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A visão clássica de modularidade proposta por Fodor A concepção clássica da modularidade mental, no âmbito

No documento Manual de psicologia evolucionista (páginas 101-105)

da Psicologia, foi apresentada por Jerry Fodor, em 1983, em seu livro “Modularity of Mind” (Modularidade da mente). Ele propu- nha uma arquitetura mental que não se referia a estruturas físicas estritas, mas indicava um modelo teórico de organização hierárquica composto por três sistemas e que funcionariam sequencialmente. No nível mais básico, operariam os chama- dos transdutores, ligados aos sentidos, responsáveis por captar a informação ambiental e que dariam início ao processamento informacional dos inputs externos. Em um nível intermediário operariam os módulos a partir do material recebido pelos trans- dutores. O nível mais elaborado da organização cognitiva seria identificado como um processador central, ou a parte cogniti- vamente inteligente do sistema. As informações processadas nesse nível estariam integradas e acessíveis à consciência. As propriedades do processador central garantiriam o caráter holista e analógico da mente humana. Como se vê, a posição de Fodor seria de modularidade restrita às partes periféricas da mente. No que se refere a habilidades complexas, como por exemplo, a capacidade inferencial, ele supunha a existência de um mecanismo geral.

De acordo com essa visão clássica, os módulos seriam entendidos como órgãos mentais e funcionariam de maneira independente uns dos outros e com modos de ação específicos.

Apresentariam funcionamento automático e seriam indepen- dentes do processador central, no sentido de que não seriam controlados por ele. Essa independência lhes conferiria grande velocidade para processar os inputs sensoriais com razoável grau de eficiência. A ativação da informação no nível modular seria rápida, obrigatória ou automática, especificada, completamente independente da informação processada pelos demais módu- los, e não passaria por um plano consciente. Além de inatos, os módulos seriam pouco influenciados por aspectos contextuais. Não se comunicariam entre si e assim a informação sensorial de cada módulo ficaria encapsulada e não seria influenciada por nenhuma outra parte do sistema. A modularidade de Fodor limita-se à região cerebral periférica que se interconecta com o ambiente. O cérebro não seria inteiramente modular e isso marcaria uma diferença em relação aos psicólogos evolucionis- tas que buscam explicar o funcionamento mental a partir de uma tese de modularidade maciça (Ades, 2009). Embora Fodor defenda a modularidade para importantes aspectos da percep- ção, da linguagem e do controle motor, no capítulo final de seu livro “Modularidade da mente” afirma que capacidades cogni- tivas como raciocínio, inferência e crenças não são modulares. Segundo este autor, módulos não se aplicariam à mente humana como um todo, mas ficariam restritos a apenas uma parte dela. Sperber (1994) ironiza a modularidade de Fodor visto não abran- ger a mente, mas apenas sua parte periférica e ainda aponta que o título do livro “Modularidade da Mente” embute um paradoxo.

Não obstante a contribuição que a visão de Fodor trouxe para o debate sobre a compreensão do funcionamento mental, quando nos baseamos em algumas de suas características nos vemos enredados em problemas conceituais. A completa inde- pendência entre os módulos, a suposição de as operações dos

mesmos não serem dadas à consciência e a especificidade serão examinados sucintamente a seguir.

1) Considerando o aspecto da independência, se um módulo em um sistema complexo sofrer interferência de outro não poderíamos considerá-lo inteiramente modular. Se apli- cássemos essa definição para as adaptações do processo evolu- tivo, qualquer processo mental que interferisse em outro não poderia ser considerado modular. E forçosamente teríamos que concluir que nem na biologia e nem na psicologia haveria processos decorrentes da evolução que pudessem ser conside- rados modulares. Porém, diversas habilidades como parece ser o caso do julgamento moral e da tomada de decisão incluem adaptações que são interativas, sensíveis aos contextos e sofrem interferências de diversos processos mentais. A ser verdade o princípio da independência para caracterizar um módulo, nossa mente então não poderia ser considerada modular de forma alguma. A conclusão de que cada operação mental não interfere em outra, que os módulos operam sem que haja qual- quer interação com os demais, decorre logicamente da premissa de independência e pode até fazer sentido teórico, não fosse o fato de que isso não está em correspondência com as evidências trazidas por estudos empíricos. Considerar que módulos não se comunicam parece não encontrar respaldo nos princípios da seleção natural, fortemente marcada pela capacidade de intera- ção junto aos diferentes contextos, o que acarreta modificações. 2) Módulos não são dados à consciência – Há uma tradi- ção, na qual se insere a visão modular de Fodor, de considerar aspectos inconscientes como se fossem “instintos” ou “módu- los automáticos” da evolução ou mesmo “programas automáti- cos” regidos pelos genes e de natureza inflexível. Já os aspectos conscientes estariam trabalhando sob o domínio da razão,

caracterizados pela flexibilidade, e teriam processamento de propósito geral. Contudo, essa maneira de dicotomizar a mente não se justifica, em virtude de os processos interativos, flexíveis, aprendidos também serem produto da seleção natural (Barrett, 2015). Não há razão para excluí-los do processo evolutivo sem razão aparente. E a mente como um todo - com seus processos conscientes e inconscientes - é que foi resultante da evolução. O paradigma de considerar aspectos inconscientes como sendo modulares e os conscientes como de propósito geral consti- tui um erro de origem, pois exclui do processo evolutivo uma parcela considerável da cognição. É notório que Fodor postu- lava a modularidade apenas para uma parte da mente, e isso representou um problema para o qual ele não apresentou uma boa resposta, o de não ser possível integrar sua posição com a seleção natural. O processo evolucionista parece ser o mesmo para programas complexos ou mais simples: uma contínua adaptação, de modo a favorecer a sobrevivência ao longo das gerações (Candiotto, 2010).

3) Historicamente, a especificidade de processamento de um módulo foi associada a um significado contrário ao de plasti- cidade. Porém, especificidade e plasticidade não são antônimas. As pesquisas empíricas indicam que o cérebro tanto apresenta um alto grau de especialização funcional quanto se caracteri- za por uma enorme plasticidade. Ambas são traços do nosso cérebro e foram selecionadas no processo evolutivo. O elevado grau de plasticidade está presente em um sistema complexo composto por partes interativas, como é o cérebro. Tomando o exemplo da computação, pode-se dizer que a flexibilidade de aparatos computacionais resulta da adição e não da remoção de dispositivos funcionalmente especializados (Barrett, 2015). E isso é compatível com a ideia de a cognição ter evoluído

através das gerações de descendentes, sendo modificada e tendo se especializado em muitos aspectos, conferindo a complexida- de atual de nossos cérebros.

Modularidade para a biologia: uma aproximação

No documento Manual de psicologia evolucionista (páginas 101-105)