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2. O CORPO DA MULHER E A CENSURA ON-LINE

2.1. Mulheres artistas e feminismos

Na história da arte a produção artística tem como referência diversas obras desenvolvidas por homens. É, portanto, a partir do século XX que passamos a observar um incremento na visibilidade e legitimação da presença e atuação das mulheres na arte. Mais recentemente, nesta segunda década do século XXI, atravessamos uma condição histórica, política, artística e social permeada por determinadas estratégias que demandam reflexões pertinentes a estruturas e comportamentos individuais e institucionais do contemporâneo. Abordar, para tanto, as expressões fotográficas do corpo inseridas no pós-advento da tecnologia digital e da internet envolve um desafio de caráter sistêmico. Neste território, a ideia é pensar em uma provável estética de confluências entre arte e feminismos na produção contemporânea.

Ao percorrer um breve histórico da arte praticada por mulheres artistas brasileiras, observamos que temas como relações de equidade de gênero em todas as esferas - social, econômica, direitos - além de questionamentos sobre identidades e enfrentamentos ao patriarcado e à misoginia, têm se definido como a tônica de inúmeras proposições atuais radicadas em princípios já fundados durante as décadas de 1960 e 1970. Num contexto intensamente marcado por regimes de ditadura militar na América Latina dos anos 60, entre outros países como Argentina, Bolívia, Chile e Peru, o Brasil enfrentou uma época de profunda repressão que se estendeu até os anos 1980. Numa estratégia artística e política, artistas transformaram o corpo em diferentes vias de manifestação como instrumento de denúncia das violências sociais, políticas e culturais.

No Brasil, Lygia Pape (Nova Friburgo, RJ, 1927-2004) que iniciou seus estudos artísticos na década de 1950, produziu obras com gravura, escultura, pintura, fotografia e performance, além de objetos e instalações também marcados pela ironia, humor negro e críticas à situação política. Lygia Pape fez parte do grupo Frente (1953) composto por artistas importantes no desenvolvimento da arte moderna brasileira, como Lygia Clark e Helio Oiticica que integravam o núcleo do concretismo no Rio de Janeiro. Após divergências, entretanto, com grupo de concretistas de São Paulo houve um rompimento que resultou no manifesto Neoconcretista (1959) originado na reflexão dos artistas e seu novo posicionamento. Discutiam um corte com o racionalismo em busca da autonomia e da liberdade no processo criativo. A artista começou a produzir e expor nessa época vinculada ao

neoconcretismo, entendido como o início da arte contemporânea no Brasil.

No princípio da década de 1960, desenvolve uma exploração de trabalhos voltados ao espectador envolvendo a participação do público. Na sequência, a partir do final dessa década, Lygia ultrapassa a prática de temas clássicos, formais, como abstração geométrica, sem, contudo, abandoná-los. Incorpora, então, temas mais anárquicos ao utilizar a ironia e propor discussão sobre a abjeção e o erotismo, a fim de debater o papel da mulher numa sociedade patriarcal. Liberdade e experimentação na criação caracterizam seu exercício que considera o corpo um lugar privilegiado no todo ou nos detalhes.

Para Pequeno (2016, p.154), “Lygia Pape foi uma das primeiras artistas visuais no Brasil dos anos 60 e 70 do século passado a debruçar-se sobre formas, conceitos e temas controversos, como a abjeção e o erotismo, demonstrando grande inventividade e elaboração crítica do seu lugar social como mulher e como artista”. Em 1976, realiza as exposições denominadas Eat Me – A Gula ou a Luxúria? no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e na Galeria Arte Global, em São Paulo. Nesta primeira versão do trabalho, utiliza imagens da mulher como objeto de consumo ao agrupar em vitrines e saquinhos de papel diversos objetos usados para despertar desejo, como cabelos, batons, seios postiços, loções afrodisíacas, calendários de mulheres nuas e textos feministas. Como forma de contestar dinâmicas do mercado de arte, os saquinhos eram vendidos a preços populares.

Lygia Pape, Eat me, 1976

Reprodução fotográfica, autoria desconhecida

Lygia Pape, Exposição Eat me: a gula ou a luxúria?, 1976, Foto Lygia Pape Arte & Ensaios, Revista do PPGAV/EBA/UFRJ, nº 33, Julho 2017, p.161 Disponível em https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/article/view/11086/8695

Com o projeto que envolveu duas exposições e um filme, Eat Me (1975), originalmente realizado no formato 16 mm e, posteriormente, refeito em 35 mm, Lygia traz à cena de sua produção tão extensa quanto diversificada a materialização de questões do tecido social daquela época. Em forma de análise do comportamento dos veículos de comunicação que tratam a mulher como um objeto erótico de consumo, as imagens da boca masculina adquirem múltiplas conotações sobrepostas por vozes femininas em diversos idiomas.

Para a pesquisadora Vanessa Machado, segundo a artista, “o projeto era uma crítica ao rebaixamento da mulher à condição de objeto de consumo” (MACHADO, V., 2008, p.103). Nas palavras da autora, a película Eat Me mostra uma boca masculina sensual com bigode e barba, que chupa e mostra repetidamente para a câmera num enquadramento fixo, enquanto equilibra na língua uma “pedra” vermelha que é, na verdade, um objeto plástico lapidado como uma pedra falsa. Acompanhando a sequência, o som reproduz gemidos sexuais femininos que vão aumentando de volume e acabam em um grito. O som que acompanha as imagens repete em vários idiomas a frase “a gula ou a luxúria?”.

Para Ivana Bentes, “nesse filme e nesse trabalho surge ainda um dos temas recorrentes do campo cultural, a relação arte-consumo-corpo”. Na sua descrição, as bocas são apresentadas em super close e se alternam em ritmo acelerado e obsceno enquanto engolem e expelem a pedra colorida, e a boca feminina engole e expele a salsicha com ketchup. “A imagem em close das bocas como um bigode negro, dentes brancos, saliva, língua, com lábios vermelhos se confunde com olhos, vagina ânus, orifícios sensuais, sexuais, entre a sedução e o repulsivo” (BENTES In COMPÓS, 2011, p. 7).

Lygia Pape, Eat Me, 1975, 16mm/35mm, filme convertido para digital colorido, 9 min, Imagem cortesia Projeto Lygia Pape and Hauser & Wirth.

Disponível em http://www.4columns.org/brown-liz/radical-women

O filme representou o Brasil no Festival Internacional de Curtas-Metragens de Oberhausen (1976) na Alemanha, porém, antes disso fora proibido pela censura no Festival Curta Metragem 4 no Rio de Janeiro, em 1975.

Em suas escolhas transgressoras, conforme destaca Pequeno (2016) é a partir de meados de 1960 que, produzindo durante o regime da ditadura militar, a artista encontra uma espécie de saída inteligente para contornar as dificuldades impostas pelo sistema vigente no Brasil desde 1964. Com obras de temáticas críticas, o trabalho de Pape inscreve-se em outra perspectiva que considera o aspecto do abjeto em sua produção.

Na acepção do termo, abjeto está relacionado ao conceito de informe desenvolvido pelo pensador francês Georges Bataille. A arte abjeta carrega esteticamente uma forte materialidade, apelo e referências ao corpo e suas secreções. Calcada no binômio da atração e repulsa, como tendência artística tematiza o orgânico do corpo humano e suas funções fisiológicas. A representação em imagens e temas lida com elementos passíveis de causar repulsão, aversão ou nojo e que, por razões culturais evocam no espectador, no nível do senso comum, a sensação de que não deveriam ser expostos, ou, ainda, não deveriam constituir conteúdos de investigação ou apropriação estética ou artística.

Sobre o atributo da abjeção na obra de Pape, a autora afirma que “a abjeção se dá naquilo que está além da subjetividade ou mesmo o que excede ou é expelido pelo corpo. Ou

seja, o abjeto está além do corpo, sendo-lhe alheio” (PEQUENO, 2016, p. 154). Nesse sentido, o abjeto na produção artística deve ser entendido no contexto de manifestações da arte praticada na ditadura militar com a conotação política que lhe é devida. Neste aspecto, constitui diversas propostas como uma estratégia crítica aplicada por artistas para driblar ou enfrentar a realidade da época. No trabalho da artista, o corpo passa a ser, então, o motor de sua criação e repercute em O Ovo (1968), Roda dos Prazeres (1967), Divisor (1968), Eat Me (1975) em sua segunda versão, e Objeto de Sedução (1976) com objetivo de possibilitar maior interação do público com a obra, tornando a arte uma experiência da qual as pessoas pudessem participar.

Outra imagem instigante de Lygia Pape, intitulada Poemas visuais: Língua apunhalada (1968) coloca em evidência o teor da discursividade do movimento feminista e da censura instaurada no Brasil durante o regime ditatorial militar (1964-1985). O uso da linguagem fotográfica, neste exercício de auto representação, fornece subsídios para considerá-la uma performance que explicita seu caráter de denúncia social. Mostrando a língua com sangue decorrente de um corte transversal na mucosa, a composição da imagem em preto e branco do rosto da artista é capaz de evocar diversos elementos de referência. Desse modo, pode abordar determinadas práticas envolvendo discursos e narrativas sob as óticas feministas. Expondo visualmente um momento em que a repressão oprimia o direito de fala das mulheres, a fotografia poderia ser, atualmente, lida como uma selfie. Nesse sentido, seria capaz de traduzir a perspectiva do cerceamento e do silenciamento à voz da mulher com a utilização da censura pela dor e opressão, traduzida como violência de gênero.

Lygia Pape, Poemas visuais | Língua apunhalada (1968) Disponível em http://www.lygiapape.org.br/pt/obra60.php?i=11

Em @ex_miss_febem, Aleta Valente performatiza imagem semelhante à Eat Me, com a fotografia intitulada Sexy with herpes. Nesta imagem, a boca entreaberta mostra no lábio superior direito uma ferida, além de deixar aparecer a língua e alguns dentes. Realizada em outra época, porém, não menos provocativa e reflexiva, a fotografia apresenta a boca feminina evidenciando os lábios carnudos. No sentido da subjetividade latente na imagem percebemos a boca como um vetor potencialmente apto à exposição pública do pensamento, da voz, da palavra, da opinião. Concebemos que a boca é o veículo, o meio, a mídia por onde são evocadas as palavras, as vozes que dão conta de expressar alguma realidade, seja sobre a qual se fala ou sobre a qual se é impedida de falar. Assim, operando como estratégias de ação sobre o modo de conformação do social, os seus efeitos psíquicos residiriam no ato de deixá- las falar por meio da imagem fotográfica, a fim de compreender, principalmente, sua condição de imagens que falam a partir de – e sobre – suas ideias, opiniões e pensamentos.

Ainda sobre as fotografias, levando em conta as representações com a carga de contradições e paradoxos na qual atuam, podemos inferir que são um tipo de imagem atemporal que demanda sua própria necessidade de continuidade, de reprodutibilidade como um signo. O padrão das composições conduz ao desejo de debatê-las, o que reside na sua própria natureza de expressão a partir desse lugar de fala situado na linguagem fotográfica intensamente radicada na prática artística. As imagens poderiam ser apreendidas em múltiplas potências de poder, além da capacidade de evidenciar discursos que falam das experiências. Na utilização do corpo da mulher, o próprio corpo da artista constitui-se como grito de afirmação e reivindicação, presente em períodos históricos marcados por intensos embates sociais e políticos.

Sexy with herpes, @ex_miss_febem, 2015-2017

A similaridade das fotografias evidenciadas nos trabalhos das artistas em diferentes épocas sugere que podem sublimar mensagens específicas. O enquadramento da boca emoldurada por lábios em destaque aproximam o espectador de um detalhe expressivo do corpo que pode potencializar e reproduzir discursos, por aproximação ou oposição, além de gerar outras narrativas. Estariam, também, a verbalizar o prazer ou a dor mobilizando discussões sociais importantes por meio das imagens fotográficas.

Em seu Manifesto Ciborgue, publicado em 1985, a bióloga e filósofa norte- americana Donna Haraway sentenciava que “a tecnologia não é neutra. Estamos dentro daquilo que fazemos e aquilo que fazemos está dentro de nós. Vivemos em um mundo de conexões – e é importante saber quem é que é feito e desfeito”. No manifesto, a autora utiliza a figura do ciborgue como forma de reivindicação política da tecnologia no contexto histórico marcado pela conjugação da ciência, da tecnologia e da informação. A visão desse momento estaria centrada numa espécie de hibridismo onde as tecnociências passam a imprimir dimensões essenciais da vida humana alterando o status de tempo e espaço tradicionais. O tempo, cronológico, e o espaço, virtual, produziriam um novo meio com ritmos e hábitos próprios. Seguindo o pensamento da autora poderíamos, então, afirmar que nossos corpos conteriam anexos tecnológicos, nossas mentes seriam um repositório de informações, arquivos e dados repletos de significados que julgaríamos plausíveis e concretos.

A partir do advento da internet, em meados de 1990, e das redes sociais com proliferação massiva a partir de 2004, observa-se a ocorrência de uma complexa

transformação nos modos de ver, conviver e expressar, impulsionada pela atividade tecnológica digital e da web. É preciso considerar que no campo de estudo da arte e internet com a intercessão entre questões feministas, há certo vazio teórico e metodológico na abordagem deste processo de caráter específico e recente.

O ambiente on-line interfere na apreensão das propostas, o que abre caminhos para tecer estudos de ordem sistêmica entre conteúdo e contexto. Essa afirmação é decorrente da observação de fatores circunscritos aos estudos no campo da história da arte, abrangendo debates que buscam analisar o sistema da arte com suas peculiaridades e idiossincrasias. Neste campo, para se construir análises válidas, é necessário conjugar aos estudos de mídia, comunicação, cultura visual, tecnologias digitais, psicologia e feminismos.

Para tentar elucidar a especificidade de algumas questões, a investigação das séries fotográficas a seguir tem por objetivo tornar possível ampla reflexão sobre a atuação e a presença de mulheres artistas no trânsito tecnológico intensamente propiciado na contemporaneidade. As artistas apropriam-se das linguagens das mídias na rede conectada que entra em pauta como plataforma e conteúdo na tematização de suas práticas. Desenvolvendo ações que se desdobram com elementos da cibercultura, os trabalhos em estudo utilizam-se da produção e compartilhamento na forma de post, linguagem característica das publicações realizadas nas redes sociais.

A arte contemporânea, sobretudo as práticas do século XXI, reintroduzem as imagens e os escritos sobre o corpo no campo dos estudos visuais. Com tal pressuposto, indaga-se: quais seriam os atributos das narrativas artísticas desenvolvidas, especificamente, com imagens e escritos referenciando o corpo da mulher no âmbito das redes sociais virtuais? E, ainda, considerando a dimensão que tais imagens veiculadas na condição de ato pós- fotográfico assumem na situação contemporânea impregnada pelos movimentos on-line, poderíamos nomear ou categorizar as propostas apresentadas como uma espécie de arte feminista ou, ainda, de arte ciberfeminista?

A nova luta das mulheres envolve desafiar a sua força da modelagem sistemática, sejam nas leituras midiatizadas e distorcidas de nós mesmas, de nossos corpos e desejos, ou através da crise das jovens meninas. Como a tomada de microfone que a crise causa, e que demonstra coragem, princípio da mudança. (WELLS, in MAYER, 2017, p.45)

Para abordar a complexidade do cenário, portanto, a fim de realizar um percurso de pesquisa pertinente à natureza do objeto investigado, seguimos os rastros das artistas na web. Por meio da seleção de propostas no Facebook, Instagram e no blog destacam-se os trabalhos

publicados no período entre 2011 e 2019. As publicações analisadas a seguir têm foco nas imagens do corpo junto a legendas, hashtags e textos indicando a presença da linguagem literária. A fim de mapear aspectos desse território, vejamos a série de trabalhos da artista carioca Aleta Valente que causou alvoroço nas redes sociais com sua polêmica @ex_miss_febem, perfil que esteve on-line entre 2015 e 2017.

How to build a Christma’s tree, Aleta Valente, 2015-2017

Ao observar as imagens escolhidas para o estudo, a intenção é perguntar o que este corpo na imagem está representando, e encontrar o que pode existir de performativo para apreender suas mensagens. Num primeiro olhar sobre o conjunto de trabalho, o que se percebe é uma série de imagens fotográficas que poderiam denotar sensualidade, erotismo, nudez.

My Economic Body, Aleta Valente, 2015-2017

Disponível em http://hotsta.org/tag/aletavalente

Neste sentido, é essencial perguntar o que é que esta profusão de imagens estaria reproduzindo ou performatizando. Conforme Santaella (2004, p.128), “o corpo que exorbita é o corpo especular das imagens das mídias; o corpo que prolifera na multiplicação desmesurada de imagens fotográficas e nos desdobramentos virtuais favorecidos pelas novas tecnologias”.

Na condição desse tipo de retrato como uma fotografia adaptada à nossa vida on-line, a prática da selfie inscreve-se no conceito de pós-fotográfico já defendido por Joan Fontcuberta. Do ponto de vista estético, o especialista afirma que o autorretrato como gênero situa a selfie num patamar específico de interpretação poética. Segundo o autor, “a câmera desgruda do olho, afasta-se do sujeito que a controlava e, à distância de um braço estendido, volta-se para fotografar justamente este sujeito” (FONTCUBERTA; PARR, 2016, documento eletrônico).

Aleta Valente, @ex_miss_febem, 2015-2017 Disponível em https://www.select.art.br/fluxos-fixos-e-fluidos/

Na imagem, o registro dá o close na bunda em primeiro plano e impõe-se como referência para a totalidade do quadro fotografado com a inscrição Made in Bangu na nádega, à semelhança de uma tatuagem. É somente após correr os olhos pelo restante da imagem que percebemos a vista do rosto como que a sugerir a presença de alguém que admira e expõe o próprio corpo ou que espia o espectador, num giro performático para a captura da câmera.

Bangu, um dos bairros mais populosos do Rio de Janeiro, quente e distante do mar, constitui uma referência para Aleta. Sede do complexo penitenciário criado em 1987 para receber bandidos dos mais diversos níveis, o local também abrigou, de 1889 a 2005, a importante Fábrica de Tecidos Bangu onde sua avó trabalhou como operária. Apesar de um decreto que desmembrou de Bangu a área do presídio (atual Complexo Penitenciário de Gericinó) e de um lixão, a alcunha de bairro de presidiário permaneceu, sendo chamado de Bangu 1, Bangu 2, Bangu 3. Em função disso, a artista precisou conviver com piadas de todo o tipo, conforme uma declaração postada em uma de suas primeiras histórias do Instagram, e reproduzido em matéria da Revista Select (2018): “Cresci em Bangu, circulando pela cidade, e a galera sempre perguntando se em Bangu eu estava na condicional, se o meu regime era semi-aberto, gatinho perguntando se podia fazer visita íntima, o caralho!”, desabafou Aleta.

O aspecto da representação da nudez por meio da linguagem fotográfica tem como principal reflexão a visão do binarismo entre erotismo ou sensualidade versus a pornografia. Com @ex_miss_febem entram em cena, não somente imagens do rosto entendido como autorretrato, mas também imagens de outras partes do corpo e também do corpo nu. A respeito dos estudos sobre o fenômeno do ‘eu’ como um ‘show’, a pesquisadora Paula Sibilia

declara que, a partir do início do século XXI, a quantidade e variedade de uma nova leva de ativistas da nudez crescem consideravelmente. Para Sibilia (2008), é nas últimas décadas, entretanto, que observamos a ampliação dos limites do que se considera válido mostrar no espaço público, principalmente, com relação à sexualidade e, especialmente, à nudez dos corpos femininos.

Cabe enfatizar que, na cibercultura, a selfie converte-se em um padrão de autorretrato produzido de forma recorrente e massiva entre milhares de usuários que postam suas imagens diariamente. O fazer fotográfico está impulsionado pelo fácil acesso às câmeras instaladas nos dispositivos portáteis para ser compartilhado nas plataformas virtuais de interação. Nesse sentido, Sibilia e Diogo (2011, p.133) ressaltam que, ultrapassando os mais antigos artefatos analógicos, “[...] essa tecnologia reina quase absolutamente nesses territórios; e, com ela, vão se tornando habituais novas formas de captar, armazenar e exibir fotografias íntimas, enquanto costumes mais velhos vão sendo deixados para trás”. Desse modo, a materialidade dos dispositivos embutidos nos equipamentos digitais ou portáteis facilita a definição da tipologia das imagens devido à proximidade do equipamento fotográfico junto ao corpo de quem registra a foto. Como uma ‘moda’, as selfies representam uma quantidade significativa