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Limitações e possibilidades do transconstitucionalismo

3 AS INTERAÇÕES JUDICIAIS TRANSNACIONAIS EM MATÉRIA CONSTITUCIONAL: PROPOSTAS, DEFESAS E CRÍTICAS

3.7 O TRANSCONSTITUCIONALISMO DE MARCELO NEVES

3.7.4 Limitações e possibilidades do transconstitucionalismo

O transconstitucionalismo nos moldes apresentados por Marcelo Neves possui marcantes limitações, mas também apresenta possibilidades fundamentais para a sociedade mundial contemporânea. Os limites estão mais fortemente atrelados a condições empíricas. As possibilidades, por outro lado, estão relacionadas a duas formas distintas de integração: uma sistêmica (alternativa entre a construção de um sistema mundial unificado e a mera constatação da fragmentação), e uma social (alternativa entre pretensões hegemônicas autoritárias e uma construção ingênua de uma comunidade mundial).

Segundo o autor, existem condições empíricas na sociedade mundial hodierna que contribuem negativamente para a realização do transconstitucionalismo. Estas condições não são apenas decorrentes das influências invasivas de outros sistemas sociais (política, economia etc.) no sistema jurídico. Elas decorrem, principalmente, das assimetrias das formas de direito entre as várias ordens jurídicas que entram em contato. Estas assimetrias são prejudiciais ao desenvolvimento do transconstitucionalismo, pois a ordem jurídica mais forte tem o potencial de desconsiderar as pretensões e exigências da ordem jurídica mais fraca em determinado contexto. Desta situação, podem derivar mecanismos difusos de opressão e negação de identidade.377.

Referidas assimetrias são perceptíveis em vários níveis da sociedade global: do direito das grandes potências em relação ao direito internacional público, dos Estados politicamente fortes em relação aos politicamente fracos, das ordens jurídicas privadas em relação aos Estados periféricos e de alguns âmbitos funcionais (contrato e propriedade, por exemplo) em relação ao direito ambiental, ao direito social e aos direitos humanos de forma ampla. Desta forma, afirma Marcelo Neves que o transconstitucionalismo é um produto escasso na sociedade mundial, ao menos se entendido como entrelaçamentos estáveis entre ordens jurídicas. Estes só ocorrem em âmbitos extremamente limitados. Assim, seria

“totalmente ilusória a ideia de que as experiências com a racionalidade transversal nos termos do transconstitucionalismo entre ordens jurídicas estão generalizadas ou em condições de generalizar-se em um curto ou médio prazo”. Essas experiências fazem parte dos privilégios de alguns âmbitos jurídicos de uma sociedade mundial sensivelmente assimétrica378.

Por tudo isso, o autor é levado a dizer que não pode haver transconstitucionalismo sem uma relativa simetria das formas de direito. Ou seja, o entrelaçamento estável que possibilita “pontes de transição” entre ordens jurídicas distintas a partir dos seus centros (Pode Judiciário) só ocorre de maneira adequada quando as ordens jurídicas em jogo possuem, entre si, uma relativa simetria.

Apesar dessas dificuldades, é possível dizer que o transconstitucionalismo faz parte das exigências funcionais (promoção de integração sistêmica) e das pretensões normativas (promoção da integração social) da sociedade mundial hodierna.

Quando se observa as diversas ordens jurídicas presentes na sociedade mundial atual é bastante evidente a sua falta de unidade. Não há (e não deve haver) uma ordem jurídica única que englobe todas as ordens jurídicas parciais. Desta forma, é comum afirmar que a ordem jurídica mundial é fragmentada. Sem recair no argumento excessivamente normativista de uma utopia constitucional teleologicamente construída, Marcelo Neves afirma que falar em integração sistêmica significa promover relações de interdependência entre os fragmentos encontrados.

Para o autor, o transconstitucionalismo é uma das formas possíveis de se promover tal relação. Uma vez que o transconstitucionalismo oferece pontes de transição entre ordens jurídicas fragmentadas, ele contribui positivamente para a estruturação do sistema jurídico mundial sem, entretanto, apontar para uma estruturação hierárquica escalonada. Desta forma, ao mesmo tempo em que amplia a consistência do sistema através de reflexividade, o transconstitucionalismo oferece modelos de tratamento complexamente adequados às relações sociais379.

Tal como para integração sistêmica, o transconstitucionalismo seria uma alternativa viável para a integração social. Marcelo Neves assevera que existe um debate entre hegemonia e contra-hegemonia quando se analisa o cenário internacional atual. A defesa da hegemonia implicaria a “imposição” de uma narrativa única e a defesa da contra-hegemonia enxerga o “mundo internacional” como uma comunidade política. Para o autor, esta discussão faz pouco sentido, pois a tensão hegemonia/contra-hegemonia faz parte de qualquer

378 NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 285.

comunidade política e não apenas do cenário internacional. Esta tensão só seria resolvida em uma utopia moral. Além disso, enxergar a sociedade mundial como uma “comunidade política” seria subcomplexo. Este conceito só seria viável para descrever sociedades pré- modernas uma vez que necessita se atrelar à noção de pertinência, algo inviável quando se leva em conta a pluralidade intrínseca à sociedade mundial.

Assim, para Marcelo Neves, a questão da inclusão no cenário transnacional significa, em verdade, a redução crescente da exclusão. Para o autor, a “promoção da inclusão, vinculada a uma confrontação com as diversas formas da corrupção sistêmica, no plano da

sociedade mundial, encontra melhores perspectivas no desenvolvimento do

transconstitucionalismo” do que em ordens reciprocamente isoladas. Isto ocorreria “porque a identidade jurídica de cada ordem vinculada à alteridade transconstitucional possibilita a universalização dos direitos, independentemente da eventualidade ser membro ou não de uma determinada comunidade”. O que se exige no transconstitucionalismo não é a pertinência de um indivíduo a uma comunidade, mas a “promoção de inclusão generalizada, ou melhor, a redução da exclusão primária crescente, especialmente em relação ao direito”. Por este motivo, o autor afirma que se trata de uma questão moral na sociedade mundial a exclusão de vastos setores da sociedade dos benefícios mais elementares dos sistemas sociais, mormente o jurídico380.

A proposta, portanto, aponta para uma universalidade na proteção de direitos de forma a não recair em autoritarismos normativos ou culturais. O autor pretende interligar ordens jurídicas e seus respectivos mecanismos de proteção de direitos humanos fundamentais sem oferecer um sistema jurídico mundial unificado ou mesmo a construção de instituições comuns, embora não negue a possibilidade de criação dessas últimas.

Compiladas e analisadas as diversas propostas teóricas em torno das interações judiciais transnacionais em matéria constitucional, o capítulo seguinte da presente pesquisa avança para realizar uma síntese crítica do material coletado. O confronto entre as diversas perspectivas desvelará as possibilidades das referidas interações, bem como apontará para suas condições e limites.

4 CONDIÇÕES, POSSIBILIDADES E LIMITES DAS INTERAÇÕES JUDICIAIS

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