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LIDANDO COM A AMBIVALÊNCIA

Eu odeio e amo. Como eu sei que é verdade? Minha dor me diz. – CATULLUS, ca. 60 a.C.

DEFININDO AMBIVALÊNCIA E A INTOLERÂNCIA A ELA

“Ambivalência” é geralmente definida como um misto de sentimentos em relação à escolha de uma alternativa; isto é, um indivíduo que se defronta com uma escolha sente-se atraído aparentemente em direções opostas. Ambivalência também inclui a pessoa ter sentimentos mistos sobre aspectos de si mesma e dos demais, bem como reflete crenças sobre a natureza da escolha. Dessa forma, indivíduos que têm dificuldade em tolerar a ambivalência podem achar que não consguirão optar se tiverem sentimentos mistos, que precisam reunir mais informações, que sua incerteza é indesejável e intolerável e que devem esperar até que a ambivalência seja resolvida para tomar uma decisão. Se pararmos para refletir, quase todos experimentam ambivalência com frequência, mas os indivíduos com esquemas emocionais relacionados à ambivalência têm dificuldade em tolerar o misto de sentimentos.

Modelos de comportamento de escolha sugerem que as pessoas consideram as alternativas pensando e comparando os custos e os benefícios de cada uma. O pressuposto na teoria da escolha é que optar por uma alternativa envolve fazer negociações, e que “escolhas racionais” são feitas com o reconhecimento de que não existe alternativa sem um custo. Por exemplo, escolher um restaurante para jantar envolve várias negociações (preço, localização, qualidade da cozinha, ambiente). A indecisão também tem seus custos – principalmente, o “custo de oportunidade” de não aproveitar as alternativas. Por exemplo, se eu escolho colocar todo o meu dinheiro no colchão em vez de investi-lo, pago o custo de oportunidade dos juros perdidos da conta bancária ou lucros perdidos em ações. Os indivíduos intolerantes à ambivalência são frequentemente indecisos, já que acreditam que precisam tomar uma decisão que não tenha desvantagens potenciais. Como isso, em geral, é impossível, com frequência esses sujeitos vão levar um longo tempo para decidir, evitar comportamentos decorrentes do processo decisório, procurar a confirmação dos outros e buscar informações adicionais para apoiar uma decisão ou rejeitá-la.

Além disso, as escolhas são feitas em termos dos objetivos ou valores gerais. Para voltar ao exemplo do restaurante, minha escolha entre peixe ou frango é feita com o objetivo geral (superior) de satisfazer a minha fome. Na verdade, posso ser indiferente quanto ao desejo relativo de comer frango ou peixe, já que ambos satisfazem minha fome. Os indivíduos que tomam decisões se distribuem ao longo de um continuum, com aqueles que estão em um dos extremos procurando obter o melhor resultado possível (“maximizadores”), enquanto os que estão no outro extremo procuram simplesmente satisfazer um critério ou objetivo modesto (“satisfeitores”) (Simon, 1956). Os maximizadores rejeitam alternativas que não ofereçam benefícios máximos com os mais baixos custos, com frequência permanecendo indecisos, ignorando os custos de oportunidade. Por exemplo, um maximizador extremo em um

restaurante pode fazer comparações par a par por uma hora e depois não ter tempo para fazer a refeição. Os maximizadores operam com um pressuposto de que existe uma decisão perfeita a ser tomada e que eles podem coletar todas as informações e considerar todas as permutações. Os “satisfeitores” (do inglês satisficers, palavra escocesa usada pela primeira vez por Simon) estão dispostos a sacrificar a solução, reconhecendo que existem limites de tempo e de alternativas, e podem seguir em frente num mundo imperfeito com escolhas imperfeitas (Simon, 1956, 1957, 1979). Os satisfeitores são mais satisfeitos com suas escolhas (o que parece verdadeiro por definição), enquanto os maximizadores têm maior probabilidade de se arrepender de suas opções. Essa distinção na teoria da decisão é um dos componentes centrais da “racionalidade limitada” – isto é, o reconhecimento de que existem limites para a “escolha racional” onde quer que existam limites de informação e tempo (em outras palavras, sempre). Não temos uma quantidade infinita de tempo para escolher e quase nunca podemos ter todas as informações. Os satisfeitores estão dispostos a decidir com incerteza e com restrições de tempo (Kahneman & Tversky, 1984; Kahneman et al., 2006). Em contraste com a superavaliação dos maximizadores da necessidade de mais informações, os responsáveis pelas decisões no “mundo real” com frequência se baseiam em regras básicas, ou “heurísticas”, para chegar a decisões com rapidez. De fato, as heurísticas são, em geral, mais precisas do que a procura de informações adicionais (e frequentemente irrelevantes) (Gigerenzer & Selten, 2001).

Os indivíduos que têm dificuldade com a ambivalência frequentemente agem como se não houvesse considerações pragmáticas realistas ao fazer uma escolha. Sua ênfase reside em tomar uma decisão perfeita sem negociações significativas, em vez de uma decisão prática em tempo real. Um indivíduo intolerante à ambivalência é movido pelo pensamento perfeccionista dicotômico. Por exemplo, um homem que estava em um relacionamento com uma mulher reconheceu que não estava completamente feliz com alguns aspectos do comportamento dela. Isso levou ao seguinte encadeamento de pensamentos automáticos: “Existe algo nela que eu não gosto por completo”, “Se eu não estou plenamente feliz com tudo, então isso não vai dar certo”, “Outras pessoas estão completamente satisfeitas com seus relacionamentos”, “Se não funcionar com ela, eu nunca vou ter ninguém” e “Eu vou acabar sozinho”. Esse homem idealizou o que ele acreditava que os outros tinham em suas vidas, ao mesmo tempo desconsiderando as excelentes qualidades do seu relacionamento atual. Além disso, muitos indivíduos intolerantes à ambivalência correm um risco significativo de arrependimento e ruminação, já que o pensamento pós-decisão envolve comparar uma escolha a uma alternativa “perfeita”. Ao contrário daqueles que resolvem sua ambivalência depois de uma escolha reforçando essa escolha (“redução da dissonância”), os indivíduos ambivalentes redirecionam o foco para as alternativas rejeitadas ou para as alternativas futuras possíveis como muito mais desejáveis do que a escolha que foi feita. Assim, eles retardam as decisões, ruminam sobre as alternativas possíveis, solicitam confirmação, evitam situações em que devem decidir, se arrependem de decisões tomadas, desconsideram os aspectos positivos da alternativa escolhida e ruminam sobre as alternativas rejeitadas.

A intolerância à ambivalência possui semelhanças com a intolerância à incerteza (Dugas, Buhr, & Ladouceur, 2004; Sookman & Pinard, 2002). Em ambos os casos, um indivíduo quer uma alternativa perfeita ou uma previsibilidade perfeita. Além disso, está inclinado a se preocupar ou a ruminar sobre a ausência de perfeição ou certeza, acreditando que esse foco

negativo repetitivo produzirá as informações cruciais que possibilitarão uma decisão. Também em ambos os casos, o indivíduo é orientado para o arrependimento – antecipando-o e, depois que uma decisão foi tomada, sentindo-o. Semelhante ao “efeito Zeigarnik”, que caracteriza a dificuldade em abandonar uma tarefa incompleta, a intolerância à ambivalência e a intolerância à incerteza envolvem a procura do fechamento completo em vez do caráter incompleto que quase todas as escolhas implicam.

A intolerância à ambivalência também está associada a uma ampla variedade de distorções cognitivas, incluindo o pensamento dicotômico (conforme mencionado anteriormente), rotulagem (“Esta é uma alternativa inaceitável/uma má escolha”), ignorar os aspectos positivos (“Sim, existe esse aspecto positivo, mas também existe esse negativo”), filtragem negativa (focando primariamente nos aspectos negativos da alternativa em questão), adivinhação (antecipando o mau resultado como insuportável), raciocínio emocional (“Como eu estou ambivalente, essa deve ser uma má escolha”) e afirmações do tipo “deveria” (“Eu deveria estar completamente feliz com a escolha,” “Eu não deveria estar ambivalente”).

A intolerância à ambivalência está particularmente associada à filtragem negativa, a qual, conforme observado, envolve um viés de confirmação focado em tudo o que seja menos que perfeito na alternativa que está sendo considerada. Por exemplo, o homem descrito anteriormente com frequência focava em alguma qualidade negativa de sua parceira ou em humores negativos que ele experimentava. E então, interpretava essas observações e experiências como evidências de que ficaria preso à escolha errada. Quando se sentia entediado, interpretava isso como evidência de que deveria haver alguma coisa terrivelmente errada com o relacionamento: “As pessoas que têm bons relacionamentos não se sentem entediadas”. Soma-se à força dessa filtragem negativa a crença de que existe um mundo idealizado onde as outras pessoas podem estar vivenciando uma alegria consistente ou que as escolhas que o indivíduo pode fazer levarão à felicidade eterna. Tal idealização faz parte do problema mais amplo do “perfeccionismo emocional”, descrito em capítulos anteriores, o qual sugere que, de alguma maneira, o indivíduo deveria se sentir bem ou feliz o tempo todo, e que esse é um objetivo pelo qual vale a pena se esforçar.

MODIFICANDO A INTOLERÂNCIA À AMBIVALÊNCIA