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Lembrar ou esquecer?

No documento Manual de psicologia evolucionista (páginas 138-143)

Armazenar todas as informações derivadas das nossas experiências ou da introspecção é um processo adaptativo? Se fizermos esta mesma pergunta a uma pessoa que sofre de trans- tornos de aprendizagem decorrentes do avanço de uma doen- ça neurodegenerativa, a resposta será um sim com veemência. Podemos até mesmo utilizar outro exemplo menos drástico, como uma pessoa que ao longo da vida vai vagarosamente dimi- nuindo a sua capacidade de armazenar memórias como fazia na juventude. A resposta seria a mesma, pois uma grande parcela das pessoas acha que seria benéfico possuir uma capacidade mnemônica máxima.

Porém, necessitamos analisar a questão levantada de um ponto de vista mais amplo. Se realmente fosse possível lembrar todas as experiências e pensamentos que ocorrem durante a nossa vida necessitaríamos do mesmo tempo para recordar estes eventos, ou seja, devido a impossibilidade de vivermos uma nova vida para lembrar de “tudo” o que armazenamos, as

nossas lembranças estariam perdidas em algum lugar no nosso cérebro, fadadas ao iminente desaparecimento. Colocando de maneira mais prática, o armazenamento de qualquer informa- ção somente será útil se for imprescindível recordar no futuro, caso contrário nunca terá serventia alguma, inclusive nunca será possível ter certeza que tal informação foi de fato proces- sada e armazenada.

Até agora tratamos sobre a possibilidade ou não de lem - bramos de todos os acontecimentos da nossa vida. Contudo, é importante discutirmos casos mais próximos da realidade como o de pessoas comuns e sem nenhum tipo de distúrbio de aprendizado que passam a lembrar de alguns momentos doloro- sos e traumáticos da sua vida. Esta memória parece não querer ir embora, sendo evocada cada vez que algo remeter àquela lembrança. Este distúrbio é conhecido como Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) e está associado a uma situação experimentada pelo indivíduo acometido (Ettedgui & Bridges, 1985). Todos estes exemplos nos remetem à mesma conclusão: nós não podemos e não devemos lembrar de todas as nossas experiências, inclusive existem algumas que devemos esquecer.

O esquecimento passivo ou simplesmente esquecimento é um conceito que tenta explicar a forma pela qual o nosso cére- bro consegue balancear o que vai ser armazenado e o que vai ser apagado. De fato, o nosso cérebro funciona com uma certa limitação no processamento de informação. Existem informa- ções que são processadas pelo nosso cérebro e dependem de atenção, envolvimento de áreas associadas a emoção e tomada de decisão para depois ser filtrada e armazenada (McFarlane & Humphreys, 2012; McIntyre et al., 2012). Algumas destas memó- rias não chegam a ser armazenadas e logo são descartadas, outras passam pelo processamento e são armazenadas para

serem utilizadas no futuro. Contudo, o que acontece com toda a informação que está disponível neste mesmo momento que estamos adquirindo esta memória? Como por exemplo a cor da parede da sala onde estamos localizados, ou até mesmo a cor do vestido da médica com quem estamos conversando? Todas estas informações são perdidas, pois não são as mais impor- tantes, nem tampouco constituem o motivo central da nossa visita naquela sala. De uma forma brilhante o nosso cérebro bloqueia toda a informação irrelevante para que consiga arma- zenar somente aquilo que será útil no futuro (Kim & Cabeza, 2007), como por exemplo, uma doença grave de algum fami- liar próximo, ou até mesmo detalhes sobre um exame que será realizado a seguir.

Então, muito do que vivenciamos é ignorado já no prin- cípio, outros dados são esquecidos depois de alguns segundos ou minutos. Porém, isso não acontece de maneira aleatória, pois o que é armazenado em grande parte vai ser utilizado em benefício do indivíduo. Mas, e quando informações prejudiciais são armazenadas de maneira errônea? Para solucionar este problema o nosso cérebro nos permite atualizar ou suprimir estas memórias (Marsh & Kulkofsky, 2015). Tudo faz parte de um processo adaptativo onde o principal fator é quanta atenção e emoção nós colocamos em jogo quando estamos aprendendo.

O objetivo deste capítulo foi ampliar o conhecimento a respeito das bases biológicas do comportamento, para que no final pudéssemos relacionar as alterações morfológicas que surgiram com a diversidade de comportamentos complexos associados à evolução da nossa espécie. Ainda, aprofundamos a discussão sobre a cognição humana, com ênfase no aprendiza- do e na memória, pois de fato a capacidade de reter experiências

para utilizar no futuro foi uma das adaptações mais importan- tes que surgiram ao longo da evolução.

Conclusão

As pressões ambientais como sobrevivência e reprodução levaram ao desenvolvimento de uma estrutura única e notá- vel, o cérebro. Essa pressão adaptativa permitiu o surgimento de funções cognitivas complexas que guiam comportamentos específicos de ampla abrangência. Dentre essas funções cogni- tivas, a memória se destaca como um sistema altamente eficaz, que fornece ao organismo a capacidade de reter e reformular informações essenciais para os ajustes comportamentais. Além disso, a alta capacidade que o sistema nervoso possui de se ajus- tar às pressões internas e externas fornece ao nosso cérebro o arcabouço ideal para exercer o comando sobre o comporta- mento e sofrer o ajuste ideal por parte deste.

Questões para discussão

1. Qual é a relação entre o sistema nervoso e comportamento? 2. Exemplifique, através de um comportamento, como as

diversas partes anatômicas e funcionais do sistema nervo- so trabalham de forma integrada.

3. Diferencie comportamentos motivados regulatórios e não-regulatórios.

4. Qual a relação da atenção com o aprendizado?Necessi- tamos recordar tudo o que vivenciamos? Justifique.

1.5

Mal-entendidos

No documento Manual de psicologia evolucionista (páginas 138-143)