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Acho que liberar o porte de arma seria um perigo, pois haveria muita gente inocente morrendo Ou, até mesmo, qualquer discussão ou desentendimento seria

TEXTO: DIÁLOGO

B: Acho que liberar o porte de arma seria um perigo, pois haveria muita gente inocente morrendo Ou, até mesmo, qualquer discussão ou desentendimento seria

motivo para puxar a arma e resolvê-lo. Assim, acredito que o número de mortes aumentaria.

Fonte: Elaborado pelas autoras desta dissertação.

Percebemos, nos excertos do Quadro 3, que a opinião do falante B, no primeiro caso, a respeito da permissão do porte de arma aos cidadãos é diferente do segundo. Isso porque, por meio da expressão “a solução”, deduzimos seu posicionamento favorável, ao passo que, no segundo, a expressão “um perigo” remete a uma posição contrária. No entanto, ambos remetem ao mesmo referente – permissão ao porte de arma. Essa e outras questões relacionadas à progressão referencial, como as estratégias possíveis para promovê-la, abordamos na seção seguinte.

2.1.2.1 Progressão referencial

A progressão referencial, conforme Koch e Elias (2017b, p. 123, grifo das autoras) é responsável pela retomada dos referentes e, também, pela introdução de novos, ou seja, pela “construção e reconstrução de objetos de discurso”. Para isso, as autoras apresentam três estratégias de referenciação:

Quadro 4 – Estratégias de referenciação

ESTRATÉGIA DEFINIÇÃO

Introdução (construção)

Um “objeto” até então não mencionado é introduzido no texto, de modo que a expressão linguística que o representa é posta em foco, ficando esse “objeto” saliente no modelo textual. (p. 125)

Retomada

(manutenção) Um “objeto” já presente no texto é reativado por meio de uma forma referencial, de modo que o objeto de discurso permaneça em foco. (p. 125)

Desfocalização

Um novo objeto de discurso é introduzido, passando a ocupar a posição focal. O objeto retirado de foco, contudo, permanece em estado de ativação parcial, ou seja, ele continua disponível para utilização imediata sempre que necessário. (p. 126)

Fonte: Adaptado pelas autoras desta dissertação a partir de Koch e Elias (2017b, p. 125-126).

Posto isso, apresentamos de que maneira tais estratégias podem aparecer na produção textual. Em vista disso, utilizamos, para fins de exemplificação, um excerto retirado de uma obra de Koch e Elias (2017c, p. 132):

Quadro 5 – Exemplo de ocorrência das estratégias de introdução, retomada e desfocalização de referentes

Alta-costura

Carla Lamarca, 1,80 m, está de volta à televisão. Ela estava afastada das telas há dois anos, quando deixou a MTV para trabalhar em uma gravadora de rock independente em Paris e estudar marketing musical em Londres. Agora, a paulistana de 26 anos vai comandar um programa sobre moda. A atração se chama “FTV MAG” e tem estreia prevista para o fim de novembro, no Canal Fashion TV, exibido pelas operadoras pagas Sky e Net20.

Fonte: Koch e Elias (2017c, p. 132).

Nesse texto, o referente “Carla Lamarca”, até então desconhecido para o leitor, foi introduzido no texto pela primeira vez, caracterizando a estratégia de introdução apresentada no Quadro 4. Uma vez mencionado, esse referente, mais adiante, é retomado, com o propósito de mantê-lo em evidência, por meio do pronome “ela” e da expressão “a paulistana de 26 anos”. Tais recursos de retomada promovem a progressão textual, bem como evitam a repetição do substantivo próprio “Carla Lamarca”. Esses elementos, portanto, caracterizam a segunda estratégia do Quadro 4, denominada de retomada. Por fim, a terceira estratégia desfocalização – surge quando o referente inicial deixa de ser o tema principal. No texto,

20 Fonte: BERGAMO, Mônica. Alta-costura. Folha de S. Paulo, 3 nov. 2008. In: KOCH, Ingedore Grunfeld

Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e escrever: estratégias de produção textual. São Paulo: Contexto, 2017c. p. 132.

podemos observar tal ocorrência com a presença da expressão “a atração”, a qual faz referência, agora, ao “programa sobre moda” que passa a ser o foco principal do texto.

De acordo com Marcuschi e Koch (2015), ao se falar em progressão referencial, é importante e necessário que se faça a distinção entre os termos: referir, remeter e retomar. Isso porque, muitas vezes, eles são vistos como sinônimos. No entanto, ainda conforme os autores, além de corresponderem a definições distintas, esses termos obedecem a uma relação de hierarquia, sendo ela: a) Retomada: abrange a remissão e a referenciação; b) Remissão: abrange a referenciação, mas não necessariamente a retomada e; c) Referenciação: não abrange a remissão nem a retomada.

A diferença entre os termos apontados pode ser melhor explicitada a partir das palavras de Marcuschi e Koch:

[...] referir é uma atividade de designação realizável com a língua sem implicar uma relação especular língua-mundo; remeter é uma atividade de processamento indicial na cotextualidade; retomar é uma atividade de continuidade de um núcleo referencial, seja numa relação de identidade ou não. Ressaltemos, mais uma vez, que a continuidade referencial não implica referentes sempre estáveis e idênticos (MARCUSCHI; KOCH, 2015, p. 353, grifos dos autores).

Posto isso, Koch (2015a) assevera que, para promover a continuidade do texto, há duas possibilidades de movimentos distintos a serem realizados: retroação e prospecção. O primeiro está relacionado ao movimento para trás, ao passo que o segundo ao movimento para frente. Ou seja, a retroação é a estratégia responsável por retomar algo já dito, enquanto a prospecção tem por função fazer referência a algo que será dito em seguida. Isso ratifica a posição de Marcuschi e Koch (2015) de que “um texto não se constrói como continuidade progressiva linear, somando elementos novos com outros já postos em etapas anteriores, como se o texto fosse processado numa soma progressiva de partes” (MARCUSCHI; KOCH, 2015, p. 353). Mas, do contrário, o processamento textual é resultado de uma constante oscilação desses dois movimentos, os quais são nomeados, respectivamente, como anáfora e catáfora. Entretanto, além desses, acrescentamos mais um movimento – o situacional – cuja interpretação depende do contexto, ou seja, da interação entre os participantes inseridos em uma situação comunicativa, bem como dos conhecimentos parcialmente partilhados por eles. Tal movimento, no entanto, é mais comum em textos orais, uma vez que os falantes estão em constante interação. Isso significa dizer que muitas informações não precisam estar explícitas linguisticamente para que ambos se entendam, diferentemente do texto escrito, no qual

escritor e leitor não compartilham o mesmo contexto. Koch (2016) apresenta tais movimento na Figura 2:

Figura 2 – Movimentos mobilizados na progressão referencial

Fonte: Adaptado pelas autoras desta dissertação a partir de Koch (2016, p. 19).

Segundo Koch (2016, p. 19), a referenciação caracteriza-se como exofórica “quando a remissão é feita a algum elemento da situação comunicativa, isto é, quando o referente está fora do texto; e é endófora quando o referente se acha expresso no próprio texto”. Com isso, percebemos que “a progressão textual se dá com base no já dito, no que será dito e no sugerido, que se codeterminam progressivamente” (KOCH, 2015a, p. 99; MARCUSCHI; KOCH, 2015, p. 353, grifos dos autores). As estratégias responsáveis pela progressão textual, por meio de introdução e/ou retomada de referentes, abordamos na sequência com maior detalhamento.

2.1.2.1.1 Estratégias de progressão referencial

A progressão referencial pode ocorrer por meio de diversas estratégias, as quais, como visto, são decorrentes de dois movimentos: anáfora e catáfora, sendo que a primeira ainda se divide em: anáfora direta – quando o referente se encontra no cotexto –, anáfora indireta – quando o referente se encontra no contexto e anáfora associativa – quando há introdução de um referente novo no texto, por meio da exploração de meronímias, ou seja, da relação entre parte e todo. A anáfora indireta corresponde ao movimento situacional, explicitado na subseção anterior, visto que o referente está fora do texto.

As anáforas indiretas, diferentemente das diretas, são caracterizadas “pelo fato de não existir no cotexto um antecedente explícito” (KOCH; ELIAS, 2017b, p. 128) e, nesse caso, cabe ao leitor/ouvinte recorrer ao contexto para buscar o referente. De acordo com Marcuschi (2016), esse é um movimento de introdução de novos referentes ao texto, e não de retomada, uma vez que não há antecedentes a serem retomados. Em vista disso, o autor caracteriza a anáfora indireta como “um processo de referenciação implícita” (MARCUSCHI, 2016, p. 53). Em contrapartida, as anáforas diretas têm a função de retomar os referentes, visto que a informação se encontra no cotexto, de forma explícita.

Assim, o produtor do texto, com o intuito de introduzir ou retomar determinados referentes, pode recorrer a elementos de ordem gramatical ou lexical, dentre os quais destacamos:

Quadro 6 – Elementos de ordens gramatical e lexical que promovem a progressão referencial

ORDEM ELEMENTOS

Gramatical pronomes; numerais; advérbios e/ou expressões adverbiais; elipse.

Lexical sinônimos; reiteração de itens lexicais; hiperônimos-hipônimos; nomes genéricos; expressões nominais; encapsulamento.

Fonte: Adaptado pelas autoras desta dissertação a partir de Koch (2016) e Koch e Elias (2017b; 2017c).

Iniciando com as estratégias de ordem gramatical, temos a pronominalização, que corresponde ao uso de pronomes, pelo produtor do texto, para retomar determinado referente. Nessa categoria, estão incluídos os pronomes pessoais de 3ª pessoa, os possessivos, os demonstrativos, os indefinidos, os interrogativos e os relativos. De acordo com Koch (2016, p. 39, grifo da autora), esses pronomes “fornecem ao leitor/ouvinte instruções de conexão a respeito do elemento de referência com o qual tal conexão deve ser estabelecida”.

Quando exercem função anafórica, tais elementos são responsáveis pela retomada e, consequentemente, manutenção do referente, ao passo que, quando catafóricos, responsabilizam-se pela introdução de um novo referente, o qual será apresentado na sequência. No entanto, nem sempre as relações entre pronome e referente são explícitas e de fácil compreensão com base no cotexto somente, uma vez que, muitas vezes, a interpretação de determinadas ocorrências só é possível a partir do contexto, conforme se observa no exemplo 3 do Quadro 7:

Quadro 7 – Exemplos de progressões anafóricas, catafóricas e situacionais Textual

Anafórico Exemplo 1

A: As crianças estão viajando. Elas só retornarão no final das