caracteres da persona com as respostas compiladas a partir de sugestões dos usuários.

Print do post de Claudia Born Nowhere Disponível em

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10150350697491774&set=a.463136386773&type=3&theater

Sua descrição diz o seguinte: Claudia, 28 anos, casada, ama sua sobrinha de 5 anos. Muito boa pessoa que se dá bem com todos. Nascida em nenhum lugar. Ela está grávida e já escolheu nomes de bebês: Paul, se for menino, e Hope, se for uma menina. Seu pai é francês e sua mãe é brasileira. Ela atualmente trabalha como secretária, mas ela costumava ter uma agência de publicidade bem-sucedida. Adora literatura e filosofia. Ela se voluntaria como professora de inglês em meio período. Sua vida é bem normal. Ela não é feliz. Terapia vai ser o próximo passo.

Print do post de Karenina Disponível em

https://www.facebook.com/Project.Born.Nowhere/photos/a.267799843237943/427876360563623/?type=3&thea ter

39 anos de idade - ou talvez 34? - ninguém sabe sua idade exata. Ela tem um fabuloso cirurgião plástico. Além de cirurgias plásticas antienvelhecimento casuais, ela teve seu nariz redesenhado, na esperança de dar a ela um visual italiano. Ela vem de uma família indiana, mas nasceu na Inglaterra. Todos os dias ela enfrenta a divisão cultural oriental/ocidental, sente que ela incorpora essa contradição. Ela acabou de se mudar para NYC para se juntar a um escritório de advocacia. Ela é uma advogada muito talentosa e famosa. Ela gosta de fazer seus clientes se apaixonarem por ela apenas por diversão. Ela ama homens mais jovens. Ela é solteira no momento e suas amigas ocasionalmente a colocam em um encontro às cegas. O que ninguém sabe é que ela tem um amor secreto no Brasil. Ele é um político poderoso. De vez em quando ela escreve para uma revista de moda. Dolce e Gabbana a amam tanto quanto Berlusconi. Nascida em nenhum lugar. Ela ama poder e luxo. Ela é ambiciosa, metódica, obstinada, uma ótima profissional que ganha muito dinheiro. Ela segue uma dieta zero-carb e só come saladas. Ela tem uma tatuagem de um cisne na parte inferior das costas. Algumas pessoas juram que a viram em um vídeo do concurso de canto boliviano no YouTube, que foi recentemente removido. Ela secretamente gosta de visitar cabarés, gosta de colecionar vasos chineses e tem uma paixão por artigos sobre histórias de amor alternativas, como a de Casemiro que decidiu ser Tânia depois de ter descoberto que sua esposa o deixou por outra mulher, e Roberto revelado ele mesmo como Leila.

No site de Laís encontram-se todos os retratos e conteúdos descritivos sobre os projetos:

As personas de Born Nowhere

Fonte http://www.laispontes.com/born-nowhere/bn-grade/

Uma síntese informativa do trabalho também pode ser visualizada na plataforma Vimeo, acessando: https://vimeo.com/115134508 .

Com o caráter de pesquisa em processo, Laís deu continuidade ao fluxo de produção fotográfica e de narrativas em que a participação nas redes sociais tornou-se o elemento principal de ações compartilhadas junto aos usuários. Valendo-se do recurso de imagens e textos, após ter formatado as identidades das personas virtuais a partir dos comentários postados, a artista realizou nas etapas seguintes alguns processos de desdobramento da proposta e suas estratégias, alterando também o tipo de experiência e de relacionamento através das conexões da rede social. O projeto foi iniciado em 2011 e permanece ativo em 2019.

Na plataforma Instagram, uma nova vertente do projeto assumiu o título The Girls on Instagram (As garotas no Instagram) onde as personagens de Born Nowhere evoluem a partir de suas identidades originárias, e passam a ocupar espaços do mundo real. Essa transposição ocorre por outro processo de interação com o público onde retratos impressos são compartilhados e fotografados em diversos ambientes. O processo será detalhado em capítulo posterior.