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Maria Emília Yamamoto A Psicologia Evolucionista tem alcançado grande reper-

No documento Manual de psicologia evolucionista (páginas 30-36)

cussão na mídia e suas propostas são consideradas inovado- ras pela abordagem evolutiva ao comportamento e à mente humana. No entanto, é o próprio Darwin quem, ao propor a teoria da evolução abre a possibilidade da inclusão dos huma- nos dentro dessa moldura teórica através de dois de seus livros: “A Origem das Espécies” (1859/2009) e “A Expressão das Emoções

no Homem e nos Animais” (1872/2009). No primeiro, ele propõe

a teoria da evolução através da seleção natural, que parte do pressuposto que há uma continuidade entre todos os seres

vivos por origem comum, os humanos aí incluídos1. Isto já havia

sido proposto por Aristóteles com sua Scala Naturae; porém, esta via a evolução como uma escada, com o ser humano em seu topo. O grande mérito de Darwin foi descartar a linearidade, o progresso e o antropocentrismo, e propor uma estrutu- ra ramificada, a árvore da vida, nascida de uma única raiz, evoluindo e diversificando-se em inúmeros ramos evolutivos.

O segundo livro, “A Expressão das Emoções no Homem

e nos Animais”, abriu as portas para o estudo dos humanos e de

sua psicologia do ponto de vista evolutivo. Este foi o terceiro e último de uma série de livros com os quais Darwin preten- dia dar sustentação à teoria da evolução, proposta na Origem. Nas Emoções, Darwin demonstra que os animais têm emoções e descreve como eles as demonstram. O último terço do livro é dedicado às emoções humanas. Darwin defende que a mani- festação de boa parte das emoções não é aprendida, mas que foi gradualmente alcançada ao longo das gerações. Considera que essas expressões têm sua origem em ancestrais, em alguns casos comuns a outras espécies, o que se evidencia pela seme- lhança com que elas se expressam (por exemplo, a fúria em cães, macacos e humanos, pela exibição dos caninos) e pela sua universalidade. Este livro pode ser considerado como o precursor do estudo das bases biológicas do comportamento

1 Darwin desenvolveu a teoria da seleção natural sem qualquer conhe- cimento das leis mendelianas da genética, o que torna o seu feito ainda mais notável. Rose (1998) relata que após a morte de Darwin foi encontrado, entre seus papéis, uma correspondência com a cópia do trabalho de Mendel com ervilhas, ainda por abrir. Fica a cargo de nossa imaginação o que poderia advir deste encontro de idéias.

ao relacionar as expressões e as emoções subjacentes com reações fisiológicas que as acompanham.

Após a morte de Darwin, em 1882, a teoria da evolução caiu em esquecimento e só foi renascer com a Síntese Moderna, incorporando a genética Mendeliana, na primeira meta- de do século XX. Porém, junto a esse renascimento houve a infeliz associação entre a teoria da evolução e o darwinis- mo social, pensamento desenvolvido a partir das idéias de Herbert Spencer, que defendia a tese da sobrevivência do mais apto, aplicada às instituições sociais, uma grosseira distor- ção das idéias de Darwin (para um exemplo mais detalha- do dos mal-entendidos, ver cap. 1.5 deste livro). Associado ao uso das ideias evolucionistas na explicação da evolução das sociedades humanas surge outra utilização equivocada dos princípio darwinistas, que é a associação entre evolução e progresso2. Esta linha de raciocínio supõe que evolução cami-

nha no sentido do aperfeiçoamento das espécies, começando nas mais simples, que em termos mentais só possuiriam refle- xos, até seu ápice, o ser humano. Haveria, portanto, espécies

2 A palavra evolução no sentido biológico não tem o sentido de progres- so. A evolução biológica consiste na mudança das características hereditárias de grupos de organismos ao longo das gerações, atra- vés de processos não-direcionados, o mais importante deles sendo a seleção natural. Um organismo melhor adaptado é aquele que melhor responde às pressões seletivas apresentadas pelo meio em que vive, e nesse sentido, não há organismos ou indivíduos intrinse- camente melhores ou piores. A adaptação é fortemente dependente do meio e um indivíduo bem adaptado em um ambiente pode se mostrar totalmente inadequado em termos de sobrevivência e reprodução em outro.

“melhores” ou “mais evoluídas” do que outras. Spencer defen- dia também que as sociedades humanas se tornavam cada vez mais desenvolvidas, e os europeus estariam muito à frente, portanto, das populações consideradas primitivas. Daí decor- reu a idéia de que as sociedades humanas não eram iguais, e que “raças” associadas às sociedades específicas também teriam atingido patamares evolutivos diferentes, argumento sem qualquer base científica. No entanto, a despeito dessas discussões não se basearem naquilo que Darwin havia propos- to, estas ideias marcaram negativamente a teoria da evolução, principalmente em suas tentativas de aplicação ao comporta- mento humano, culminando com o “debate da sociobiologia” que discutiremos abaixo. Explicações biológicas ou sociais/ culturais têm sido favorecidas ao longo do século e meio desde a publicação da Origem das Espécies, revezando-se na preferên- cia acadêmica e popular (Laland & Brown, 2011 e cap. 5.5 deste livro). A preferência por um ou outro tipo de explicação pare- ce estar mais ligada a questões políticas do que propriamente científicas. Voltaremos a este ponto posteriormente.

Uma área de pesquisa de abordagem evolutiva surgiu na Europa mais recentemente, nos meados do século XX, a Etologia. Embora algumas propostas sobre o estudo do comportamento animal estivessem presentes desde o início do século, pode- -se considerar que a Etologia emerge, de fato, como uma área independente de conhecimento a partir do esforço conjunto de Nikolaas Tinbergen, Konrad Lorenz e Karl von Frish. A proposta metodológica apresentada por estes três etólogos incluía um período extenso de observação do comportamento de indiví- duos da espécie em estudo, preferencialmente em seu ambiente natural, a descrição cuidadosa dos padrões de comportamento

específicos da espécie, e a comparação com padrões de compor- tamento em outras espécies.

No mesmo período em que a Etologia surgiu na Europa, ganhou evidência nos Estados Unidos a proposta de estudo do comportamento animal do ponto de vista da Psicologia, a Psicologia Comparada. Esta área, até mesmo em função de sua origem na Psicologia, interessava-se muito mais pelas infor- mações que os estudos com animais não-humanos pudessem fornecer sobre o comportamento humano, e focava suas inves- tigações principalmente na aprendizagem e em um número restrito de espécies. Os pontos de vista opostos geraram uma batalha constante entre as duas áreas, embora hoje em dia elas possam ser consideradas como complementares (para uma discussão mais aprofundada desta questão ver Yamamoto, 2011). Em função desta batalha constante com os psicólogos, os etólogos enfatizavam muito as características fixas do compor- tamento e as semelhanças entre indivíduos da mesma espé- cie, negligenciando as variações individuais, pedra de toque da perspectiva evolucionista. Não surpreende, dada a ênfase, o erro de pensar a seleção natural como um mecanismo que opera para o bem da espécie, e não do indivíduo.

Por outro lado, a Etologia fez importantes contribuições para a compreensão do comportamento de várias espécies, inclusive os humanos, como a idéia de que a aprendizagem é uma habilidade evoluída, e principalmente que o desenvolvimento de um indivíduo não é pré-determinado, é plástico e flexível, mas sofre limitações, na forma de predisposições biológicas. Uma das contribuições mais notáveis foi a proposta das quatro questões no estudo do comportamento, de Tinbergen (1963), que até hoje constituem uma referência na área. Em resposta à divergência sobre que tipo de explicação sobre o comportamento era mais

adequada, Tinbergen propôs quatro questões complementares que deveriam ser respondidas para um completo entendimento da determinação do comportamento: a. quais são os mecanis- mos imediatos que desencadeiam e regulam o comportamento; b. como o comportamento se desenvolve durante a ontogê- nese do indivíduo; c. qual o seu valor adaptativo; d. como ele evoluiu ou qual sua história filogenética. As duas primeiras são também chamadas de questões próximas, pois dizem respeito aos determinantes localizados no ambiente interno e externo do indivíduo. As duas últimas são chamadas de questões distais, no sentido de que procuram por determinantes evolutivos. Poderíamos dizer que as questões próximas são questões do tipo “como” e as finais do tipo “por que”.

Em 1972, o reconhecimento desta área aconteceu de forma espetacular com a outorga do Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina a Tinbergen, Lorenz e Karl von Frisch. Se por um lado o prêmio refletiu o otimismo em relação ao potencial da área para explicar o comportamento humano, por outro lado havia um clima desfavorável para explicações biológicas do comportamento humano, face à situação pós-guerra. Isto se fazia notar especialmente quando eram tentadas extrapolações do comportamento animal para o humano e as críticas surgi- ram de forma mais contundente ao livro On Aggression (Lorenz, 1966/2002) e, principalmente, Sociobiology: The New Synthesis (Wilson, 1975). A controvérsia inspirada pela publicação deste último livro foi tão grande que vamos nos ocupar especifica- mente dela na próxima seção.

A agenda moral-cum-científica

No documento Manual de psicologia evolucionista (páginas 30-36)